O evangelho alterou as bases conceituais, religiosas e filosóficas, de toda a geração de Jesus Cristo. Sua pregação quebrou os paradigmas e re-significou conceitos que se solidificam na compreensão popular. Pode ser até que o efeito não tenha sido percebido de imediato, mas aos poucos as sociedades alteraram sua maneira de entender aspectos que antes eram tratados como definitivos.
Este efeito retardado de quebra de paradigmas e re-significação é parecido com o que o pastor Ricardo Barbosa descreve como o evangelho da bomba relógio. Ela é colocada em nós, através da pregação do evangelho, com hora marcada para estourar. Mesmo que demore certo tempo, um dia ela estoura e quando vemos,
estamos diferentes, pensamos diferentemente e agimos assim também.
Daí a importância do contato constante com o ambiente da fé. Mais dia menos dia a bomba relógio que é plantada em nós estoura, e então
não somos mais o que éramos antes.
Este texto de João traz três destes conceitos que sofreram re-significação do evangelho e que se tornam bombas-relógio em nós:
1. Maturidade – Enquanto o senso comum define maturidade como autonomia, o evangelho define como dependência. É normal a expectativa de que com o passar dos anos as pessoas passem a dominar habilidades, conhecimentos, técnicas e competências, que as fazem melhores profissionais, artistas, etc. Tal conceito implica em que com o passar do tempo tenhamos certa autonomia de métodos, cartilhas, e até de tutores. A tutoria, neste aspecto prático, deve ser dispensada em algum momento da vivência. Quem não consegue “andar com as próprias pernas” não pode ser encaixado na descrição de maduro.
No entanto, o evangelho vai afirmar que maduro é quem depende, porque o texto descreve que a relação espiritual ideal é a do galho que jamais se desprende da árvore e que dela depende para sua sobrevivência. A afirmação de Jesus não deixa dúvidas, “sem mim nada podem fazer”. Os modelos de relacionamento que Jesus apresentou também colaboram com este novo conceito, porque “O Reino de Deus é das crianças” e “quem quiser entrar deve se fazer como uma delas”. Jesus chamava Deus de Pai e com Ele nutria uma relação de dependência plena, afirmando que somente
fazia o que o Pai autorizava e o que via o Pai fazer.
Em nenhum momento há indicativo de que a espiritualidade humana deve ser desenvolvida a partir de métodos e cartilhas, com princípios extraídos das Escrituras, a fim de que todo homem seja capaz de praticar os conteúdos da fé de maneira autônoma a Deus. Este é o engano.
Tendemos a usar a fé como bússola para uma viagem que nós nos aventuramos a fazer por conta própria. Usamos a fé como código normativo, que gera cartilhas que, pretendemos, sejam manual de sobrevivência na selva da “vida real”. Então cremos que cursos e seminários nos ensinam a orar. Perguntamos às pessoas qual é o método que usam para estudarem a Bíblia na intenção de, usando o mesmo método, conseguirmos lapidar as mesmas pérolas que elas. Isso, em nossos dias, se torna um mercado lucrativo de livros de auto-ajuda com versículos bíblicos, que prometem vida feliz, próspera e de sucesso.
Fato é que a dependência é, à princípio,
lugar de desconforto. A rebelião adaptou a humanidade à necessidade de independência e de autonomia. Fazer sozinho e por si é a força motriz das realizações humanas e somente uma bomba-relógio que explode as construções mais elementares é capaz de nos readaptar à realidade do evangelho.
Deus não espera que sejamos bons alunos e aplicados desenvolvedores de métodos e sistemas, mas que dependamos dEle constantemente até o dia em que nos tornemos de tal modo vulnerável e dependente que sejamos comparados a uma
criança de colo.
2. Obediência – Enquanto o senso comum liga a idéia de obediência ao cumprimento de ordens e sua motivação principal a possibilidade de castigo como consequência do não cumprimento, o evangelho a liga a uma amizade franca e profunda. E é o senso comum implantado em nós que nos faz ler, se formos corajosos, os versículos em que Jesus fala sobre odediência e amizade, confessando nossa dúvida à respeito do assunto. Como é que amigos só são amigos de verdade se obedecem aos amigos? Esta é a questão do conceito natural. Porque temos de obedecer aos superiores e às autoridades, temos de obedecer aos pais, mas aos amigos queremos ter apenas um relacionamento bem leve que nos desobrigue de qualquer peso e sentimento de medo em relação a qualquer descumprimento de ordens. Fato é que queremos amigos justamente para não obedecer.
Acontece que a obediência ganha um novo significado nas palavras de Jesus e nos revela qual obediência Ele espera de nós. Sem qualquer dúvida afirmo que não se trata da obediência baseada no medo, a que pressupõe castigo, porque medo e castigo são desfeitos no amor que nos aperfeiçoa, como diz o próprio João em sua primeira carta, “o amor lança fora o medo”. Deus não quer ser obedecido por medo.
Obediência, no evangelho, só acontece entre amigos. E isso é bem simples quando a bomba estoura em nossa compreensão. Quando um amigo lhe indica um restaurante e você segue sua indicação, ou quando indica uma oficina mecânica e você leva seu carro, quando indica um remédio caseiro e você toma [sem receita médica], enfim, a cada uma destas ações o evangelho chama de obediência. Obedecer é fazer o que lhe indicaram.
Você não tem medo de não fazer e então o que resta como motivação de sua obediência é a confiança. Caso você realize a indicação do amigo e não “der certo”, é provável que tome certo cuidado e até que dispense suas indicação depois, porque foi quebrada a confiança, ou em seu caráter, ou em seu conhecimento e competência. A desobediência a Deus expressa nossa desconfiança ou em seu caráter ou em sua capacidade.
E a desconfiança também é força motriz humana, derivada da rebelião da raça. Porque no dia em que o primeiro casal resolveu dar crédito ao que a serpente disse, confiou nela e, conseqüentemente, desconfiou de Deus e de Sua Palavra. Este se tornou o padrão humano de relacionamentos e a bomba-relógio do evangelho estoura um dia revelando que
Deus é confiável e que podemos nos relacionar com Ele obedecendo suas indicações, assim como um amigo faz com seu amigo, simplesmente porque confia em seu caráter, conhecimento e competência, não por medo.
A religião se alimenta do medo. Deus nutre em nossa alma uma sincera confiança que faz de nosso relacionamento uma doce, leve e profunda amizade. Obediência é confiança.
3. Alegria – João é mestre na escola de desejar alegria completa de seus leitores [sua primeira carta nos mostra isso]. Ele segue a intenção de Jesus Cristo que entende que sua alegria depende da alegria de seu semelhante. De maneira impactante e que dispensa muita explicação, o re-significado conceitual de alegria atinge em cheio nossa pré-disposição e nosso preconceito porque afirma que a alegria humana não acontece via egoísmo, mas via altruísmo. Só é feliz quem vive buscando a felicidade do outro e jamais será feliz quem busca a própria felicidade.
Para o evangelho, o amor não é algo que se nutre por si mesmo, pelo menos como finalidade, mas pelos outros. E este amor ao outro é a fonte da alegria pessoal, por isso que não sendo o benefício próprio a finalidade do amor, é o veículo e o resultado dele. Conquanto não devamos buscar nossos próprios interesses nos negócios do amor, precisamos nos amar como paradigma do amor ao outro e o resultado de amarmos aos outros é nos tornamos alegres, ou seja, ganhamos com isso.
E esta é a peça que faltava no quebra-cabeças do amor altruísta, porque
a maioria de nós teme amar e não ser amado. Também não encontra forças para amar, porque
não se sente amado e o ser desamado não tem condições de amar.
No entanto, ao invés de buscarmos nosso amor próprio para que primeiro nos sintamos amados e depois venhamos a amar, o evangelho sugere o caminho de lançarmo-nos ao amor altruísta na esperança de que nos sintamos amados também. Isso é verdade porque quando amamos servindo ao próximo nos identificamos com a pessoa que Deus criou para sermos.
Deus nos criou para relacionamentos de amor, cuidado, preservação e quando nos arremessamos nessa direção nos tornamos mais aquilo para o qual fomos criados. Só conseguimos amar de maneira altruísta porque este
amor alimenta nossa identidade em Cristo e como filhos amados do Pai podemos amar nossos irmãos.
E porque somos amados por um Deus de amor, temos como padrão o amor dEle por nós. Padrão este que ao mesmo tempo é elevado também é
flexível e medido pela capacidade humana de amar. Deus quer que amemos como Ele, mas com aquilo que temos e somos.
Jesus afirmou que dava sua vida de maneira espontânea e que ninguém a tirava dEle. Ele a dá, não é arrancada. Ele deu tudo o que tinha e o que tinha era sua própria vida, por isso a deu em favor de seus amigos como prova e exemplo final de amor.
E
o que me liberta é que o Deus que dá o que tem não exige que eu dê o que não tenho. Amar como Deus amou é dar aquilo que se tem pra dar e não ser agredido e ter arrancado aquilo que não se tem. Isso define que o amor altruísta que produz alegria pessoal é o amor da medida da capacidade humana.
Então, quando nos relacionamos com as pessoas através do amor altruísta,
devemos identificar quais os limites daquilo que há em nós e que podemos oferecer aos outros e não permitir que as pessoas usurpam e exijam aquilo que não temos para dar. Fato é que em uma realidade descompensada como a nossa, exigimos e recebemos exigências baseadas em carências e não naquilo que se pode oferecer. Fantasiamos relacionamentos para suprir nossas carências e isso exige além do que as pessoas reais podem oferecer.
Portanto, aqueles a quem deveríamos amar se tornam nossos inimigos porque nos assaltam, nos agridem.
Ninguém pode amar se não lhe for respeitado o limite de suas possibilidades de amar. A melhor maneira de
amar as pessoas é dar a elas apenas aquilo que podemos dar. Isso implica em não nutrir falsas esperanças e não sucumbir às pressões emocionais alheias. Precisamos dizer não, para termos saúde para dizermos sim.
Que nossos corações sejam implodidos pelas bombas do evangelho! Que sejamos crianças dependentes do Pai, que sejamos amigos confiantes e confiáveis, que nos alegremos com a liberdade de poder amar o outro porque o amor que se dá ao outro é o que se tem pra dar.
© 2005 Alexandre Robles
Fonte: http://www.alexandrerobles.com.br/conceitos-re-significados/
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