December 19, 2012

Os efeitos da ressurreição

Dias como a Páscoa e o Natal demoram a causar em meu coração a emoção esperada. Conquanto eu saiba que se tratam de festas comerciais e que isso é fator determinante para o desvio das atenções, questiono porque não consigo sentir o que se espera de alguém que segue a Cristo, em dias tão repletos de significado quanto estes. Fato é que luto pra encontrar o sentido.

Algo bom disso é que não corro riscos maiores de deixar-me seduzir por dias e festas sagradas, o que definitivamente não é a essência da fé. Neste ponto não me constranjo em dizer que tais dias são quaisquer dias para mim.

E por não ser descuidado com a história, sei também que não é o fato de estar distante dos acontecimentos há pelo menos 2000 anos, a razão principal deste sentimento estranho. E isso se torna meu conforto e meu caminho. Os primeiros discípulos viram todos os acontecimentos, ouviram Jesus falar sobre sua morte e ressurreição e quando tudo aconteceu, também demonstraram suas fraquezas.

Pedro viu o Cristo ressurreto, mas somente foi afetado pela ressurreição na praia. Maria Madalena conversou com Jesus sem perceber que era Ele. Tomé somente acreditou depois que Jesus ofereceu suas mãos para serem tocadas. Eles viram e creram com dificuldade. Eu não vi e mesmo crendo, sinto com dificuldade. A questão é o quanto da ressurreição de Cristo, como acontecimento histórico, me afeta hoje.

Maria Madalena foi tomada pelo desespero do absurdo. Ela procurou pelo corpo de Jesus e imaginou que havia sido roubado. Não somente suas esperanças de salvação messiânica foram aniquiladas, mas seu coração foi tomado por uma série de “teorias de conspiração”. Tudo lhe pareceu desfavorável, seu pânico se tornou síndrome e sintoma do desespero. Ela simplesmente foi tomada por toda sorte de sentimentos pessimistas.

Pedro foi tomado pela ausência de sentido. O sonho acabou e quando acabam os sonhos o único caminho é o retorno à mesmice. Seu sentimento é bem parecido ao dos discípulos à caminho de Emaús. Se o líder morreu, juntamente com ele os sonhos, portanto o melhor a fazer é voltar à vida antiga. Pedro retornou ao ofício de pescador.

Tomé é tomado pelo medo em crer. É aquele medo que sentimos de acreditar de novo. A frustração foi tão grande que acreditar de novo pode ser fatal, caso o fim seja nova frustração. O limite deste medo pode ser o cinismo.

Mas a cada um deles Jesus se manifesta de maneira a afetá-los com sua ressurreição.

Chama Maria pelo nome e quando assim faz é reconhecido por ela. É o encontro com Deus que acontece quando Ele fala nosso nome. E ouvir o próprio nome é a experiência de ouvir alguém falar sua vida inteira sem que o conheça, é quando um pregador fala de detalhes que somente você e Deus têm conhecimento, quando alguém fala exatamente aquilo que você precisava ouvir e em um instante todas as coisas se tornam claras e definitivamente você sequer desconfia de que não se trata de Deus falando seu nome, mostrando que lhe conhece.

A ressurreição afeta Pedro quando seu sentido é devolvido. Seu desânimo se deve ao distanciamento causado pelo remorso que sentiu depois de ter negado Jesus por hora de sua morte. Seu arrependimento é profundo, tanto que crê ser impossível o restabelecimento do relacionamento rompido. Tal traição não pode ser esquecida. Sua fé no Cristo não se perdeu, ele o viu ressurreto, conversou com ele, mas seu coração determinou que o relacionamento de amizade e amor de antes não seria mais o mesmo. É quando, por causa de experiências de distanciamento e esfriamento que sofremos em nossa caminhada, passamos a nos relacionar com Deus à distância, crendo que estamos respeitando o direito dEle em não mais nos querer tão por perto quanto antes, afinal o traímos. Então decidimos que viveremos uma fé à distância, testemunhando da Grandeza e do Amor de nosso Deus a quem quiser que nos pergunte, mas não aceitando mais a possibilidade de sermos amados como antes. Jesus então vai ao seu encontro e diminui sua expectativa de amor ao aceitar o amor de Pedro, limitado e falho.

Deus diminui o padrão pra viver conosco, aceita qualquer amor que tenhamos para oferecer, a despeito de todos os pudores religiosos, teológicos e moralistas que insistem em fabricar um inconsciente coletivo religioso de que aqueles que trairam Jesus uma vez, jamais poderão ser recebidos novamente à sua íntima comunhão, lhes restando uma sobrevida espiritual de acordo com seu amor falho, amor este que não é digno do amor perfeito de Deus e que por isso não pode ser aceito pelo Deus Perfeito. Acontece que o Deus perfeito aceita o amor imperfeito de Pedro e o convida novamente para a comunhão com todas as implicações de serviço ministerial que a comunhão com Deus prevê. O sentido da vida de Pedro é devolvido.

A ressurreição afeta Tomé e os outros discípulos que estavam na casa, escondidos com medo dos judeus. Não somente o medo de crer novamente é eliminado, como qualquer outro medo. Jesus entra na casa e oferece paz, o Espírito Santo e o perdão. A paz de Jesus é uma paz de reconciliação. Ele se reconcilia com os seus discípulos e os reconcilia com Deus. Esta reconciliação, promotora da paz, só é possível com o perdão. O perdão pacifica o ser. Jesus oferece sua paz aos seus e expressa que o Pai também o fez e que resolveu dar de Seu próprio Espírito a todos. Eles receberam o Espírito Santo como prova da reconciliação com Deus. De fato acabou tudo mesmo, como Jesus havia gritado na cruz. Está consumado! Deus pode novamente habitar o ser humano, todos estão reconciliados.

E tudo isso só é possível por causa do perdão.

Perdão este que recebido deve ser repassado. Por isso é que ao receberem o perdão do Espírito Santo que promove a paz pessoal, devem transmití-lo a todas as pessoas, promovendo a paz na terra. Então, a prerrogativa do perdão que podemos oferecer ou reter se torna a manifestação de quanto do perdão de Deus já experimentamos. A expressão “se não perdoarem, não serão perdoados” prefiro interpretar que se não perdoarmos, nós não seremos perdoados, assim como Jesus orou no Pai Nosso. E esta segunda definição, prefiro interpretar que se não perdoamos, revelamos que não somos [nos sentimos] perdoados. E longe de ser uma profecia a respeito da salvação do homem, que ligaria sua capacidade de perdoar à sua salvação – o que tornaria a salvação humana condicionada à sua capacidade de perdoar, eliminando a graça e colocando a salvação sobre a obra do perdão – creio que é uma explicação de que a ressurreição afeta os homens quando eles se vêem perdoados por Deus integralmente, descansados na Graça do Pai e libertos para perdoarem integralmente aqueles que os ferirem.

A ressurreição afeta-nos hoje quando recebemos o Espírito Santo, que é prova da Paz de Deus conosco e que é promotor da paz entre nós e os outros.

Aos que se perdem amedrontados com os absurdos da vida, que não encontram respostas aos fatos estúpidos de sua história e que se debatem entre a descrença de Deus e a crença em um deus déspota, melindroso e bruto – que é uma forma perigosa de ateísmo – Deus chama pessoalmente pelo nome e tudo se esclarece, não pela resolução de todos os mistérios, mas pela certeza de que tudo faz sentido.

Aos que vivem de longe, administrando a mediocridade de sua relação com o sagrado sem se relacionar diretamente com Deus, que conhecem suas traições e por causa delas não têm coragem de se apresentar a Deus novamente, Ele chama para um re-encontro e aceita o amor como é, do jeito que é, amor de quem tem coragem de assumir que o amor que tem pra dar é menor do que acha digno, mas que quer oferecer mesmo assim.

E aos que vivem com medos e com sensação de culpa, que confiaram e foram frustrados, tanto pela fé que tinham de que Deus faria algo quanto pela confiança que tiveram nas pessoas, Deus oferece sua Paz em forma de perdão. Os que aceitarem este perdão e não temerem ser enganados se sentirão livres e amados, prontos para libertar e amar todos os que contraíam débitos consigo.

© 2005 Alexandre Robles

Fonte: http://www.alexandrerobles.com.br/os-efeitos-da-ressurreicao/
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