Palhaços ou cadáveres?
.
- Levi Agreste
Palhaço!
Era o que respondia na idade de criança quando lhe perguntavam sobre sua futura carreira. Não acreditavam, seu pai e mãe, não levavam a sério.
Errou por pouco.
Era bancário.
Mas, num belo sábado decidiu desobedecer. Vestiu suspensórios, um nariz vermelho, um rosto branco e algumas bolas coloridas.
Foi até o semáforo.
Observou os carros passar. Vermelho. Foi até o meio da rua. Jogou as bolas ao ar, uma a uma. Uma a uma caíram – no chão. Passou a procurar as bolas, que se meteram debaixo dos carros. Quando estava para pegar a última: verde.
Estava lá no meio da rua e ouvia as buzinas. Era atormentado por elas, cercado, inundado, surrado.
Críticas.
Caiu – desta vez ele.
Observou os carros passar até parar e engatinhou por entre eles para a longínqua calçada.
Talvez não precisassem de palhaços no semáforo.
Decidiu tentar novamente no domingo.
Saiu para o maior centro social de seu tempo, o grande mercado globalizado diminuído em versão local, ainda com nome estrangeiro, shopping mall.
Empurrou a porta, mal notado, mesmo com suas cores. Dirigiu-se à grande feira mundial de comidas. Jogou as bolas para o alto, uma a uma. Uma a uma caíram – no chão. Recolheu-as e jogou novamente. Uma caiu em sua mão, outra na outra, a terceira… Recolheu-as. A primeira – mão –, a segunda – mão –, a primeira – ar –, a terceira – mão –, a segunda – ar –, a primeira – alguém lhe esbarra e as bolas caem no chão. Quando recolheu as bolas pela terceira vez, olhou ao redor.
Seus olhos não encontraram nenhum outro.
Eram todos máquinas sem luz, programados para ouvir e ver apenas o que aprazia ao shopping.
Foi para casa.
Obstinado, acordou na segunda-feira sem descanso.
Seria palhaço de novo.
Vestiu o suspensório, o nariz vermelho, o rosto branco e as bolas coloridas.
Entrou no prédio, no elevador. Sexto andar, o escritório. Telefones e passos no carpete bege. Camisas brancas enfeitadas por gravatas cinzas. O mesmo som, repetido, repetido, repetido: “Banco dos sonhos, aguarde; Banco dos sonhos, aguarde; Banco dos sonhos, aguarde”.
O palhaço olhou para as cores em sua mão.
Elevador; último andar; escada e teto.
O palhaço observou o movimento embaixo, carros em linha, na mesma direção – cinza, preto, branco, prata.
Inclinou um pouco para frente e deixou o peso do corpo fazer o resto.
O mundo não quer saber de palhaços, apenas de cadáveres – e quanto se pagará por caixão e lápide, conjunto promocional.
Fonte: http://ultimato.com.br/sites/jovem/2015/10/05/palhacos-ou-cadaveres/
PS- Para ouvir a trilha do dia, vai lá: https://www.youtube.com/watch?v=xwtz2xIQ3IY
.
- Levi Agreste
Palhaço!
Era o que respondia na idade de criança quando lhe perguntavam sobre sua futura carreira. Não acreditavam, seu pai e mãe, não levavam a sério.
Errou por pouco.
Era bancário.
Mas, num belo sábado decidiu desobedecer. Vestiu suspensórios, um nariz vermelho, um rosto branco e algumas bolas coloridas.
Foi até o semáforo.
Observou os carros passar. Vermelho. Foi até o meio da rua. Jogou as bolas ao ar, uma a uma. Uma a uma caíram – no chão. Passou a procurar as bolas, que se meteram debaixo dos carros. Quando estava para pegar a última: verde.
Estava lá no meio da rua e ouvia as buzinas. Era atormentado por elas, cercado, inundado, surrado.
Críticas.
Caiu – desta vez ele.
Observou os carros passar até parar e engatinhou por entre eles para a longínqua calçada.
Talvez não precisassem de palhaços no semáforo.
Decidiu tentar novamente no domingo.
Saiu para o maior centro social de seu tempo, o grande mercado globalizado diminuído em versão local, ainda com nome estrangeiro, shopping mall.
Empurrou a porta, mal notado, mesmo com suas cores. Dirigiu-se à grande feira mundial de comidas. Jogou as bolas para o alto, uma a uma. Uma a uma caíram – no chão. Recolheu-as e jogou novamente. Uma caiu em sua mão, outra na outra, a terceira… Recolheu-as. A primeira – mão –, a segunda – mão –, a primeira – ar –, a terceira – mão –, a segunda – ar –, a primeira – alguém lhe esbarra e as bolas caem no chão. Quando recolheu as bolas pela terceira vez, olhou ao redor.
Seus olhos não encontraram nenhum outro.
Eram todos máquinas sem luz, programados para ouvir e ver apenas o que aprazia ao shopping.
Foi para casa.
Obstinado, acordou na segunda-feira sem descanso.
Seria palhaço de novo.
Vestiu o suspensório, o nariz vermelho, o rosto branco e as bolas coloridas.
Entrou no prédio, no elevador. Sexto andar, o escritório. Telefones e passos no carpete bege. Camisas brancas enfeitadas por gravatas cinzas. O mesmo som, repetido, repetido, repetido: “Banco dos sonhos, aguarde; Banco dos sonhos, aguarde; Banco dos sonhos, aguarde”.
O palhaço olhou para as cores em sua mão.
Elevador; último andar; escada e teto.
O palhaço observou o movimento embaixo, carros em linha, na mesma direção – cinza, preto, branco, prata.
Inclinou um pouco para frente e deixou o peso do corpo fazer o resto.
O mundo não quer saber de palhaços, apenas de cadáveres – e quanto se pagará por caixão e lápide, conjunto promocional.
Fonte: http://ultimato.com.br/sites/jovem/2015/10/05/palhacos-ou-cadaveres/
PS- Para ouvir a trilha do dia, vai lá: https://www.youtube.com/watch?v=xwtz2xIQ3IY
.
0 Comments:
Post a Comment
Note: Only a member of this blog may post a comment.
<< Home