April 16, 2011

Lição de vida em Fukushima

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A carta a seguir foi escrita por Ha Minh Thanh, um imigrante vietnamita que é policial em Fukushima no Japão. Era endereçada a seu irmão, mas acabou chegando a um jornal em Shangai que a traduziu e publicou.

"Querido irmão,

Como estão você e nossa família? Estes últimos dias têm sido um verdadeiro caos. Quando fecho meus olhos, vejo cadáveres e quando os abro, também vejo cadáveres.

Cada um de nós está trabalhando umas 20 horas por dia e mesmo assim gostaria que houvesse 48 horas no dia para continuar ajudando a resgatar pessoas. Estamos sem água e eletricidade e as porções de comida estão quase a zero. Mal conseguimos mudar os refugiados e logo há ordens para mudá-los para outros lugares.

Atualmente estou em Fukushima, há uns 25 quilômetros da usina nuclear. Tenho tanto a contar que se começasse, essa carta se tornaria um verdadeiro romance sobre relações humanas e comportamentos durante tempos de crise.

As pessoas aqui permanecem calmas: seu senso de dignidade e comportamento são muito bons; assim, as coisas não são tão ruins como poderiam. Entretanto, não posso garantir que não cheguem a um ponto onde não poderemos dar proteção e manter a ordem de forma apropriada. Afinal de contas, eles são humanos e quando a fome e a sede se sobrepõem à dignidade, eles poderãp fazer o que tiver que ser feito para conseguir comida e água.

O governo está tentando fornecer suprimentos pelo ar enviando comida e medicamentos, mas é como jogar um pouco de sal no oceano.

Irmão querido, houve um incidente realmente tocante que envolveu um menino japonês que ensinou a um adulto como eu uma lição de como se comportar como um verdadeiro ser humano.

Ontem à noite fui enviado para uma escola infantil para ajudar uma organização a distribuir comida aos refugiados. Era uma fila muito longa e notei ao final dela, um garotinho de uns 9 anos que usava uma camiseta e um short.

Estava ficando muito frio e fiquei preocupado se, ao chegar sua vez, poderia não haver mais comida. Fui falar com ele. Ele contou que estava na escola quando o terremoto ocorreu. Seu pai, que trabalhava perto, estava se dirigindo para a escola para apanhá-lo e ele, que estava no terraço do terceiro andar, viu quando o tsunami levou o carro com seu pai dentro.

Perguntei sobre sua mãe. Ele disse que sua casa era bem perto da praia e que ela e sua irmãzinha provavelmente não sobreviveram. Notei que ele virou a cabeça para limpar uma lágrima quando perguntei sobre a família.

O garoto estava tremendo. Tirei minha jaqueta de policial e coloquei sobre seus ombros. Foi aí que a minha bolsa de obentô (comida) caiu. Peguei-a e dei a ele dizendo: “Quando chegar a sua vez a comida pode ter acabado. Assim, aqui está a minha porção. Pode comer”.

Ele pegou o pacote, fez uma reverência e quando pensei que fosse abrir, ele foi até o início da fila e colocou a marmita onde todas as outras comidas estavam esperando para serem distribuídas.

Fiquei chocado. Perguntei-lhe por que ele não havia comido ao invés de colocá-la na pilha de comida para distribuição. Ele respondeu: "Porque vejo pessoas com mais fome que eu. Se eu colocar a comida lá, eles irão distribuí-la mais igualmente".

Quando ouvi aquilo, me virei para que as pessoas não me vissem chorar.

Uma sociedade que pode produzir uma pessoa de 9 anos que compreende o conceito de sacrifício para o bem maior deve ser uma grande sociedade, um grande povo.

Bem, envie minhas saudações à sua família. Tenho de ir, o meu plantão já vai começar".
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