Um convite, um encontro e uma lista
- Paula Mazzini
Recebi um convite: vou me encontrar com o rei.
O que fazer? Como me preparar? Não posso usar qualquer roupa, nem chegar de qualquer jeito.
Os preparativos tomam tempo e viram prioridade. Preciso levar um presente. Talvez cantar uma música. Vou me ajoelhar? Não sei...
Dizem que estar com o rei é uma ótima oportunidade para fazer pedidos. Começo uma lista. Acho que tenho chance de ser ouvida, já que fui convidada. Se não todos, pelo menos alguns ele atenderá. Afinal, nem todos são para mim. Alguns são de causa nobre.
Não é fácil se preparar para algo tão importante. É cansativo, exaustivo até. Ensaio uma música, compro um presente. Arrumo uma roupa decente. Refino minha lista tirando os pedidos ilegítimos.
Repasso as falas, me alegro com a oportunidade. Sei que nunca mais serei a mesma depois desse encontro.
O banho é mais demorado – preciso estar em minha melhor forma. Tento me purificar por dentro também, não quero que nada atrapalhe meu encontro com rei.
Reviso sentimentos, me livro de pesos e mágoas. Qualquer coisa pesada está descartada. Quero um rosto suave. Quero transpirar confiança. Ouço conselhos, tomo atitudes, faço as pazes com alguns inimigos. Limpo a mente e me encho de esperança.
Ouvi dizer que o rei é muito generoso – outras pessoas que estiveram com ele saíram com as mãos cheias. É o que quero também.
O momento chega. Estou pronta, dou meus passos em direção a porta. Presentes e lista em punho. Acho que o rei ficará orgulhoso de mim. Eu estou.
Quando, finalmente, chego a sua presença sou tomada pelo indescritível. Absolutamente nada poderia me preparar para o que meus olhos viram. Ouvi tanto sobre o rei, pesquisei tudo sobre ele, conheço seu castelo como a palma da minha mão. Estive com pessoas que estiveram com ele. Ensaiei esse encontro tantas vezes. Mas o rei... ah, o rei. É impossível se preparar para um encontro desses. O esplendor. A majestade. A pureza. A beleza incomparável. Seus olhos de amor. A misericórdia e a mansidão de suas palavras. Seu toque. Sua presença avassaladora.
E o que era surpresa, passa a ser constrangimento. Quero esconder meus presentes.
Quem sou eu para dar algo para este rei, tão completo em si mesmo? Não há no mundo um presente que seja digno.
Ele percebe meu constrangimento e ainda assim recebe meus presentes, com olhar compassivo de pai. Passo horas desfrutando desse encontro. Perco a timidez e falo um pouco. Agradeço. Também ouço o que ele diz e o admiro cada vez mais. Tomo coragem e canto as músicas que preparei, mas não quero que o momento acabe. Uma hora com ele valem mais do que mil em outro lugar. É perfeito, jamais me senti assim na presença de ninguém. Completa, aceita, curada, amada.
Ao sair me sinto outra pessoa. Junto com meus presentes ficaram também o medo, a ansiedade, a tristeza e outras coisas imperceptíveis em minha preparação.
Só então me dou conta de que me esqueci de algo. A lista. De tão absorta acabei me esquecendo de mencionar os pedidos. Como pude esquecer de algo que era tão importante para mim? Tiro do meu bolso um papel. Rasgo a lista e jogo na lixeira mais próxima. Não faz mais sentido pedir nada. O que realmente é importante eu já recebi: a oportunidade de estar com o rei.
E depois de estar com ele, o resto já não importa mais.
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