October 27, 2013

Longe da árvore

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- Contardo Calligaris

Li o novo livro de Andrew Solomon quando foi publicado nos EUA, no fim de 2012. Para explicar por que ele é, para mim, um dos ensaios mais importantes das últimas décadas, preferi esperar a tradução em português, "Longe da Árvore - Pais, Filhos e a Busca da Identidade" (Companhia das Letras).

O título se refere ao ditado segundo o qual os frutos nunca caem longe da árvore que os produziu -- ou seja, "tais pais, tais filhos". Só que, às vezes, nossos filhos nos parecem diferentes de nós: frutos caídos longe da árvore. De qualquer forma, a árvore quase sempre acha que seus frutos caíram mais longe do que ela gostaria. E, na nossa cultura, amar os filhos que são diferentes de nós não é nada óbvio.

A obra de Solomon é um extraordinário elogio da diversidade e da possibilidade de amar e respeitar a diferença, mesmo e sobretudo nos nossos filhos. Por acaso, li o livro de Solomon logo depois das tocantes e bonitas memórias de Diogo Mainardi ("A Queda", Record) sobre o amor por seu primogênito, Tito, diferente por ser portador de paralisia cerebral.

A leitura de "Longe da Árvore" ajudará qualquer pai a não transformar suas expectativas em condições de seu amor. Isso bastaria para que a obra de Solomon fosse imprescindível --para pais e para filhos. Mas há mais.

Retomo uma distinção que Solomon usa. Chamemos de identidades verticais as que são impostas ou transmitidas de geração em geração: elas são consequência da família, da tribo, da nação na qual nascemos e também das expectativas dos pais (quando elas moldarem os filhos). Chamemos de identidades horizontais as que inventamos ou às quais aderimos junto com nossos pares e coetâneos: elas são tentativas de definir quem somos por nossa conta, sem nada dever à árvore da qual caímos.

O paradoxo é o seguinte: a ideia crucial da modernidade é que as identidades verticais não constituem mais nosso destino (por exemplo, o fato de nascer nobre ou camponês não decide o lugar que o indivíduo ocupará na sociedade).

Os filhos, portanto, conhecem uma liberdade sem precedentes (viajam, mudam de país, de status, de profissão etc.), atrás do sonho moderno de "se realizarem" -- e não do sonho antigo de repetirem seus antepassados. Mas acontece que esse sonho de "se realizarem" é também o dos pais, os quais, como qualquer um, só "aconteceram" pela metade (quando muito).

Consequência e conflito: os filhos deveriam correr livres atrás de seus próprios sonhos, enquanto os pais esperam e pedem que os filhos vivam para contrabalançar as frustrações da vida de seus genitores.

Será que um dia seremos capazes de um amor não narcisista pelos nossos filhos? Será que seremos capazes de querer produzir vidas por uma razão diferente da de reproduzir a nós mesmos?

Se isso acontecer um dia, será possível dizer que "Longe da Árvore" foi o primeiro indicador de uma mudança que transformou nossa cultura para sempre.

Alguns poderiam se assustar diante do tamanho da obra de Solomon, que é monumental (mais de 800 páginas). Reassegurem-se: a leitura é fascinante.

O livro é construído assim: há uma introdução, "Filho", imperdível, e uma conclusão, "Pai" (de filho para pai é o caminho que o próprio Solomon percorreu na sua vida).

No meio, há dez capítulos (que não precisam ser lidos na ordem) sobre as "diferenças" de filhos que caíram longe da árvore e como os pais lidaram com elas (surdos, anões, síndrome de Down, autismo, esquizofrenia, deficiência, [crianças-]prodígios, [filhos de] estupro, crime, transgêneros). A essa lista é necessário acrescentar gay e disléxico, que são os traços que fizeram de Solomon um diferente.

Das centenas de entrevistas nas quais ele se baseia, Solomon sai com um certo otimismo sobre a possibilidade de os pais aprenderem a amar filhos diferentes deles.

Entendo seu otimismo assim: as diferenças extremas (como as que ele contempla) derrotam o narcisismo dos pais de antemão (esses filhos nunca serão uma continuação trivial de vocês) e portanto levam à possibilidade de amar os filhos como entes separados de nós.

No dia a dia corriqueiro da relação pai-filho, o narcisismo dos pais e dos adultos produz uma falsa e incurável infantolatria: parecemos adorar as crianças, mas mal as enxergamos -- apenas amamos nelas a esperança de que elas realizem nossos entediantes sonhos frustrados.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2013/10/1360907-longe-da-arvore.shtml
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October 22, 2013

O prazer de estar junto

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- Anônimo

Você já deve ter percebido que muitas das atitudes que tomamos diariamente provêem de receitas prontas em nossa mente, sobre o modo de agir em determinado aspecto. Este roteiro mental que vamos desenvolvendo como o caminho certo para os vários assuntos com que nos deparamos rotineiramente, pode ser chamado também de script mental.

Noto que diversas pessoas reclamam que minha cadela late muito na vizinhança. Aos poucos vou criando um roteiro de como não deixar ela latir, para não incomodar os outros. Desta forma, acabo acreditando que o roteiro, o script que criei, é a "receita perfeita" para que ela não lata, e sempre que não consigo implementar esta receita, me irrito com tudo e com todos, inclusive com a minha cadela, que acaba pagando o pato, e às vezes, até apanhando por causa disto.

A verdade é que com um script mental, ficamos cegos para o resto acreditando que só aquele caminho traçado e percorrido evitará o latido. Na psicologia, é assim que desenvolvemos a Neurose. Pois toda vez que saímos do script previsto, temos um ataque de nervos (que vai se ampliando com o tempo). Por outro lado, por que na maioria das vezes esta cadela late? Se prestarmos a atenção, veremos que ela late exatamente porque quer atenção, quer estar junto, quer carinho, quer demonstrar o seu amor por nós. E o mais interessante é que, mesmo depois de ter apanhado, ela nos tratará como se nada tivesse ocorrido, demonstrando todo o seu incondicional amor.

Mas espera um pouco.

Veja se vc não tem esta mesma atitude com as pessoas que te cercam! Por exemplo, tracei um script de como minha filha deve se comportar para que considere-a dentro do meu parâmetro do que uma filha legal deve fazer, e de repente, me vejo discutindo com ela, e às vezes até virando a cara na hora em que ela mais precisa de mim, e por quê? No fundo é porque ela fugiu do que considero certo para sua vida em meu script. Mas pera aí, a vida não é dela? E o seu livre arbítrio? Será que ela não está agindo assim porque, como a querida cadela, necessita mais de minha atenção, de meu amor, do meu carinho, e não enxergo outra coisa, a não ser o script que criei para ela?

Este final de semana, meu gato me ensinou algo a este respeito. Fiquei muito bravo com ele, porque miava muito, pulava o muro toda hora e fui desenvolvendo uma raiva por ele. Cheguei a quase judiar dele, com alguns tapas a mais. Pois bem, ontem estava num momento de relaxamento no sofá da sala e deixei-o entrar, depois de muita insistência. Ele entrou pela janela como se nada tivesse ocorrido. Sentei no sofá e ele de pronto pulou no meu colo. Começou com aquela sessão de amassa pão, se ajeitou e deitou no meu colo, com o maior ar de satisfeito. Ao sentir aquela energia de amor, pude nitidamente perceber que, fora aquele meu maldito script para com ele, o que sobrava era o puro amor.

Estes scripts acabam sendo o 1o. degrau para o pré-conceito que podemos desenvolver em vários assuntos. Portanto, às vezes, pare um pouco. Pense se não anda afastando sua esposa, seus filhos, seus parentes, seus melhores amigos, seus animais, em função de um destes scripts.

Permita-se deixar um pouco de lado o script e sentir o prazer de estar junto - apenas estar junto - e perceberá que fora isto, o resto é tudo script.
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October 19, 2013

Inspiração para mudar :)

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Mt 13: 44-46

O Reino do Céu é como um tesouro escondido num campo, que certo homem acha e esconde de novo. Fica tão feliz, que vende tudo o que tem, e depois volta, e compra o campo.

O Reino do Céu é também como um comerciante que anda procurando pérolas finas. Quando encontra uma pérola que é mesmo de grande valor, ele vai, vende tudo o que tem e compra a pérola.

Resumo da ópera: As pessoas não mudam quando estão sob ameaça ou pressão. Elas mudam quando vêem algo que faz a vida parecer que vale a pena.
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October 18, 2013

Sem respostas

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Quanto conhecimento tentei adquirir, quando o que eu mais queria era não ter de me comprometer?

Quantas dúvidas eu tive, quando as respostas estavam dentro de mim?  

PS- Para ouvir a trilha do dia, vai lá: http://www.vagalume.com.br/padre-zezinho/o-filho-prodigo.html

October 17, 2013

De volta para casa ; )

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Lc 15: 11-32

E Jesus disse ainda: Um homem tinha dois filhos. Certo dia o mais moço disse ao pai: 

- Pai, quero que o senhor me dê agora a minha parte da herança.

E o pai repartiu os bens entre os dois. Poucos dias depois, o filho mais moço ajuntou tudo o que era seu e partiu para um país que ficava muito longe. Ali viveu uma vida cheia de pecado e desperdiçou tudo o que tinha.

O rapaz já havia gastado tudo, quando houve uma grande fome naquele país, e ele começou a passar necessidade. Então procurou um dos moradores daquela terra e pediu ajuda. Este o mandou para a sua fazenda a fim de tratar dos porcos. Ali, com fome, ele tinha vontade de comer o que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada. Caindo em si, ele pensou:

- Quantos trabalhadores do meu pai têm comida de sobra, e eu estou aqui morrendo de fome! Vou voltar para a casa do meu pai e dizer: ‘- Pai, pequei contra Deus e contra o senhor e não mereço mais ser chamado de seu filho. Me aceite como um dos seus trabalhadores.’

Então saiu dali e voltou para a casa do pai.

Quando o rapaz ainda estava longe de casa, o pai o avistou. E, com muita pena do filho, correu, e o abraçou, e beijou. E o filho disse: 

- Pai, pequei contra Deus e contra o senhor e não mereço mais ser chamado de seu filho!

Mas o pai ordenou aos empregados: 

- Depressa! Tragam a melhor roupa e vistam nele. Ponham um anel no dedo dele e sandálias nos seus pés. Também tragam e matem o bezerro gordo. Vamos começar a festejar porque este meu filho estava morto e viveu de novo; estava perdido e foi achado.

E começaram a festa.

Enquanto isso, o filho mais velho estava no campo. Quando ele voltou e chegou perto da casa, ouviu a música e o barulho da dança. Então chamou um empregado e perguntou:

- O que é que está acontecendo?

O empregado respondeu: 

- O seu irmão voltou para casa vivo e com saúde. Por isso o seu pai mandou matar o bezerro gordo.

O filho mais velho ficou zangado e não quis entrar. Então o pai veio para fora e insistiu com ele para que entrasse. Mas ele respondeu: 

- Faz tantos anos que trabalho como um escravo para o senhor e nunca desobedeci a uma ordem sua. Mesmo assim o senhor nunca me deu nem ao menos um cabrito para eu fazer uma festa com os meus amigos. Porém esse seu filho desperdiçou tudo o que era do senhor, gastando dinheiro com prostitutas. E agora ele volta, e o senhor manda matar o bezerro gordo!

 Então o pai respondeu:

- Meu filho, você está sempre comigo, e tudo o que é meu é seu. Mas era preciso fazer esta festa para mostrar a nossa alegria. Pois este seu irmão estava morto e viveu de novo; estava perdido e foi achado.
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October 16, 2013

As expectativas

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- Clarissa Correa

Teve um dia que eu decidi não esperar mais nada de ninguém. É que uma hora cansa, entende? Chega um ponto em que a gente simplesmente para de acreditar. Nas pessoas e nas coisas.

Não é uma visão pessimista ou uma postura derrotista. É que os choques de realidade nos sacodem feito vento forte. As coisas são como são (tem coisa mais lógica que essa?). O problema é que a gente esquece como as coisas são de verdade. A memória traiçoeira e sem vergonha nos mostra só o lado bom. A gente esquece os tropeços, percalços, defeitos, lágrimas em vão madrugada afora. Fica com a parte boa, quase adocicada.

É que nem uma relação: você namora um cara que não te valoriza, só te puxa pra baixo, te destrata, não te dá o que você merece. Você sofre, chora, quase sufoca. Um dia resolve dar um chega pra lá, um sai fora nele. Passa uma semana e você pensa nossa, que saudade daquele cheiro. Que saudade dele e de tudo que ele me fazia sentir. A parte ruim você nem lembra. A memória nos engana a toda hora. A memória é a nossa parte mais louca.

Só que tem uma hora que cansa acordar com o rímel borrado e olheiras sambando no meio da cara. Chega um ponto em que a gente simplesmente entende que esperar muito faz doer muito.

Bom seria não esperar nada de ninguém. Contar apenas com a gente mesmo. Com nossa força e fraqueza. Com nosso poder e nossas limitações. Mas somos gente. Sentimos, ora bolas. Sentimos muito (!!!). E automaticamente pensamos: se eu posso o outro também pode. Se eu consigo me colocar no lugar dele é claro que ele também consegue se colocar no meu.

A gente esquece que talvez o outro não queira (por falta de tempo, noção, vontade ou até mesmo humildade) se colocar no nosso lugar. A gente esquece que ele pode ser mais individualista (e não há nada de errado nisso) ou um pouco egoísta demais (vejo muito de errado nisso). É claro que é importante a preocupação com o eu. Mas é fundamental pensar no nós. Ninguém vive sozinho. A gente precisa de amigos, familiares, colegas, amores.

Teve um dia em que eu decidi não pensar em mais nada. Sou da tribo que gosta de se doar. Mesmo que doa. E tenho sim, expectativas (quem não tem?). Não posso lutar contra isso. Não posso lutar contra um lado meu. Resolvi me aceitar. É claro que sei que não adianta pensar que o outro devia tomar as atitudes que eu tomaria. É frustração na certa. E, confesso, me frustro um pouco com isso. Por esperar do outro.

Mas sou assim. Não quero mudar meu jeito de olhar o mundo, de sentir as coisas. Não, eu não quero sofrer. Mas também não quero ficar me protegendo o tempo inteiro e, com isso, acabar não vivendo.

Não adianta viver com um mapa na mão. A melhor coisa é se perder e ir tentando encontrar o caminho certo. Pode dar mais trabalho, mas com certeza é muito mais divertido e rende uma quantidade absurda de histórias para contar. 

Fonte: http://revistatpm.uol.com.br/blogs/confusoeseconfissoes/2011/08/24/as-expectativas.html
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October 07, 2013

Problemas, paradoxos e perplexidades

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Fecha a porta do teu quarto para orar. Esta orientação de Jesus pode significar a necessidade de um ambiente onde os ruídos na comunicação sejam mínimos: nada de telefones tocando, crianças reclamando atenção, chefes cobrando tarefas, religiosos cochichando, rádios e televisores ligados, sinais anunciando e-mails recebidos, sinais de amigos no messenger, gritarias pela casa, ou qualquer coisa que possa competir com a atenção que deve ser exclusivamente dedicada a Deus, que recebe nossa oração.

Fechar a porta do quarto pode também significar outra coisa, a saber, a busca de um estágio profundo de instrospecção. Abandonar o barulho das vozes, silenciar os pensamentos e alcançar aquela quietude de alma recomendada pelo Pai Celestial: "Aquietai-vos e sabei que sou Deus".

Algumas pessoas conseguem apreender apenas aquilo que as palavras traduzem. Estão na camada dos óbvios e naturais da vida. Ficam na cadeia de causas e efeitos e tratam tudo como PROBLEMA: o que dá para montar, dá também para desmontar; o que pode deixar de funcionar, pode também ser consertado; o que pode ser expresso em palavras, pode ser compreendido e controlado. Isso vale para máquinas de lavar, aviões supersônicos, pessoas e relacionamentos, pensam elas.

Mas há pessoas que vão um pouco mais longe e descobrem que a vida não é tão lógica assim. Tratam a realidade na categoria do PARADOXO. Sabem que duas pessoas podem ter razão ao mesmo tempo, que pessoas podem ser capazes de fazer tanto o bem quanto o mal, enfim, que a vida é muito mais um degradê de cinzas do que um quadro em preto e branco.

Finalmente, há pessoas que penetram a dimensão da PERPLEXIDADE. Já não se ocupam tanto em compreender, explicar e controlar. Sabem que algumas coisas simplesmente são, sem qualquer explicação aparente ou apesar de todo o absurdo. Sabem apreciar a música e a poesia. Abraçam crianças, rolam no chão com seus cães e ficam extasiados com um pôr de sol. Não precisam de palavras para trocar segredos de amor, sabem como foi o dia dos filhos pelo bater da porta do quarto e se comunicam com os olhos, mesmo estando nos extremos de um salão de festa. Suas vidas estão além das fronteiras da razão e dos sentidos físicos. São sensíveis ao belo, ao bom, ao justo e ao verdadeiro.

A mente de Deus é, também, lógica e sua sabedoria capaz de oferecer solução às questões mais complexas da existência. Mas a intimidade com Deus se aprofunda no quarto, a portas fechadas, na quietude da alma, onde as palavras funcionam mais para fugas do que aproximações e o silêncio é significativo, como a mais bela das vozes a pronunciar a mais fértil das frases: "Tu és meu filho amado, em quem tenho prazer".
 

© 2006 Ed René Kivitz
Fonte: http://www.ibab.com.br/ed060212.html
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October 06, 2013

Vinicius, o maravilhamento e o privilégio da convivência

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Chérie, 

a melhor maneira da gente conhecer alguém é ouvir quem conviveu perto.

Por isto a cada dia fico mais encantada com Vinicius de Moraes; mais que inteligência, ele tinha integridade - vivia tudo o que cantava.

Bjs,

KT

MEMÓRIAS DO ÚLTIMO AMOR

- Gilda Mattoso

Parece mentira que Vinicius faria 100 anos nesse 2013 já que era um espírito de extrema jovialidade. Quando nos casamos em Paris, 1978, todas as pessoas se assustavam com nossa diferença de idade de quase 40 anos, menos eu, que o achava muito sem juízo mas também reconhecia que seu charme estava justamente aí. Vinicius se jogava na vida, corria riscos imensos, sempre destemido e em busca do amor perfeito!

Largava tudo pra trás e se atirava em um novo amor. Eu sempre mais ponderada apesar da tenra idade que tinha até mesmo quando ele morreu e me deixou viúva aos 28 anos! Desde muito menina, eu era admiradora dele, de sua poesia, de suas canções, e chegava a dizer, quando ele aparecia em jornais, revistas ou TV: “Quando me casar quero que seja com um homem como este”, provocando espanto em minha mãe, que retrucava: “Vira essa boca pra outro lado - este homem, embora excelente poeta (ela própria era poeta amadora) é um beberrão, destruidor de lares!”. Minha mãe também terminou sucumbindo ao charme dele (fazia até docinhos com adoçante para ele, que era diabético). Para surpresa geral e até minha, esse homem se apaixonou por mim e eu por ele e vivemos felizes e intensamente os poucos anos que o destino nos reservara.

Fico pensando em como Vinicius estaria hoje com 100 anos e pensando nele nesse Brasil devastado pela corrupção e pelos políticos medíocres. Ele, pouco antes de morrer, fazia seu quadro de políticos de sonhos: Presidente da República: Jaime Lerner; Ministro da Cultura: Sergio Buarque de Hollanda; Ministro das Relações Exteriores: Otto Lara Resende; Ministro da Saúde: Clementino Fraga Filho ou Paulo Niemeyer... e por aí ia. Todos esses grandes nomes eram amigos dele mas, acima de tudo, grandes brasileiros.

Ele ficava horas na banheira onde, aliás, veio a falecer, pensando nisso e em outros sonhos, como a cura da diabetes (enfermidade que acabou por matá-lo por outras vias), a justiça entre os homens, o fim da desigualdade social brasileira... enfim, foi um grande brasileiro que levou o nome do Brasil para todos os lugares do mundo por onde passou, com sua música e sua poesia inesquecíveis.

Às vezes, quando via meus amigos Enrica e Michelangelo Antonioni, que tinham quase a mesma diferença de idade que a nossa, ficava com inveja e pensava em como você teria ficado, já mais velho, e achava que teríamos uma relação parecida com a do casal italiano.

Tem 2 traços na personalidade de Vinicius que me fascinavam: primeiro, a generosidade. Ele foi o ser mais generoso que conheci e dizia que a coisa pior do mundo era a avareza, que perdia só para a grosseria que ele abominava. Dizia que quem era mesquinho com coisas materiais também o era com os sentimentos. O segundo traço era o senso de humor. Ele também dizia que, em certas situações, ele preferia uma pessoa sem caráter a uma pessoa sem senso de humor!

Por vezes, estou nas minhas caminhadas na Lagoa e me vem a canção que ele e Toquinho fizeram e que cantavam nas infinitas turnês que fizeram pelo Brasil e que dizia: ¨Nós vamos pelas rotas do Brasil / nós somos os quatro mosqueteiros musicais / cantamos com empenho varonil / prás meninas, coroas e mocinhas virginais / nós somos Athos, Portos, Aramis e D’Artagnan / vivemos uma vida bem feliz e folgazã / os quatro mosqueteiros musicais / Azeitona*, Mutinho* Toquinho / e o Vinicius.... e o Vinicius.... e o Vinicius de Moraes!”

*Azeitona era baixista e Mutinho baterista da banda que acompanhava eles.

Fonte: http://infograficos.estadao.com.br/public/especiais/100-anos-de-vinicius/ultimoamor.html
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UM LEGADO DE AMOR

- Maria de Moraes

Relembro e te vejo sorrindo ao meu lado, as mãos entrelaçadas, quentes, protetoras, as pessoas a te olhar na rua. No seu rosto um risinho maroto de quem sabe e não diz. “Pai, por que as pessoas te olham tanto?” “Você acha, Mariazinha?” “Olham sim, você sabe.” “Sei não” – o riso largo, sacana, já quase uma gargalhada – “não sei porquê me olham na rua”.

E seguimos em silêncio, os passos sincronizados, os meus saltitantes, passeando pelas ruas da cidade. Eu, uma menina de 7 anos, sem acreditar muito na resposta, algum mistério, esse pai cheio de histórias. Logo entendi o que quer dizer no poema o “Haver: resta esse desejo de sentir-se igual a todos, de refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória. Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade, de não querer ser príncipe senão de seu reino.” Papai era um homem sofisticadamente simples.

Décadas depois desse registro de memória afetiva dos poucos momentos em que estivemos juntos, o mantenho, pai e filha, mais ninguém, e assim, como filha, apesar do poeta ser do mundo, o guardo possessivamente dentro de mim. Meu pai. Tivemos pouco tempo, mas tive também, por ser temporã, momentos de um homem já avô, experiente, sábio, sempre gentil e verdadeiro. Ainda assim, nunca perdeu o espanto frente às coisas, esse espanto que os poetas têm, no cultivo de um olhar primeiro, de manter o menino que “achava bonita a palavra escrita, por isso sofria de melancolia, de sonhar o poeta, que quem sabe um dia, poderia ser”, ditos em O Poeta Aprendiz. E é, pai, para sempre, um grande e amado poeta, com um alcance impressionável. Para mim um dos melhores, craque nos sonetos, técnica impecável, sentimentos sublimes, tocando o coração das pessoas facilmente, as alegrando e diminuindo a pressão de se saber, das angústias, das dúvidas, da intensidade dos sentimentos.

Na busca em torno dessa ausência de quem perdeu o pai muito cedo, me sinto privilegiada, pois, afinal, quantos órfãos podem ter um pai tão presente, vivo na memória e nos corações das pessoas? Um pai que se vai e deixa uma obra aonde me aconselho desde então, na busca desse homem, dessa personalidade, do que pensa, do que sente, do que me reconheço, do gosto pela leitura, o amor e respeito à vida, principalmente pela humanidade. Quando é grande a dúvida e a angústia, é em poética que sossego, afinal, o tempo é quando.

Era um homem, acima de tudo, perfeitamente imperfeito. Não há praticamente um dia que não esteja presente, seja nas canções executadas em todo o mundo, seja na grande referência que se tornou para todos, gente humilde, os acadêmicos, os amantes, estudantes, artistas, jornalistas, as crianças, as pessoas que o citam tanto, na mesma busca dessa filha por um conforto, um entendimento do que é sentir para valer! Como você disse, “quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu .”

Entre tantas ações comemorativas, uma das que mais me dá alegria é a visitação às escolas. É uma lindeza ser recebida com frisson pelos alunos, alguns tão miúdos que é extraordinário perceber que com 5 anos, antes mesmo da alfabetização, que se sintam íntimos do poeta centenário, do compositor que mudou paradigmas em suas letras geniais. Eu me emociono tanto, e acho graça, você é um pop star, e eles te buscam como eu, como tantos, como você sempre buscou com verdade e sem limites a si mesmo. E assim, cultivam o gosto pela poesia e se aventuram na escrita, seus novíssimos leitores, quanta ternura!

Ganhamos todos, que bem a cultura da nossa Pátria Amada, tão pobrinha, você faz. Tenho muito orgulho do branco mais preto do Brasil, um homem à frente de seu tempo, que ganhou o mundo, levando o melhor de nossa brasilidade. Com Orfeu e suas canções teve o reconhecimento internacional e até o imaginário do que o estrangeiro pensa sobre nós, levou Ipanema aos 4 continentes, fazendo as pessoas suspirarem em muitos idiomas e gravações a passagem do tempo.

Sei que olha por nós, e com prazer sei que é uma vitória ver seus filhos – de idades e mães diferentes – tão unidos, responsáveis. Seu maior legado é o AMOR, sem dúvida, esse sentimento poderoso que nós herdamos com intensidade, nem sempre é fácil ser de Moraes. Juntos, trabalhamos incansavelmente para divulgar sua obra, respeitando seus desejos, numa curadoria permanente para manter o alto nível de sua qualidade artística, tentando seguir o tempo e as mudanças, com todo o respeito ao autor. Seus netos são pessoas especiais, sensíveis, e todos nós temos uma certa meninice, comum à família, não envelhecemos por dentro.

Eu me lembro do texto do amigo e poeta Carlos Drummond de Andrade, publicado logo após a sua partida, um diálogo entre Deus e o simpático São Pedro, a perguntar quem era aquele baixinho de violão, copo cheio na mão, será que faria bagunça no coro dos anjos? E São Pedro responde que Vinicius combateu a maldade pela ternura, a injustiça pela fraternidade, que nasceu com a célula poética, desabrochou em canções variadas, encantou o povo e morreu fazendo música para as crianças. Sou uma voz a mais na multidão a cantar: Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver!

Fonte:  http://infograficos.estadao.com.br/public/especiais/100-anos-de-vinicius/asfilhas.html
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A BENÇÃO DO POETA

- Toquinho

Quando comecei a trabalhar com Vinicius, em junho de 1970, ele ainda evitava viajar de avião. Então fomos para a Argentina de navio. Eu sentia uma sensação estranha, não sabia direito o que é que eu ia fazer lá. De repente, estava a bordo de um navio junto com Vinicius de Moraes, um ser humano grandioso de quem eu só conhecia o que ele tinha escrito e cantado por aí.

Sei que na 1a. noite no navio eu passei muito mal, no meu quarto, enjoado, com tudo a balançar por todos os lados. E Vinicius sentado a uma escrivaninha, segurando o copo para que ele não caísse, conversando naturalmente, sem se alterar. Ficou lá ao meu lado, como um pai, ou melhor, como alguém com pretensões de se fazer amigo. Nossa relação começou assim, e logo de cara eu passei a vê-lo um pouco como irmão, porque ele não sabia ser velho, o que na realidade ele não era.

Chegamos em Buenos Aires dois dias antes do final da Copa de 1970 e começamos a trabalhar. O Brasil ganhou a Copa, nosso show na boate La Fusa já fazia um grande sucesso e, naquele domingo, abrimos o espetáculo com aquela música: “A taça do mundo é nossa/ Com brasileiro, não há quem possa...”. Então, minha relação de amizade e conhecimento com Vinicius já se iniciou em meio a esse clima positivo da seleção ganhando a Copa, nosso show em pleno sucesso, aqueles jantares invadindo a madrugada.

Houve uma adaptação perfeita entre a gente porque tudo que Vinicius gostava de fazer eu também gostava: tocar violão, curtir os temas que iam saindo, comer bem, viver a noite ao lado de amigos e mulheres bonitas.

Voltei da Argentina com aquela sensação gostosa de ter trabalhado com Vinicius. Ainda não tinha saído nenhuma música nessa 1a. viagem. Já no navio eu tinha mostrado a ele um tema que eu estava desenvolvendo. Ele gostou da ideia, ficou curtindo, mas não colocou letra. Isso aconteceria quase dois meses depois.

Vinicius estava casado com a baiana Gesse, que arrumou para fazermos três shows no Teatro Castro Alves, em Salvador, nos dias 6, 7 e 8 de setembro. Durante a viagem de ônibus à Bahia, Vinicius fez a letra para aquele tema. Aí começava efetivamente nossa parceria, com a música Como dizia o poeta.... Lançamos essa música no Teatro Castro Alves, levando desta vez a Marília Medalha para cantar com a gente. Esse show foi um risco, pois era quase uma afronta fazer e mostrar música brasileira numa época em que prevaleciam o tropicalismo, o rock, as guitarras. O show do dia 7 foi dedicado aos estudantes, que responderam com uma ovação memorável!

Animados por esse indício de sucesso, tomados pela Bahia, que já entrava na vida da gente, não precisava nem de muito esforço para as músicas brotarem. Surgiram A bênção, Bahia, Mais um Adeus, mas apesar disso, não imaginava que a parceria fosse tomar o impulso que tomou e chegar até onde chegou. Sentia insegurança, não sabia se ele ia gostar de minhas melodias. Então, ele fez a letra de Tarde em Itapoan e ia dar para o Caymmi musicar. Um poema lindo, perfeito, era a oportunidade de fazer uma melodia que não deixasse nenhuma dúvida quanto à minha capacidade musical. Aí, simplesmente “roubei” a folha de papel da máquina de escrever, vim para São Paulo e, depois de três dias, voltei para Salvador com a canção pronta. Depois de ouvir inúmeras vezes, Vinicius aprovou. Foi aí que ganhei o poeta! Tarde em Itapoan tem uma melodia maravilhosa, parece que Vinicius letrou a música. Então, embalamos de verdade, num intenso processo criativo. Nos dez anos de parceria, criamos mais de 100 canções, gravamos perto de 25 discos e fizemos mais de mil shows aqui e no exterior. O que Vinicius queria.

O que determinou a consolidação rápida e consistente dessa parceria foi o fato de termos nos encontrado no momento mais adequado para um e outro. Eu tinha o que o Vinicius queria: uma pessoa que tivesse disponibilidade para ficar trabalhando com ele, e que tivesse uma linguagem nova. Eu era totalmente disponível e motivado a ficar do lado dele. Contribuiu para isso o grande entrosamento existencial entre nós. Jamais enxerguei Vinicius como um pai de postura paternal e protetora. Mesmo porque ele não agia assim nem com os próprios filhos. A feição de pai surgia por sua grande sabedoria de vida. E, ao mesmo tempo, quando se via diante de um pescador, por exemplo, me falava cheio de emoção: “Não sei absolutamente nada da vida perto de uma pessoa assim”.

É que ele carregava o tempo inteiro o garoto que ele era, o jovem disposto e disponível à vida; que arriscava nas coisas, que chegava tarde para acordar cedo, e acordava cedo; que ficava como um Buda, sentado na capota do carro do Bardotti, em Firenze, dando voltas pela mesma praça, depois de algumas garrafas de vinho no jantar; que bebia até mais tarde sem problemas de ressaca no dia seguinte. Muito mais resistente que eu nesse aspecto. Mas, por mais controvertido que pareça, foi ele quem me ensinou a ser profissional, a cumprir horários, a observar compromissos, a respeitar as pessoas. Isso reflete as contradições desse grande poeta. “O cotidiano é a ferrugem da vida”, ele dizia.

Essa ferrugem o agredia demais, a ponto de, diante do espelho, começar a fazer a barba de um lado do rosto, e, no outro dia, iniciar pelo outro lado. Tudo para ludibriar a ferrugem do dia-a-dia. Odiava esse lado massacrante da vida, mas procurava harmonizar-se com isso tudo. Dizia que a bebida o ajudava a encontrar essa harmonia. Em tudo, ele confirmava o que um dia Drummond disse dele: “O único Poeta que viveu como poeta.”

Vinicius nunca soube viver sem poesia. Na rapidez do cotidiano quase sempre não cabe poesia, mas ela o acompanhava o tempo inteiro. Para ele, tudo era natural. Quantas vezes fiz parte dessa poesia, desde ter de erguer as calças dele que, de um tanto largas, caíram-lhe em plena Avenida São Luiz, e ele não usava cuecas, e tinha ficado nu da cintura para baixo em pleno centro de São Paulo, depois de uma das muitas noitadas que fizemos. Não dando a mínima, achando-se a verdadeira poesia concreta daquele burburinho urbano. Até ter de enfrentá-lo zangadíssimo numa manhã: acordei, desci para o café, e Vinicius já estava à mesa, fumando, sem levantar os olhos do jornal. Dei bom-dia, tentei conversar, e ele não respondia: “Aconteceu alguma coisa, Vinicius?”, perguntei. Ele olhou-me furioso: “Olha aqui, Toco, se um dia você ousar alguma coisa com minha mulher, eu não te mato, porque é pouco. Sabe o que eu faço? Te amarro numa cadeira, prendo tuas mãos abertas na mesa, vou martelando dedo por dedo. Para você, esse castigo será pior que a morte. Toma cuidado, pois farei isso!” E ele falava ruminando a fúria em cada palavra. É que durante a noite, ele sonhara comigo tentando namorar a Gesse, e vivia aquilo com tanto realismo, sentindo-se traído, como se tudo fosse verdade, pela força da fantasia. Esse era o Vinicius.

Segundo ele, nossa relação era como um casamento sem sexo. O resto tinha tudo, ciúme e inclusive algumas brigas, claro. No fundo, e o mais importante, um grande amigo que a vida escolheu para morrer quase em meus braços. Sentindo-me, de início, um objeto da blasfêmia da vida, eu admitiria depois como um privilégio ter sido o escolhido para vivenciar as últimas horas do poeta.

Fonte: http://infograficos.estadao.com.br/public/especiais/100-anos-de-vinicius/osparceiros.html
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CIÊNCIA SEM RECEITA

- Joyce Moreno
 
Eu estudava jornalismo na PUC-RJ, em 1966, quando pela 1a. vez me aproximei de Vinicius de Moraes (1913-80). Era um trabalho de grupo e me fora dada a missão de abordar algumas personalidades, fazendo a todas a mesma pergunta besta: "Pode a guerra do Vietnã acabar com a primavera?". Para minha surpresa, todos os "entrevistados" - Nara Leão, Gilberto Gil, Sérgio Porto - responderam simpaticamente. E o poeta, claro, não foi exceção.

Mais ou menos um ano depois, quando pela 1a. vez classifiquei uma música no Festival Internacional da Canção, comecei a conhecer outros artistas e gente do ramo. Wanda Sá, a grande cantora bossa-novista, me procurou quando eu fazia uma pequena participação num show de Maria Bethânia: "Ouvi suas músicas, Vinicius precisa te conhecer. Vamos lá na casa dele, agora mesmo!"

Era a casa de Vinicius de Moraes, um dos meus ídolos, uma chance imperdível! Mas eu jamais imaginaria que ele se lembrasse da estudante atrevida que o abordara um ano antes... Pois lembrou.

Vinicius morava numa cobertura na rua Diamantina, no Jardim Botânico, com Nelita, então sua mulher. Parecia uma festa, mas depois me dei conta de que aquilo acontecia quase todas as noites: pessoas cantando, bebendo, conversando, rindo até o sol raiar.

"Que vida!", pensei cá comigo. "Vida de poeta, também quero." Mostrei algumas das minhas primeiras composições, que ele adorou. "Você é uma feminista", ele disse, pelo fato de as canções serem sempre no feminino singular -definindo uma característica da qual até então não tinha consciência. Eram coisas intuitivas, feitas por uma iniciante de 19 anos. E que ele ouviu com respeito e sincero interesse. Lição número um.

A lição numero dois, definitiva, se deu quando chegou um de seus jovens parceiros, Francis Hime, e os dois começaram a trabalhar numa nova canção. Ali, diante de todos, sem esconder o ouro. Dois profissionais, experts na grande arte da canção popular, descortinando uma obra em progresso. A festa virou então uma grande oficina, e eu me vi assistindo a uma "master class" inesperada.

Maravilhada, fui descobrindo como aquilo era suor, era trabalho, ainda que prazeroso, e exigia um conhecimento profundo do encaixe das sílabas certas na melodia, rimas internas, uso esperto da palavra, musicalidade do letrista e sofisticação, apesar da aparente simplicidade. Eu estava tendo uma aula de composição ali, ao vivo e em cores. Parecia fácil, mas havia naquilo uma ciência da qual eu jamais havia suspeitado.

Quando os trâmites foram dados por findos, voltou o clima de festa, com todos os presentes cantando juntos a canção recém-parida. A nova composição foi exaustivamente testada e aprovada, aparadas as possíveis arestas, até à perfeição. Lá pelas oito da manhã, quando nos retiramos da casa dele, cansados e felizes, a aura mágica do poeta nos envolvia a todos.

Dali em diante, eu veria esse processo acontecer muitas vezes, com o próprio Vinicius e também com outros autores - como Tom Jobim, que vi trabalhar as letras de "Wave" e "Águas de Março" diante de um monte de amigos, pondo em prática os ensinamentos que recebera de Heitor Villa-Lobos sobre o "ouvido de dentro" não ter nada a ver com o "ouvido de fora".

Mas o encantamento da 1a. vez, naquela festa na cobertura do Vina, seria para mim inesquecível. Ali aprendi que o autor existe como entidade única e intransferível e que a música popular é uma arte/ciência que não tem receita, mas demanda um saber específico para o qual são muitos os chamados e poucos os escolhidos.

Minha amizade com Vinicius durou uma vida inteira. Ao longo dos anos, viajamos pelo mundo, rimos, choramos e cantamos juntos. E só não compusemos juntos porque eu era uma boba e perdi tempo esperando que me viesse a melodia "certa" para entregar ao poeta, que não poucas vezes me cobrou essa parceria. Mas busco até hoje manter em minha música o frescor e a alegria que a então menina de 19 anos viu transbordar no compositor veterano, hoje centenário. E cada vez mais eterno.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2013/09/1345276-ciencia-sem-receita.shtml
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October 05, 2013

De filho do trovão a apóstolo do amor

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 "Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de DEUS; e todo aquele que ama é nascido de DEUS e conhece a DEUS  pois DEUS é AMOR”. 
(1 João 4:7) 

- Glória Silveira

Como são lindas as palavras carinhosas de João!

Nas suas três epístolas, ele só chama os irmãos de “amados,” “filhinhos”... Imagino quanta bondade naquele velho apóstolo. Gosto de imaginar como seria bom se os cristãos fossem mais amorosos uns com os outros.

Muitos dizem que eu tenho um gênio bravo, herdado de meus avós de meus pais, que têm uma natureza forte, e dizem :-- Não tem jeito de mudar. Nasci assim, com essa personalidade, e vou morrer assim.

Quando dizemos isso é porque não estamos acreditando num DEUS que pode mudar tudo. “Pois se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo”.(2 Co. 5:17).

Vamos voltar um pouco atrás e ver quem era João, quando foi chamado para ser apóstolo. Jesus o chamou de Boanerges, que significa: “Filho do trovão” (Mc 3:17).

É o tipo da pessoa com “estopim curto”.

Certa vez, João disse: “Mestre, vimos um grupo que em teu nome expulsava os demônios, e lho proibimos, porque não te segue conosco. Jesus lhe disse: Não o proibais, porque quem não é contra nós é por nós”. (Lc. 9: 49, 50).

Aqui vemos Jesus ensinando a João: Não sejas tradicional e cheio de preconceitos. Não tenhas dentro de ti uma tabuleta de religião. João, eu tenho em vários lugares pessoas que me seguem, portanto não os proibais mais. Deixa que o meu Espírito opere onde Ele quer e como quer.

Fiz uma paráfrase deste pequeno trecho da Bíblia que serve hoje para muitos religiosos que pensam só haver salvação na sua igreja ou denominação.

Jesus continua o seu tratamento com Boanerges: ”E aconteceu que, completando-se os dias para sua assunção, manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém. E mandou mensageiros diante de sua face; e, indo eles, entraram numa aldeia de samaritanos para lhe prepararem pousada. Mas não o receberam, porque oseu aspecto era como de quem ia a Jerusalém. E os seus discípulos, Tiago e João, vendo isso, disseram: Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também o fez? Voltando-se, porém, repreendeu-os e disse: Vós não sabeis de que espírito sois”.(Lc 9:51 a 55).

Era como que Jesus dizendo: João e Tiago, este espírito vingativo não vem de mim.

Vocês querem fazer dos samaritanos uma churrascada? João, aprenda comigo que o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.

Imagino como o coração de João ficou arrependido envergonhado. Agora, mais uma lição para ele se aproximar da qualidade de “apóstolo do amor”.

Jesus continua tratando hoje com muitos “Boanerges” na sua igreja. Graças a Deus, muitos estão dando lugar ao Espírito Santo para um quebrantamento no seu “eu”.

Em Marcos 10:35 a 45 está escrito outro episódio com o Boanerges:  

E aproximaram-se dele Tiago e João filhos de Zebedeu, dizendo: Mestre, queríamos que nos fizesses o que pedirmos E Ele lhes disse: que quereis que vos faça? E eles lhe disseram: Concede-nos que na tua glória nos assentemos, um à tua direita, e outro à tua esquerda. Mas Jesus lhes disse: Não sabeis o que pedis; E os dez, tendo ouvido isto, começaram a indignar-se contra Tiago e João.

Que pedido mais egoístas eles fizeram, trazendo até indignação e contendas com seus dez colegas de ministério.

Mas Jesus deu-lhes uma boa resposta: Mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser ser grande, será vosso serviçal: E qualquer que dentre vós quiser ser o primeiro será servo de todos.

Que lição mais direta para acabar com sua vaidade.

Posso novamente imaginar a vergonha que tiveram diante de todos. É assim que Jesus vai trabalhando no nosso caráter; às vezes dói, mas como precisamos ser moldados com o caráter de Cristo.

Vejo nessas lições do nosso grande Mestre como precisamos ser trabalhados! Vejo como Deus é longânimo e paciente conosco, pois eu era um “burro bravo” e Jesus foi me amansando e graças a Deus, meu coração se tornou sensível à doce voz do Espírito santo. Peço sempre a Deus que continue me quebrantando mesmo que doa pois vale a pena ser usado por Ele. Aliás, não tem maior privilégio do que ser usado pelo seu Espírito Santo.

E à medida que vamos dando lugar a Jesus, Ele vai aparando as arestas do nosso “vaso”. E o “Boanerges” que é a nossa velha natureza vai sendo transformado dia a dia.

Voltemos agora para o finalzinho da vida do apóstolo João. Ele mesmo disse:”Eu, João, que também sou vosso irmão e companheiro na aflição , e no Reino, e na paciência de Jesus Cristo, estava na ilha chamada Patmos, por causa da Palavra de Deus e pelo testemunho de Jesus Cristo” (Ap 1:9).

Diz a tradição que João, nessa época , deveria ter quase 100 anos. E que foi o último apóstolo a morrer. Estava aquele velhinho ali exilado, sentindo muito calor durante o dia e muito frio à noite.

Mas agora está cheio de amor por Jesus. Tinha aprendido as lindas lições com seu Mestre amado. Estava ali sendo companheiro nas aflições e na paciência de Jesus, por causa da sua Palavra. Creio que João não via ali qualquer porta de saída. Estava isolado naquela ilha, sem murmurar e nem questionava pelo martírio.

Hoje, no século 21, é bem diferente: quem vai para uma ilha, vai para descansar, para lazer e distração, sendo fácil o acesso e grande conforto que geralmente oferece.

Posso lhe afirmar pois tive o privilégio de viajar por longas horas em alto mar ainda debaixo de uma grande tempestade  e muitas pessoas se jogaram no chão pois o navio era jogado de um lado para outro por causa da chuva com muita ventania. Quando chegamos lá, eu só chorava, relembrando o sofrimento.

João não aguentaria estar ali se não fosse o mover de Cristo em sua vida .Podemos imaginar o nosso irmão João olhando para todos os lados e não vendo nem uma porta de saída. Mas uma “Porta” se abriu no céu e ele viu Maravilhas. A presença de Jesus fez com que ele caísse por terra como morto aos seus pés. E Jesus pôs sobre ele as suas mãos e disse: “Não temas; EU SOU o PRIMEIRO E O ÙLTIMO, aquele que vive; fui morto , mas eis aqui estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da morte e do inferno” ( Ap 1:17 e18).

Ali João recebeu toda a REVELAÇÃO que é o Apocalipse.

Observe bem na disposição de João, de sofrer de aprender ser tratado por Jesus de ter grande intimidade com o PAI a ponto depois de ser chamado por Jesus de Apóstolo do Amor. Com a disposição de João ,de sofrer por amor de Jesus e de sua Palavra, hoje podemos conhecer um pouco do lugar maravilhoso que nos espera.

Lendo o APOCALIPSE, é como se Jesus abrisse uma pequena cortina para vermos um pouco das lindas belezas que nos aguarda. Só em ler que no céu não haverá tristeza nem dor, não haverá lágrimas; pois Jesus nos prometeu que Ele enxugará dos nossos olhos toda lágrima - vale a pena de nos dispor a obedecê-lo até a morte. Em qualquer circunstância que tivermos que passar, vamos buscar o domínio próprio

Se você tem a natureza de “filho do trovão”, um Boanerges, busque no Senhor Jesus o melhor exemplo de mansidão e humilde de coração .

E assim como Jesus fez com João, que trabalhou em sua vida toda que se tornou diferente do principio do seu ministério, Ele te transforme de um cristão carnal para um “apóstolo do Amor”.

O DOMÍNIO PROPRIO é uma parte importante do “FRUTO DO ESPÌRITO”.

Glória a Jesus Cristo que tem poder para mudar nossa velha natureza carnal.

AQUELE QUE ESTÁ EM CRISTO, NOVA CRIATURA É; AS COISAS VELHAS JÁ PASSARAM, E
IS QUE FAÇO TUDO NOVO.
(2 Co 5: 17)


PS- Para ouvir a trilha do dia, vai lá: http://www.youtube.com/watch?v=6nldSJZdPh4
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