“Se a seleção brasileira de futebol jogasse contra o seu time, para quem você torceria?” 

Não lembro mais os detalhes da conversa, ocorrida há vinte e cinco anos, mas lembro da resposta do corintiano João então colega de escola e hoje colega de profissão. “Pro Corinthians, claro. Qualquer pessoa vai torcer para o seu time”. 

A partir daí fui aprofundando o raciocínio. E se o Corinthians jogasse contra o time do seu bairro? E se o time do bairro jogasse contra um combinado da sua família? E se, dentro da família, fossem primos contra irmãos?

Não guardo na memória quais foram as respostas – já lá se vai um quarto de século – mas guardei esse insight

 Nós temos uma sensação de afinidade crescente com as pessoas quanto mais próximos nos julgamos delas. E quanto mais localmente estabelecemos a relação, maior proximidade sentimos. Por que torcer pelo time de sua cidade contra o time de seu país, afinal?

Mas essa lógica é perigosa como mostram as cenas de brasileiros agredindo venezuelanos para expulsá-los de Pacaraima, munício de Roraima. Após um assalto atribuído a criminosos vindos da Venezuela a população se revoltou e um tumulto teve início. As tendas onde os estrangeiros estavam instalados foram destruídas e seus pertences incendiados. Por quê? Não é porque são todos bandidos obviamente. Não dá para imaginar que a população revoltada expulsava a todos indiscriminadamente, mulheres e crianças inclusos, queimando suas coisas, pensando serem todos foras-da-lei. 

O que acontece?

Acontece que numa cidade pobre de um estado pobre, na qual a população já se ressente do que falta a eles mesmos, ter a sensação de ser obrigado a dividir seu pouco com os outros gera revolta. 

Contudo isso apenas porque pensamos neles como outros. Não são dos nossos. Se fossem dos nossos, não reclamaríamos.

Será?

Hoje são os brasileiros contra os venezuelanos. Mas seguindo esse raciocínio, não é difícil pensar num cenário em que os cidadãos de Pacaraima começassem a ir para o município vizinho de Uiramutã fugindo da invasão venezuelana sobrecarregando também postos de saúde, serviços básicos etc. Ou amazonenses contra roraimenses resistindo a receber os imigrantes que entram por Roraima. Até bairros poderiam se voltar uns contra os outros. No limite chegaríamos ao cenário tão pré-histórico como pós-apocalíptico de clãs lutando entre si pela sobrevivência.

Não foi com esse espírito que desenvolvemos a civilização. 

Ao contrário, se conseguimos descer das árvores e chegar à cirurgia robótica foi só porque compreendemos que a colaboração entre seres humanos é mais vantajosa do que a violência mútua. Quando os recursos são escassos, mais proveitoso do que lutar por eles é unir forças para conseguir mais.

É evidente que o problema não é simples. Mas como sempre, violência não é uma solução. Qual é então? Bem, se essa pergunta pudesse ser respondida num parágrafo de blog não existiria uma crise de refugiados global. Mas creio que um dos primeiros passos seja inverter essa lógica temerária quem nos leva a discriminar quem não seja vizinho.

A verdade é que a resposta final eu não sei. Mas a inicial deveria ser abandonar a ideia de que existe um outro, retomando a compreensão do que significa fazer parte da humanidade.

Fonte: https://emais.estadao.com.br/blogs/daniel-martins-de-barros/ate-que-nao-existam-outros/