May 21, 2012

A experiência interior

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Fazer perguntas pode nos levar a trilhar novos caminhos

- por Eduardo Rosa Pedreira

A maiêutica é um método de aprendizado inventado pelo filósofo grego Sócrates (469-399 a.C.). Ele cria que a verdade estava dentro dos seus discípulos, cabendo-lhe, como mestre, apenas a tarefa de promover o chamado “parto intelectual”. Em outras palavras, o processo ajuda a nascer aquilo que o discípulo intuitivamente já sabia, mas por si só não era capaz de gerar. Usando desta metodologia, que consistia em fazer perguntas e não trazer informações prontas, o sábio ensinava seguidores a dar luz a novas ideias e a todo um conceito de viver. Foram as perguntas, e não as respostas, o ponto de partida de um dos momentos mais férteis do pensamento humano.

Fazer perguntas sem a preocupação de fornecer-lhes respostas pode nos levar a trilhar novos caminhos ou reencontrar rumos que já perdemos. Por exemplo – a nossa experiência com Deus tem várias dimensões ou somente uma? Se tem várias, quais são? Podemos dizer que há uma dimensão exterior desta experiência, perceptível ao olhar daqueles que conosco convivem e a nós mesmos? Mas também é possível afirmar que existe uma outra dimensão, que é interior e não percebida aos outros e a nós? O que acontece em nosso interior quando realmente estabelecemos uma relação de profunda intimidade com Deus? O que se mexe e remexe dentro de nós? Que transformações se dão? É esta dimensão interior da experiência com o Senhor a base para todas as outras?

O viver com Deus segue a ordem do “de dentro para fora”? Tem esta dimensão interior uma primazia sobre a exterior? Ou não tem? Se não, então podemos buscar a Deus fora de nós sem, primeiro, tentar vivê-lo em nosso interior? Ou estas duas dimensões – a exterior e a interior – acontecem sempre unidas uma à outra? Ao encontrar Deus fora de mim, automaticamente passo a vivê-lo dentro de mim? Por outro lado, será que esta divisão do interno e do externo não é meramente algo da reflexão teórica de um artigo como este, e na prática tais realidades são indivisíveis? Mas, se por um momento acharmos que sim, a dimensão interior da experiência com Deus vem em primeiro, se entendermos que é exatamente ali, no coração, “onde nascem as fontes da vida” – para usar a linguagem do poeta – é que tudo começa?

Não seria isso que o sábio autor de Provérbios quis dizer quando afirmou que, sobre tudo que se deve guardar, guarde-se o coração? Não terá sido esta a lição que Jesus quis ensinar-nos quando disse algo como: “Do coração procedem os maus pensamentos: mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias”? Se é assim, então os místicos estavam certos todo o tempo? Vale a pena então mergulhar profundamente na dimensão interior da experiência com Deus para de lá organizar toda a vida externa? Então, Thomas Kelly, devotado pastor quaker, estava na direção certa quando, em seu belíssimo livro Um testamento de devoção, afirma que há um centro divino em nós, a partir do qual todo o resto deve orbitar? Sim, a prevalecer esta lógica, outro Thomas, o Merton, monge trapista, estava correto quando optou por uma vida contemplativa, na qual tudo começa no interior para desabrochar exteriormente, como reflete em seu impactante livro Experiência Interior?

Se esta dimensão interior deveria ser melhor cuidada por nós todos, então quão pobre existencialmente tem sido a complexa vida dos cristão em nossas igualmente complexas cidades? Mas como cultivar algum nível de experiência interior com Deus se o despertador toca e com ele o ritmo alucinadamente externo se impõe na nossa vida? Como viver tal dimensão interior quando se está preso num baita engarrafamento? Seria possível cultivar o senso de presença de Deus dentro de nós se nosso interior está dominado pela tirania do urgente e do resultado que exigem de nós? Como dedicar tempo para esta dimensão interior quando, externamente, multiplicam-se os desafios para pagar contas, manter o emprego e guardar alguma coisa para a aposentadoria?

E quanto aos pastores? Como dar conta desta dimensão interior se cada vez menos eles são valorizados como homens de Deus e mais como oradores, que fazem da pregação ora uma plataforma de manipulação psicológica, ora um palco para exibição de intelectualidade? Como conseguir se interessar por Deus se existe uma enorme pressão para o crescimento das igrejas? Não estariam os ministros do Senhor, assim como a Igreja e a sociedade que a cerca, absoluta e irremediavelmente condenados à superficialidade? A trindade do nosso tempo – o deus-resultado, o filho-entretenimento e o espírito-distração – não estaria matando a dimensão interior da nossa experiência com Deus, mesmo quando estamos no culto?

Perguntas, simplesmente perguntas! Que sejam elas sementes a germinar uma reflexão capaz de nos levar às decisões e transformações necessárias para uma vida mais cheia de Deus.

Fonte: http://cristianismohoje.com.br/materia.php?k=101
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