Como livrar-se da raiva para seguir em frente
- Daniel Martins Barros
A cantora lírica americana Beverly Sills disse certa vez que “Não existem atalhos para lugares a que valha a pena ir”. (Não, a frase não é do Paulo Coelho, como dizem alguns sites). De fato, não existe caminho fácil para grandes recompensas. Se por um lado nem tudo o que é trabalhoso leva a um fim bom, por outro nenhum resultado relevante é alcançado sem esforço.
Essa introdução é importante para falarmos de perdão. Hoje, 30 de agosto, é o Dia Nacional do Perdão, oficialmente incluído esse ano no calendário brasileiro por iniciativa da deputada federal Keiko Ota (PSB-SP). Vale lembrar que Ota entrou em campanha pelo perdão após ter seu filho de 8 anos sequestrado e assassinado vinte anos atrás. Não se trata de alguém que não sabe do que está falando.
Mas por que perdoar é tão difícil? E se é difícil, por que é tão eficaz?
O perdão vai contra uma de nossas reações emocionais mais primitivas – a raiva. Ao sermos atacados de alguma forma – seja física ou emocionalmente, por atos ou palavras, real ou imaginariamente – imediatamente surge em nós o instinto de contra-atacar. Essa reação, cujo objetivo inicial era garantir a proteção imediata, sofreu um deslocamento a partir da nossa organização como sociedade, incitando-nos à busca de reparação. Se o contra-ataque imediato não é possível, passamos a amargar emoções negativas dirigidas a quem achamos que nos prejudicou, remoendo a sensação de que precisamos fazer algo para não ficarmos no prejuízo. E se não é possível recuperar o que se perdeu, acreditamos que ao menos impor um sofrimento igual ou maior ao nosso oponente pelos menos nos fará quites. Eis como nasce o desejo de vingança.
A essa altura já é possível compreender porque é tão trabalhoso – já que contraria nossos instintos – mas porque pode ser tão eficaz. Porque muitas vezes na vida é simplesmente impossível alcançar reparação emocional para eventos que nos deixaram verdadeiramente com raiva. O golpista nos devolve o dinheiro, mas continuamos sentindo que fomos humilhados. O agressor é preso, e persiste em nós a sensação de que não é suficiente. O estuprador é executado, e ainda assim não nos convencemos que as contas foram acertadas. A justiça pode ter sido feita, mas a raiva não passa.
Perdoar não é esquecer, não é ignorar o fato ocorrido, não é ficar de bem com o ofensor nem desculpar quaisquer atitudes erradas. Não é sequer livrar a pessoas das consequências legais de seu ato. Perdoar passa, em primeiro lugar, por admitir que foi causado um mal, que fomos vítimas de algo errado que não deveria ter acontecido. E que alguém tem culpa. Mas que, apesar de tudo isso, não há o que possa trazer verdadeira cura para nosso mal-estar, a não ser deliberadamente decidir abrir mão dos sentimentos negativos em relação a quem nos ofendeu.
Pode parecer teórico demais, mas estudos com diversos tipos de pessoas realmente feridas vem mostrando a eficácia de se livrar ativamente do ressentimento, do ódio, das ruminações. Há estudos com vítimas de incesto, com mulheres abusadas emocional, física e mesmo sexualmente, com pessoas expostas a conflitos armados sofrendo de estresse, e em todos os casos as intervenções promovendo o perdão melhoraram a qualidade de vida, reduziram a ansiedade e em muitos casos eliminaram sintomas depressivos.
Realmente não é fácil perdoar. Os frutos do perdão podem ser bons, mas ficam escondidos atrás da muralha de nossos instintos, sobre a qual temos dificuldade de enxergar. Mas o Dia do Perdão serve para nos lembrar que a alternativa – alimentar a raiva, buscar de vingança ou esperar da justiça o alívio do ódio, da mágoa ou da tristeza – é inútil. Livrar-se desse peso e seguir em frente é o melhor caminho a se trilhar. E nele, não existem atalhos.
Fonte: http://emais.estadao.com.br/blogs/daniel-martins-de-barros/dia-do-perdao-livrando-se-da-raiva-para-poder-seguir-em-frente/