April 30, 2009

Esqueça a raiva e pense no futuro

Esqueça a raiva e pense no futuro - Exame abr/09
Para enfrentar a crise, o melhor é deixar de lado os escândalos do presente e se concentrar nas oportunidades que vão surgir

- por Jack e Suzy Welch
Revista EXAME - Você se lembra da posse do presidente dos Estados Unidos? Foi há pouco mais de dois meses. A economia estava em dificuldades, as pessoas estavam assustadas. Mas por um breve e brilhante momento - e talvez até um pouco mais - praticamente todo mundo pareceu acreditar que uma espécie de grande e necessária reinvenção iria acontecer. As pessoas sentiram esperança.

Hoje elas sentem raiva.

Quem sabe exatamente por que ocorreu essa terrível mudança? Ajudas econômicas sem fim, audiências rancorosas, demissões surpreendentes. Os sistemas de controle falharam quando não deveriam. Os líderes das empresas e os do governo cometeram erros. E muita gente decente está pagando o preço.

Mas sem dúvida a recente trapalhada sobre os bônus da AIG foi um ponto de virada. De repente, muitas pessoas deixaram de querer mudança e passaram a querer vingança.

Talvez isso seja compreensível. Mas o tumulto econômico e cultural mais profundo de nossa época não será solucionado se cedermos à raiva. A raiva só gera raiva: muitas vezes leva as pessoas a fazer coisas idiotas e míopes, que invariavelmente geram consequências imprevistas.
A raiva não é curativa. É polarizadora.

É por isso que todos precisamos lutar para manter a esperança viva e substituir nossa raiva por um enfoque maior e renovado nas coisas boas e absolutamente certas da vida - as "caça-raiva", como podemos chamá-las.

Veja, por exemplo, o fato de que neste exato momento há centenas ou milhares de estudantes de engenharia brilhantes no MIT, em Stanford e outros campi ao redor do mundo que estão sentados em seus dormitórios, vivendo à base de pizza e sem se importar com o tempo lá fora enquanto se debruçam sobre uma nova ideia interessante. Esses garotos malucos e suas ideias incríveis são o futuro da economia - basta esperar para ver.

Você também pode ter certeza de que existem legiões de pessoas por aí que não estão assustadas com a crise econômica. Estamos falando dos empreendedores. Os desafios não fazem com que eles se rendam. Os desafios lhes dão mais energia.

Ou considere o fato de que neste momento, em empresas de todo tipo, grandes ou pequenas, novas ou velhas, equipes de funcionários estão reunidas dando duro para descobrir como salvar empregos.

Você pode ter certeza de que, enquanto lê este artigo, pesquisadores médicos e laboratórios de todo o mundo estão trabalhando 18 horas por dia para descobrir os segredos do genoma humano e tratamentos além da imaginação. Você pode ter certeza de que a maioria deles - ou talvez todos - é motivada por um desejo forte e profundo de salvar vidas. É bem possível que você ou alguém que o cerca venham a se aproveitar do resultado dessas pesquisas no futuro.

Você pode ter certeza (ou quase) de que em abril Tiger Woods fará algo sobre-humano no torneio de golfe Masters e o mundo ficará maravilhado, feliz com sua volta.

Você pode ter certeza de que não muito depois do Masters, em um dia quente de primavera, uma mãe e um pai vão tentar conter as lágrimas enquanto veem o primeiro membro de sua família se formar no colégio. Você pode ter certeza de que eles não serão os únicos.

Você pode ter certeza de que, para cada idiota com a ética comprometida que prejudica os negócios, há 98 ou 99 pessoas decentes e trabalhadoras decididas a fazer a coisa certa. Você pode ter certeza de que essas pessoas vão predominar.

Você pode ter certeza de que um herói apartidário surgirá da lama no Capitólio e que essa pessoa nos mostrará o que é o verdadeiro serviço público.

Você pode ter certeza de que haverá mais de um herói no final disso.

Você pode ter certeza de que na próxima estação haverá uma nova canção no rádio que é tão incrível e divertida que você não conseguirá tirá-la da cabeça. Você pode ter certeza de que a música nunca morrerá.

Você pode ter certeza de que um dia, em um futuro não muito distante, vamos rever este tempo difícil e dizer: "Foi duro, mas nos esforçamos e aprendemos tanto que realmente reduzimos as possibilidades de que volte a acontecer".

Você pode ter completa e absoluta certeza de que o primeiro cachorro-quente que você comer enquanto assiste ao primeiro jogo de beisebol da temporada será maravilhoso - e o segundo também não será ruim. E, finalmente, você pode ter certeza de que nos lembramos de apenas alguns "caça-raiva" que deveriam estar nesta lista.

Quais são os seus?

April 22, 2009

São os vícios que nos humanizam

20.04.09
As Tentações do Bem


Uma ressaca de álcool ou uma ressaca moral cura qualquer vaidade. Achar-se virtuoso é a marca do bom canalha

- por LUIZ FELIPE PONDÉ

Uma leitora muito especial (minha mulher!) me chamou atenção para o risco de que entendessem, a partir de minha coluna de 13 de abril, que eu desprezo o meio ambiente e me falou que seria bom eu esclarecer minha crítica. Como não sou bobo nem louco, obedeci a ela (quem quer problema com a mulher?!), e, portanto, hoje volto a alguns dos temas da semana passada.

Repito: são os vícios que nos humanizam, e não as virtudes. Por exemplo, uma leitora me dizia como “é bom acordar acabada depois de uma noite de vícios e sentir como ela é um nada”. Essa me entendeu. Uma ressaca de álcool ou uma ressaca moral cura qualquer vaidade besta. Achar-se virtuoso é a marca essencial de todo bom canalha. Adoro almas pecadoras cheias de culpa. Os puros me acusam: você tem medo do homem evoluído! Respondo: sim, morro de medo.

Quem se acha agente de pureza tem minha natural antipatia. Muita gente cospe na cara da Igreja Católica e de religiosos em geral, acusando-os de hipócritas cheios de falsas virtudes. Hoje, a falsa virtude se espalha por rostos que exalam o mesmo mau cheiro da mentira moral de muitos dos bispos no passado.

Uma das coisas que mais chocou alguns leitores que provavelmente se acham puros foi a analogia entre proteger animais e os nazistas. Leiam “Liberal Fascism”, de Jonah Goldberg, editora Doubleday, 2007 (uma referência possível entre outras). Voltarei a isso logo, tenham paciência.

É evidente que o fato de escovar os dentes de manhã (coisa que os nazistas deveriam fazer) não torna os praticantes de higiene bucal membros do partido. Tampouco ter pena dos pandinhas faz de alguém um nazista latente. A analogia se dá pelo “que” de superioridade moral que muitas dessas pessoas associam à preocupação com os ursos pandas, a natureza e o antitabagismo. Quem disser o contrário, mente. O mesmo tipo de mentira moral acompanha grande parte dos comedores de rúcula (dizem por aí que Hitler era vegetariano…). Não comer carne significaria um dado de pureza diante da baixaria sangrenta típica dos comedores de picanha. Bobagem. Muitos canalhas se sentem mal em churrascarias, detestam tabaco e conversam com plantas.

A correspondente de guerra Martha Guellhorn conta em seu livro “A Face da Guerra” (editora Objetiva, 2009), numa conversa com um refugiado polonês, que os nazistas, depois de mandar judeus para o inferno e poloneses para a escravidão, enviavam veterinários para cuidar da população de cães e gatos da região. Que sensibilidade ambiental, não?

A relação que o jornalista Goldberg descreve em seu interessante livro é conhecida de muitos: a preocupação com a natureza é fruto do romantismo (coisa em que os alemães dos séculos 18, 19 e 20 foram muito bons), raiz do nacional-socialismo (prestem atenção: “socialismo”!). O romantismo foi muito marcado pela ideia de que os humanos poluem a divindade da natureza. Adorar a natureza é coisa de neopagão bobo: câncer é tão natural quanto foquinhas. Isso não significa que matar focas a pauladas seja bonito, mas significa que esse papo de “deusa-natureza” é coisa de fanático. Para muitas viúvas do Che, “ser verde” é o “produto utopia” que resta.

Mas minha dúvida é a seguinte: qual o motor principal desse ódio aos “poluidores” da natureza? Não acredito que sejam as coitadas das foquinhas, mas sim a capacidade natural do ser humano de gostar de odiar outros seres humanos, principalmente se este ódio for justificado por alguma falsa virtude (amor aos animais, ódio aos fumantes, paixão pelas cenouras).

E, por fim, chegamos ao fantasma da eugenia (a busca de uma vida perfeita cheia de humanos saudáveis). A tese central de Goldberg é que o fascismo permanece em nosso horizonte cultural como um mercado invisível de eugenia silenciosa. Essa eugenia é nossa “tentação do bem”. O paradigma de uma sociedade da “grande saúde” é típico dos totalitarismos. Belos corpos, comida balanceada (outra coisa cara aos nossos ancestrais nazistas: preocupação com a alimentação), ar sempre puro, pessoas que agregam saúde aos comportamentos cotidianos. Suspeito que muitos desses fascistas da saúde que andam por aí se sentiriam em casa em algumas das organizações nazistas preocupadas com o meio ambiente e com a saúde na Polônia em 1943.

E, para terminar, olhem que pérola: “Adoro ver essa demonstração de saúde ao meu redor”, Adolph Hitler.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2004200921.htm