Todo mundo quer ser livre; ou, ao menos, ter alguma liberdade de escolha na
vida. Não há dúvida de que todos temos nossos compromissos, nossos vínculos
familiares, sociais e profissionais. Por outro lado, a maioria das pessoas
imagina ter também a liberdade de escolher o que fazer, do mais simples ao mais
complexo: tomo café com açúcar ou adoçante? Ponho dinheiro na poupança ou gasto
tudo? Em quem vou votar na próxima eleição? Caso com a Maria ou não?
A questão do livre arbítrio, ligada na sua essência ao controle que temos
sobre nossas vidas, é tradicionalmente debatida por filósofos e teólogos. Mas
avanços nas neurociências estão mudando isso de forma radical, questionando a
própria existência de nossa liberdade de escolha. Muitos neurocientistas
consideram o livre arbítrio uma ilusão. Nos últimos anos, uma série de
experimentos detectou algo surpreendente: nossos cérebros tomam decisões antes
de termos consciência delas. Aparentemente, a atividade neuronal relacionada com
alguma escolha (em geral, apertar um botão) ocorre antes de estarmos cientes
dela. Em outras palavras,
o cérebro escolhe antes de a mente se dar conta disso.
Se este for mesmo o caso, as escolhas que achamos fazer, expressões da nossa
liberdade, são feitas inconscientemente, sem nosso controle explícito.
A situação é complicada por várias razões. Uma delas é que não existe uma
definição universalmente aceita de livre arbítrio. Alguns filósofos definem
livre arbítrio como sendo a habilidade de tomar decisões racionais na ausência
de coerção. Outros consideram que o livre arbítrio não é exatamente livre, sendo
condicionado por uma série de fatores, desde a genética do indivíduo até sua
história pessoal, situação pessoal, afinidade política etc.
Existe uma óbvia barreira disciplinar, já que filósofos e neurocientistas
tendem a pensar de forma bem diferente sobre a questão. O cerne do problema
parece estar ligado com o que significa estar ciente ou ter consciência de um
estado mental. Filósofos que criticam as conclusões que os neurocientistas estão
tirando de seus resultados afirmam que a atividade neuronal medida por
eletroencefalogramas, ressonância magnética funcional ou mesmo com o implante de
eletrodos em neurônios não mede a complexidade do que é uma escolha, apenas o
início do processo mental que leva a ela.
Por outro lado, é possível que algumas de nossas
decisões sejam tomadas a um
nível profundo de consciência que antecede o estado mental que associamos com
estarmos cientes do que escolhemos. Por exemplo, se, num futuro distante,
cientistas puderem mapear a atividade cerebral com tal precisão a ponto de
prever o que uma pessoa decidirá antes de ela ter consciência da sua decisão, a
questão do livre arbítrio terá que ser repensada pelos filósofos.
Mesmo assim, me parece que existem níveis diferentes de complexidade
relacionados com decisões diferentes, e que, ao aumentar a complexidade da
escolha, fica muito difícil atribuí-la a um processo totalmente inconsciente.
Casar com alguém, cometer um crime e escolher uma profissão são ponderações
longas, que envolvem muitas escolhas parciais no caminho que requerem um diálogo
com nós mesmos. Talvez a confusão sobre o livre arbítrio seja, no fundo, uma
confusão sobre o que é a
consciência humana.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/2014/01/1396284-pensando-livremente-sobre-o-livre-arbitrio.shtml
PS- Para ouvir a trilha do dia, vai lá: http://www.youtube.com/watch?v=X-afZJ9_TIM
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