December 31, 2015

A promessa de uma nova alegria

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- Suzana Herculano-Houzel

Eu tinha não mais do que oito anos quando descobri que todo mundo morre. Minha mãe me encontrou em prantos, já vestida com o uniforme da escola mas nem de longe pronta para sair: ir para a escola por quê? Para quê tanto esforço, se no final todo mundo morre? Para que, enfim, nascer? A resposta da mamãe não só me convenceu como ficou comigo até hoje.

"Querida, realmente não faz sentido, mas eu te garanto que as alegrias que a gente colhe ao longo da vida - conhecer seu pai, ver você nascer, fazer você sorrir - fazem tudo valer a pena."

Minha mãe nunca foi cientista, mas, vinte e tantos anos de experiência como neurocientista depois, digo que ela acertou em cheio. Sentido, de fato não há algum em viver. A história da vida na Terra ensina que não há propósito na evolução: seres não se tornam adaptados para uma função ou ambiente, eles apenas permanecem e deixam descendência (sempre com umas novidades aqui e ali) se funcionaram bem o suficiente naquelas circunstâncias. Em retrospecto, fica até uma impressão de desígnio. Mas é pura impressão.

E assim como não há propósito, também não há futuro: o destino certo de todas as espécies é a extinção, se não natural ou causada por outras (como a nossa), então ao serem engolidas pela explosão inexorável do nosso Sol, prevista para daqui a uns 6 bilhões de anos.

Seria lógica suficiente para levar qualquer um ao suicídio e assim evitar gastos desnecessários de energia ou aporrinhação - ou, optando-se pela vida, para chutar o balde e dizer "dane-se!" a qualquer tentativa de desacelerar o aquecimento global só para dar uma chance melhor às gerações futuras, igualmente desprovidas de propósito.

Por sorte, o cérebro não é pura lógica. Temos em seu cerne um conjunto de estruturas, o sistema de recompensa e motivação, que premia algumas de nossas ações - justamente aquelas que prolongam nossa existência - com uma sensação inequívoca de satisfação, prazer e felicidade.

É a alegria do presente e a expectativa decorrente de um pouquinho mais de prazer que nos mantêm em movimento e interessados em permanecer assim e, portanto, vivos.

Em última análise, é a promessa de uma nova alegria, completamente ilógica, que dá sentido à nossa vida.

E, de forma magistralmente circular, tal qual os circuitos do cérebro, o sentido da vida é descobrir o que mais nos dá alegria.

Minha mãe estava certíssima.

Um ano novo cheio de sentido para você, leitor.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/suzanaherculanohouzel/2015/12/1721941-o-porque-disso-tudo.shtml

December 30, 2015

A esperança de Pandora

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- Luiz Felipe Pondé

A esperança é o último dos "males" escondidos na caixa de Pandora.

Mas quem é Pandora?

Pandora é a mulher criada por Zeus para nos castigar. Pandora é uma espécie de Eva grega, com a diferença de que o culpado por ela ter sido criada para nos fazer sofrer é um "homem": Prometeu.

Sabemos que Prometeu foi aquele que nos deu a "técnica do fogo", contra a vontade de Zeus. Este, para castigar Prometeu, o teria pregado a uma pedra para ter seu fígado comido por uma ave pela eternidade. Zeus parecia acreditar que com essa "técnica do fogo" nós faríamos bobagens.

Mary Shelley, no século 19, chamará seu doutor Frankenstein de "o Prometeu Moderno", numa referência clara à desmedida ("hybris") técnica do homem moderno, representada pelo médico Frankenstein, que "cria um homem", se igualando a Deus.

Na Grécia, portanto, já apareceria esse "medo" de querermos saber o que os deuses sabem. E que sofreríamos com isso. Mary Shelley, a romântica, revela o medo da ciência como ferramenta de desmedida. Esse assunto (medo da ciência) dá o que falar, mas não vou falar dele hoje. Entretanto, não tenho dúvida de que podemos arrebentar nossa vida e o mundo com essa marca de sermos seres "sem medida".

Mas voltemos a Pandora. Pandora é criada com um traço de personalidade: ela era uma curiosa. Sabendo disso, quando Zeus dá para ela a caixa e diz para não abri-la, sabe que ela o fará. E, quando o fizer, deixará escapar as misérias que atormentarão o mundo. A curiosidade de Pandora também é uma face da desmedida.

Mas, pergunto eu: até onde podemos ser curiosos sem nos causar problemas?

Ninguém sabe.

Muita curiosidade mata, mas é sinal de vida. Pouca curiosidade faz de você uma pessoa mais cuidadosa, mas, talvez, sem vida.

Quanto de sangue nos olhos é necessário para gozar a vida?

A curiosidade de Pandora assim como a técnica são faces da mesma desmedida.

Esse é nosso destino, segundo a visão trágica.

Acho que os gregos tinham razão. Sempre andaremos em círculos, num eterno retorno do mesmo destino sem medida. Não há avanço acumulativo na história, pois o "avanço" pode ser, ele mesmo, a desmedida.

A ideia de um avanço acumulativo da história humana ou progresso em direção a um fim que revelará o sentido último da história e da vida (a "escatologia" em teologia) é fruto do mundo bíblico. Por isso a esperança como traço humano é tão diferente se compararmos Jerusalém com Atenas.

Na terra de Israel, a esperança é, justamente, o que sustenta a vida em tensão para o futuro. Um futuro que dará sentido a tudo que vivemos. Impossível não deduzir daí um sentido para a história e para a vida.

Na terra de Pandora, a esperança é um dos males que nos faz sofrer. Como a esperança pode ser um mal?

Não estou aqui pensando nesse conceito pseudopolítico e picareta conhecido como "utopia" que é, sim, um mal.

Mas, como viver sem esperança?

Mesmo Viktor Frankl, psiquiatra sobrevivente do Holocausto, dizia que a experiência de sentido (e a esperança é irmã do sentido) era essencial para suportar o espaço por excelência onde os judeus viveram a "utopia nazista", os campos de extermínio.

No mundo trágico, "ter esperança" é uma forma da desmedida.

Eis a tragédia numa de suas representações máximas. Se, por um lado, sem esperança somos seres destruídos em nossa espinha dorsal espiritual e psicológica, por outro, "ter esperança" é uma profunda ilusão com relação ao destino humano.

A esperança é uma forma de tortura justamente porque não há nenhuma esperança.

Como dizia o oráculo de Delfos: somos mortais.

Vemos aqui como não se pode dizer que desmedida e pecado sejam a mesma coisa. A esperança no mundo bíblico nos aproxima de Deus e o pecado nos afasta Dele. No mundo grego, a esperança nos torna ainda mais vítimas de nosso destino sem saída e, assim, se revela como mais uma forma de castigo divino.

Afora a religião ou a filosofia, talvez a esperança seja mais uma questão de "índole", como diria nosso antropólogo Roberto Da Matta.

Alguns são filhos da esperança, outros, do desespero.

Enfim, bom 2016.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2015/12/1723454-a-esperanca-de-pandora.shtml

December 29, 2015

Nada tem tanto sucesso quanto o fracasso

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Sim, eu sei, chérie... não tá fácil. 

Mó sensação de fracasso, não é?

Dureza que as perspectivas para 2016 não são nada melhores...

Que bom ; ).

Porque só quando não temos mais munição, nos rendemos.

É, o grão tem de morrer para dar fruto.

Então descubra comigo a força que vem da fraqueza.

1. Introdução 
2. As Bem-aventuranças: O Caráter dos Cidadãos do Reino 
3. As Bem-aventuranças: "Nada tem Sucesso como o Fracasso" 
4. As Bem-aventuranças: Um Evangelho para os Derrotados 
5. As Bem-aventuranças: A Força da "Fraqueza" 
6. As Bem-aventuranças: Uma Conclusão Surpreendente 
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PS- Para ouvir a trilha do dia, vai lá: https://www.youtube.com/watch?v=QGJuMBdaqIw  
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December 28, 2015

Retrospectiva 2015

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BRASIL, FINAL DE TEMPORADA

Faltou romance: a season 2015 termina sem química no casal de protagonistas 

- Lusa Silvestre

Em 2011 tive um programa no rádio. Nele, conversei com Laerte (já de guarda-roupa renovado), Raí, Francis Hime, Lobão, Jair Rodrigues, Zé do Caixão – um monte de gente. Em mais de 50 entrevistas, notei uma coisa comum a todos os convidados: o fracasso.

Todo mundo tinha passado por dificuldades ali. Falências, reprovações, padres assanhados. Em uma palavra, o drama.

O drama.

É o que aproxima pessoas bem–sucedidas, como Raí e Francis, de gente normal. É, também, o que faz ficção e realidade serem tão próximas.

Breaking Bad, por exemplo, parte de um personagem frustrado que se vê doente e durango, sem ter como sustentar a família. Sofrimento parecido com o de muita gente – um dos motivos da série ter dado certo.

O desastre, o fracasso, a fatalidade são inevitáveis em qualquer trama.

Desconfio de personagens (reais ou imaginários) que só falam em vitórias. Porque o tombo faz parte da formação.

Chega até a ser desejável. Headhunters chamam isso de “experiência crítica”. Trabalhar na Venezuela é experiência crítica. Ter chefe escroto, tentar o ajuste fiscal – idem. A lógica é a seguinte: se o sujeito passou por dificuldades e deu seu jeito, ele tem preparo. Não vai tremer o beicinho diante de uma encrenca.

É o tal gerenciamento de crises, tão importante numa narrativa.

Digo tudo isso porque 2015 foi o ano da experiência crítica. O Brasil virou uma temporada do Netflix, de tanta virada emocionante. Não é reveillon – é final da temporada. Teve traição, escândalo, polícia, assalto. Game of Thrones perde.

Mas faltou uma coisa importante: núcleo amoroso.

Os roteiristas esqueceram-se de pôr afeto em 2015. Compreensível: quem consegue sentir um perfume, elogiar um corte de cabelo, admirar uma bunda, com nome sujo no SPC?

Estamos diante do amortecimento dos sentidos. A pessoa procura um bom partido – e pensam que você está falando de política. Tem mais coisa no mundo, rapaziada. Não se vive só de ocupação de escolas; alguém também tem que ocupar esse coraçãozinho revolucionário. Vamos crescer esse enredo.

Faltou também recursos para produzir 2015. Tudo muito chinfrim. Não tivemos efeitos especiais (pedalada não é efeito especial), nem imagens aéreas, nem grandes cenas de batalha. No máximo, rolou uns tabefinhos no Congresso. Coisa de série ucraniana. Sem dinheiro, não houve como contratar um casal apaixonado. Os dois lá no Planalto nunca tiveram química.

Casais assim, sem liga, sem paixão, sempre vão mal no Ibope. Só que agora chega.

Pra temporada que vem, vamos aliviar o clima. É a técnica de roteiro mais clássica: antes de uma reviravolta, o herói se ferra. Estamos neste ponto. Temos, então, 2016 inteiro pra inverter essa curva dramática.

A gente pode até estar apanhando no final da Season 2015, mas, lembrem-se: o mocinho sempre ganha no final.

Fonte: http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/xavecos-e-milongas/brasil-final-de-temporada/

December 27, 2015

Amor etíope

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1 Jesus começou a ensinar outra vez na beira do lago da Galileia. A multidão que se ajuntou em volta dele era tão grande, que ele entrou e sentou-se num barco perto da praia, onde o povo estava. 2 Jesus usava parábolas para ensinar muitas coisas. Ele dizia:
3 — Escutem! Certo homem saiu para semear. 4 E, quando estava espalhando as sementes, algumas caíram na beira do caminho, e os passarinhos comeram tudo. 5 Outra parte das sementes caiu num lugar onde havia muitas pedras e pouca terra. As sementes brotaram logo porque a terra não era funda. 6 Mas, quando o sol apareceu, queimou as plantas, e elas secaram porque não tinham raízes. 7 Outras sementes caíram no meio de espinhos, que cresceram e sufocaram as plantas. Por isso nada produziram. 8 Mas as sementes que caíram em terra boa brotaram, cresceram e produziram na base de trinta, sessenta e até cem grãos por um.
9 E Jesus terminou, dizendo:
— Se vocês têm ouvidos para ouvir, então ouçam.

Mc 4: 1-9
*  *  *

Chérie,

penso que nosso coração é o solo onde a semente do Amor é plantada.

Ou seja, o sucesso da colheita depende da condição do solo.

Como uma plantinha, o amor precisa de irrigação, poda, cuidado.

Senão vira um amor etíope - raquítico, não cresce nem se desenvolve, porque não recebeu os nutrientes necessários.

Bjs,

KT
*  *  *

' Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração
porque dele procedem as fontes da vida.' 
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Pv 4: 23
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December 26, 2015

A fé: sua natureza e seus heróis

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Texto Básico: Hebreus 11.1-4 
Texto Devocional: Marcos 11.20-26 
Versículo Chave: Hebreus 11.1


 “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem.”

Alvo da Lição: Você entenderá o que é a fé, e conhecerá uma grande nuvem de testemunhas do passado cuja fé serve de exemplo aos cristãos de hoje.

Leia a Bíblia diariamente  

S – Hb 11.1-7  
T – Hb 11.8-22 
Q – Hb 11.23-29 
Q – Hb 11.30-40  
S – At 7.1-22  
S – At 7.23-43  
D – At 7.44-60

Duas razões para o autor ter dedicado 40 versículos à fé no capítulo 11 de sua epístola podem ser estas:

(1) contrastar a fé com a ênfase que o Antigo Testamento dava à obediência à lei; e 
(2) mostrar o que homens e mulheres de Deus (“a grande nuvem de testemunhas”) fizeram por meio da fé, no passado. Assim, ele encoraja seus leitores a permanecerem firmes, lembrando que os cristãos têm promessas superiores (Hb 11.39-40).

I. A natureza da fé (Hb 11.1-3)

1. Que é a fé (Hb 11.1)

A construção gramatical deste versículo no texto original traz a seguinte mensagem: “Fé significa que estamos dando substância às coisas esperadas, e provamos estas ainda que não sejam vistas”.

Leia o mesmo versículo em quatro outras versões.


a. J.B. Phillips
Ora, a fé significa que temos confiança total nas coisas que esperamos, significa ter certeza de coisas que não podemos ver.”

b. NVI
“Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos.”

c. Linguagem de Hoje
“A fé é a certeza de que vamos receber as coisas que esperamos e a prova de que existem coisas que não vemos.”

d. Bíblia Viva
“Que é a fé? É a convicção segura de que alguma coisa que nós queremos vai acontecer. É a certeza de que o que nós esperamos está nos aguardando, ainda que não o possamos ver adiante de nós.” Fé não é fechar os olhos e dizer: “Vai dar certo”, ou, “tem que acontecer”. Não é pensamento positivo, nem confissão positiva. O alicerce da fé são as promessas da palavra de Deus. A fé, na Bíblia, está sempre ligada à confiança que o homem deposita na palavra do Deus vivo, fiel e verdadeiro (Nm 23.19; Tt 1.2).

2. O testemunho da fé (Hb 11.2)

Ao escrever que os “antigos obtiveram bom testemunho”, o autor coloca o verbo “obter” no tempo e modo de forma a indicar que foi Deus quem deu o testemunho acerca deles. Foram homens e mulheres antigos que receberam recomendação divina por sua fé.

3. Fé e Criação (Hb 11.3)

Aqui temos um importantíssimo testemunho bíblico acerca de como se deu o processo da criação do universo.

a. Entendemos
A palavra expressa uma percepção mental, uma faculdade de pensar, inteligência.

b. Foi o universo formado pela palavra de Deus
Exatamente como o Gênesis registra: “Disse Deus” (Gn 1.3,6,9,14, 20,24,26). Embora os cristãos sejam criticados e até ridicularizados, são os que melhor entendem (“pela fé entendemos”) o processo da criação do universo. Na Bíblia, a palavra de Deus é Deus em ação.

Donald Guthrie escreveu: “Ao contemplar a origem do mundo observável da natureza, o escritor reconhece a necessidade da fé. Se a explicação fosse restrita a fenômenos que podem ser testados, nenhuma fé seria necessária. Mas as palavras ‘pela fé entendemos’ demonstram que o conhecimento não é independente da fé” (Hebreus, Introdução e Comentário, p.213).

Leia Hebreus 11.3 na versão de J.B. Philips:

II. A fé dos antediluvianos (Hb 11.4-7)

1. Abel (Hb 11.4)

Não é dada nenhuma indicação da razão por que seu sacrifício se revelou mais aceitável. O único indício é que foi dito a Caim que, se procedesse bem, ele também seria aceito (Gn 4.7), o que sugere que tinha muito a ver com a atitude do coração e o estilo de vida de Abel. Em outras palavras, o problema não estava no conteúdo da oferta, mas no coração do ofertante.

2. Enoque (Hb 11.5)

Duas coisas sobre Enoque: (1) foi liberto da experiência da morte devido à sua fé (“foi trasladado” – o verbo significa transpor, transferir, remover); (2) obteve testemunho de haver agradado a Deus antes de ser trasladado.

3. A indispensabilidade da fé (Hb 11.6)

Aprendemos também duas coisas acerca do relacionamento entre o homem e Deus. (1) Quem busca a Deus deve crer na Sua existência; (2) quem busca a Deus deve saber que Ele é um Deus galardoador (recompensador, premiador).

4. Noé (Hb 11.7)

Nenhuma outra coisa poderia ter levado Noé a fazer o que fez senão a fé. Ele teve fé suficiente para salvar a si e a sua casa. Observe que a palavra “fé” ocorre duas vezes nesse versículo. William Newell comentou: “Quando Noé entrou na arca, havia a mesma convicção do fato da vinda do dilúvio que ele tinha durante os anos de construção da arca. Deus tinha falado! Aquilo era tudo o que estivera antes na sua mente. Ele nunca olhou para o céu. Fé é a convicção de coisas, mesmo quando elas não são vistas!”

III. A fé dos patriarcas (Hb 11.8-22)

1. A fé de Abraão (Hb 11.8-19)

Não é por acaso que os comentários sobre a fé de Abraão ocupam mais espaço do que o dedicado a qualquer outro personagem do AT neste capítulo. Ele era, por excelência, um homem de fé. Então, era de se esperar que “o pai de todos os que creem” (Rm 4.11), ou o “pai da fé” como alguns dizem, recebesse grande espaço nesta galeria de heróis da fé. Todavia, o espaço de uma lição não é ideal para que façamos os comentários que o texto merece. O esboço a seguir nos ajuda a acompanhar os passos desse pai de muitas nações (Rm 4.17-18) e saber o que ele realizou pela fé.

a. Abraão obedeceu (v.8)
b. Abraão peregrinou (v.9)  
c. Abraão aguardou (v.10)  
d. Abraão gerou (v.11)  
e. Abraão prosperou e alcançou uma pátria superior (v.12-16)  
f. Abraão ofereceu (v.17-19)

2. A fé de Isaque, de Jacó e de José (Hb 11.20-22)

a. A fé de Isaque (Hb 11.20)
Sobre a fé de Isaque, o único fato que o escritor menciona foi a bênção de Jacó e Esaú. O nome deles se dá nesta ordem e não na ordem do nascimento, talvez porque essa foi a ordem na qual receberam a bênção de seu pai. Nada se diz acerca do engano a que foi submetido Isaque. A consequência desse engano foi a bênção que havia sido destinada a Esaú (o primogênito) ter sido derramada sobre Jacó. O fato é que Deus inverteu a ordem natural, e o herdeiro da promessa ficou sendo o segundo entre os gêmeos, ao invés do primeiro.

b. A fé de Jacó (Hb 11.21)
“A bênção que passava do pai para o filho era de grande relevância para a mente judaica. O escritor bíblico vê isto como um ato de fé. As bênçãos de Jacó de despedida sobre cada um dos filhos de José são mencionadas como evidência específica da sua fé em Gênesis 48.11-22” (Guthrie, p.222).

c. A fé de José (Hb 11.22)
A vida de José mereceu ser citada como um belo exemplo de fé nesta galeria. O autor da carta escolheu um episódio que pertence ao final da vida de José. Está registrado em Gênesis 50.24-26. José havia passado a totalidade de sua larga vida, a não ser os primeiros dezessete anos, no Egito, mas aquele não era o seu lugar. O cumprimento do seu pedido está em Êxodo 13.19 e Josué 24.32.

Aplicação

Na vida de Isaque, de Jacó e de José encontramos atos preciosos de fé. Eles provaram, mais uma vez, que “a fé é a certeza de coisas que se esperam e a convicção de fatos que se não veem”.

IV. A fé de Moisés (Hb 11.23-29)

Moisés também recebe um tratamento extenso, porque tanto ele quanto o Êxodo têm muita importância na história do povo de Deus, no AT. Sua vida inteira fora marcada pela consciência da presença e do poder de Deus, além da crescente obediência à palavra do Senhor. Algumas lendas judaicas creditavam a Moisés um vasto conhecimento de aritmética, geometria, poesia, música, filosofia, astronomia e outros ramos do saber. Mas a Escritura afirma “Que nunca mais se levantou em Israel outro profeta como Moisés, (Dt 34.10 cf. Êx 33.11).

O autor da carta destaca dois aspectos da fé de Moisés: pessoal e nacional. O esboço a seguir nos ajudará a cobrir os principais destaques do parágrafo a ser estudado.

1. A autonegação de Moisés (v.24)
2. A solidariedade e a santificação de Moisés (v.25) 
3. O sofrimento voluntário de Moisés (v.26)
4. A fé durante o Êxodo (v.27)  
5. A fé na celebração da Páscoa (v.28)  
6. A fé na travessia do mar Vermelho (v.29)

V. Mais exemplos de fé (Hb 11.30-38)

Em Hebreus 11.32, o autor pergunta: “E o que mais direi? Certamente, me faltará o tempo necessário…” Estamos com o mesmo problema dele, falta de tempo! Mesmo assim, novamente podemos esboçar o parágrafo, para melhor percebermos a ideia central.

1. A fé na queda das muralhas de Jericó (v.30)  
2. A fé de Raabe (v.31)  
3. A fé no período dos juízes (v.32)  
4. A fé e realizações (v.33)  
5. A fé, libertações, maravilhas e ressureições (v.33-35)  
6. A fé e sofrimentos (v.35-37)  
7. A fé e a solidão (v.38)

VI. A fé em Cristo é superior (Hb 11.39-40)

Ainda que tantas pessoas tenham feito e recebido coisas extraordinárias por meio da fé, e, por isso, “obtiveram bom testemunho por sua fé”, contudo elas não receberam “a concretização da promessa” (Hb 11. 39). O que o autor quer dizer é que nem um deles viu o cumprimento das profecias referentes à chegada do Messias.

Em Hebreus 11.40, temos mais um texto que comprova a superioridade de Cristo: “por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito” Ele está se referindo à fé cristã. Por isso que Jesus afirmou sobre João Batista: “Entre os nascidos de mulher, ninguém é maior que João Batista; mas o menor no reino dos céus é maior do que ele” (Lc 7.28). 

Há dois fatos importantes que podemos aprender nesse versículo. 

Primeiro: ninguém é maior que João Batista, porque ele foi o único profeta da antiga aliança que anunciou o Messias e viu o cumprimento dessa profecia. João Batista e Jesus se encontraram e dialogaram (Mt 3.13‑15). 

Segundo: o menor no reino dos céus é maior do que João porque, a partir da chegada do Messias, as pessoas entram no reino dos céus crendo em Cristo, e Ele é maior do que todos. A fé em Cristo é superior.

Conclusão

Sobre os heróis da fé, Hebreus 11.38 conclui: “Homens dos quais o mundo não era digno”. Ele quer nos dizer que o mundo não era um lugar bom para esses homens de fé. A estatura espiritual deles fez com que fossem merecedores de uma cidade superior. 

A ideia é também que o mundo não oferecia hospitalidade compatível com o exemplo de fé dessas pessoas formidáveis. Essa tão grande nuvem de testemunhas (Hb 12.1) é um exemplo para nós.

O Deus deles é o nosso Deus. 

Eles tiveram fé, por isso obtiveram bom testemunho. 

Então, oremos: “Senhor, aumenta-nos a fé. Amém”.

Fonte: http://ultimato.com.br/sites/estudos-biblicos/assunto/vida-crista/a-fe-sua-natureza-e-seus-herois-2/

December 25, 2015

O espanto do Natal e o espetáculo da Graça

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'Hoje mesmo, na cidade de Davi, nasceu o Salvador de vocês — o Messias, o Senhor!´

Ao lermos e meditarmos atentamente nos versos que contam a história do nascimento de Jesus, talvez uma forte sensação de espanto tomará conta de nós.

Uma virgem que engravida, um noivo que aceita esta condição e permanece fiel, anjos que anunciam o mistério a conhecidos e desconhecidos, os primeiros visitantes são pastores e não familiares, o homem mais poderoso sentindo-se ameaçado por um bebê.

Como pode o próprio Deus vir ao mundo como um frágil ser? Por que o Rei dos Reis escolheu nascer neste ambiente de tanta simplicidade e pobreza?

Que espanto saber que este garoto é o Cristo concedido por Deus para ser nosso! É o Verbo que não tem início nem fim.

Que incrível saber que o Menino cresceria, cumpriria sua missão e morreria para nos reconciliar com Deus. Que assombro saber que este bebê nasceu por mim. E que posso crer, pois Deus me chama a isto.

Mistério, mistério, mistério!
Surpresa, admiração, alegria
Gratidão, gratidão, gratidão!
Por este espetáculo da Graça.

Nesta época tão especial, que o espanto – o bom e santo espanto - seja a tônica em nossos corações.

Que o espanto nos prepare para a celebração e adoração do “Verbo feito carne”, do Deus-homem que veio salvar o mundo.

Um abençoado Natal para você e sua família ; ). 

Fonte: http://www.ultimato.com.br/conteudo/o-espanto-do-natal-e-o-espetaculo-da-graca

December 24, 2015

A imaginação é mais importante que o conhecimento

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VAMOS PARA NÁRNIA?.
- Paulo F. Ribeiro

Você já esteve em Nárnia? Se não, eu recomendo fortemente que faça isso. Este lugar fascinante não vai decepcioná-lo. Eu já estive lá muitas vezes. Na realidade, eu visito Nárnia quase todos os dias.

Alguns de vocês podem argumentar que Nárnia não é um lugar real. O fato de que Nárnia é um país imaginário não significa que seja irreal ou falso. Sim, precisamos da realidade e razão para encontrar a verdade. Mas sem imaginação não podemos descobrir o significado da vida.

Alguns podem dizer que Nárnia é uma história para crianças. Eu respondo com uma citação do autor das Crônicas de Nárnia (C. S. Lewis): “Nenhum livro vale a pena ser lido como criança - que não possa ser lido como adulto. As únicas obras imaginativas que devemos esquecer são aquelas que teria sido melhor nunca termos lido. A criança não despreza as florestas reais porque ele já leu sobre florestas encantadas: a leitura faz todas as florestas reais um pouco mais encantadas”.

A criança lendo um conto de fadas tem o prazer simplesmente em desejar e imaginar, enquanto a criança que lê uma história "realista" pode estabelecer o sucesso de seu herói como um padrão para si mesmo e, quando ele não pode ter o mesmo sucesso, pode sofrer grande e amarga decepção.

Alguns podem até temer que o uso da imaginação leve inevitavelmente ao mal. Esquecem-se de que eles não podem acreditar em nada que não possam imaginar antes para ser verdade.

Nas últimas décadas, temos sido separados do ambiente natural, através das bênçãos dos desenvolvimentos tecnológicos. Chegamos a pensar no mundo como uma agregação de objetos físicos juntos por alguma lógica complexa. Sobrevivência do mais apto, não as formas funcionais e harmoniosas moldam nossa visão de mundo. Como consequência, temos dificuldade em acreditar em qualquer coisa que não seja prático, visível e facilmente compartilhado via Facebook ou WhatsApp.

No processo, nós nos tornamos muito inconsistentes - aceitamos a realidade virtual, mas temos dificuldade com a imaginação real - abraçamos o mundo prático artificial mais facilmente do que o natural.

É aí que vemos quanto o dom da imaginação dado pelo Criador é tão crítico.

Precisamos de boas histórias imaginativas para desenvolvermos nosso conhecimento e significado das coisas e da vida.

Visitar Nárnia pode nos ajudar a reacender e restaurar a nossa humanidade e o anseio da eternidade. Nas Crônicas, as crianças são ensinadas a agir com coragem, honestidade, responsabilidade e valores morais. Corrupção e desonestidade não são toleradas. Amor, bondade, paz e são valorizados. As histórias de Nárnia nos dão uma maior compreensão da nossa natureza decaída, e, ao mesmo tempo, dar-nos esperança. Com a chegada de Aslan (o magnífico leão), a beleza da terra é restaurada e todas as possibilidades expandidas. Aslan não é uma distorção, mas um poderoso símbolo que pode nos ajudar a ultrapassar nossas inibições que paralisaram algumas de nossas experiências religiosas iniciais.

As Crônicas não são apenas boas histórias, nem alegorias cristãs religiosas. Elas são muito mais do que isso - e servem para melhorar a educação moral e construir o caráter, independentemente de nossa geração.

Para aqueles que temem o impacto de alguma violência (eu não recomendaria o livro ou o filme para as crianças menores de cinco anos) devem-se lembrar que, desde que as crianças vão conhecer cruéis inimigos na vida real, deixe-os, pelo menos, ouvir falar de bravos cavaleiros e coragem heroica.

C.S. Lewis disse: “Que haja reis ímpios e decapitações, batalhas e calabouços, gigantes e dragões, e deixem os vilões serem mortos no final do livro”. Ele continuou: “Nada vai me convencer de que isso faz com que uma criança normal qualquer tipo ou grau de medo além do que ele quer, e precisa, para sentir. Pois nos contos de fadas, lado a lado com os terríveis personagens, encontramos os confortadores e protetores imemoriais, e as figuras terríveis não são apenas extraordinárias, mas sublimes. Seria bom que nenhuma criança indo dormir em sua cama, pudesse ouvir ou pensar nestas coisas sem ficar assustado. Mas se vai ficar assustado, eu acho que é melhor que eles pensem em gigantes e dragões do que simplesmente em assaltante - acho também que São George, ou qualquer campeão brilhante em armadura, é um conforto melhor do que a ideia da polícia”.

Esta semana é um bom tempo para visitar Nárnia e os espaços maravilhosos criados pela imaginação saudável, integral e clara do C. S. Lewis. Nárnia vai transportá-lo, não a uma realidade artificial ou virtual, mas a um lugar real em nossa imaginação.

“Não devemos, em falsa espiritualidade, reter a nossa recepção imaginativa. Se Deus escolheu ser mitopoético - e não é o próprio céu um mito - devemos nós recusarmos a ser mitopoéticos? Pois este é o casamento do céu e da terra: Mito Perfeito e Fato perfeito: conclamando não só o nosso amor e nossa obediência, mas também a nossa admiração e prazer, dirigido ao selvagem, a criança, e o poeta em cada um de nós e não menos ao moralista, ao erudito, e ao filósofo." (C. S. Lewis)

O Natal é o evento que simboliza de forma mais extraordinária a transformação de uma promessa milenar, que estimula nossa imaginação, numa realidade eterna.

Encontro você lá.

Feliz Natal!

“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; sobre os que habitavam na terra da sombra da morte resplandeceu a luz”. (Isaías 9.2)

Fonte: http://www.ultimato.com.br/conteudo/vamos-para-narnia

December 23, 2015

Acreditar em milagres

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A história do Natal é um amontoado de eventos que não podem ser assimilados pela razão.

Quase tudo ultrapassa a natureza - digo quase tudo porque, enquanto a concepção de Jesus é totalmente sobrenatural, a sua formação no ventre de Maria e o seu nascimento são absolutamente naturais.

Maria fica grávida de Jesus sem ter relações sexuais com José ou qualquer outro homem. Mas esse não é o único fato impossível de acontecer.

O nascimento de João Batista, precursor de Jesus, é outra coisa impossível.

Pois tanto Isabel como Zacarias eram muito velhos (Lucas 1.7). Isso simplesmente quer dizer que Zacarias não tinha mais como injetar espermatozoide no útero de Isabel e ela não tinha mais como produzir o óvulo para receber o espermatozoide.

Além do mais, o casal de velhinhos, antes do envelhecimento, nunca tivera filhos, porque Isabel era tão estéril como Sara, a mulher de Abraão e a mãe de Isaque.

Entretanto, Isabel engravida e dá à luz a João Batista.

Soma-se a estes acontecimentos inéditos a surpreendente comunicação de Deus com os personagens do Natal por meio dos anjos.

O arcanjo Gabriel vem ao muito idoso Zacarias em Jerusalém para anunciar o nascimento de João Batista (Lucas 1.10-20) e vem à muito jovem Maria para anunciar o nascimento de Jesus (Lucas 1.26-28).

Na noite em que Jesus nasce, um anjo do Senhor aparece aos pastores que tomam conta de ovelhas, durante a noite, só para participar o nascimento de Jesus.

“Estou aqui a fim de trazer uma boa notícia para vocês e ela será motivo de grande alegria também para o povo! Hoje mesmo, na cidade de Davi, nasceu o Salvador de vocês – o Messias, o Senhor!” (Lucas 2.9-12).

O que acontece em seguida é impressionante.

“No mesmo instante, aparece junto com o anjo uma multidão de outros anjos, como se fosse um exército celestial. Eles cantavam hinos de louvor a Deus, dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas do céu! E paz na terra para as pessoas a quem ele quer bem!” (Lucas 2.13-14).

Se eliminarmos esses fatos históricos e sobrenaturais, o verdadeiro Natal acaba e nós ficamos na mão.

Chama-se de cristão aquele que abraça a pessoa de Jesus, de acordo com a revelação. Quase todos os brasileiros são cristãos e acreditamos na história original do Natal. Claro, há muitos céticos entre nós.

Eu acredito.

Não em qualquer milagre, mas nos milagres relacionados com o Natal e a vida de Jesus, relatados na Bíblia.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/conteudo/a-historia-do-natal

December 22, 2015

Por que orar?

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- Nizan Guanaes

Inspirado por Abilio Diniz e pelo meu personal trainer, que é presbiteriano, comecei a rezar todas as manhãs. Leio os jornais e depois rezo.

No início, foi como começar a correr e fazer exercícios, uma decisão intelectual, um gesto de disciplina, que você faz por obrigação e pouco prazer.

Mas, aos poucos, aquilo foi virando um oásis neste momento atribulado que, como qualquer empresário brasileiro, eu vivo.

Esta é uma crise braba, em que você tem que fazer sacrifícios para salvar o todo e vencer a crise. Um momento duro, de decisões duras, mas decisões necessárias e inadiáveis.

Neste momento, é preciso pedir a sabedoria que o jovem Salomão pediu a Deus. A sabedoria que David, o estadista, pediu tanto a Deus.

Só mesmo Deus vai nos dar, por meio de seu Espírito Santo, as virtudes que não temos. No meu caso, por exemplo: paciência, sabedoria, parcimônia.

David diz nos seus lindos Salmos que o Senhor salva o homem e a besta. Tem uma besta no homem. E, se deixar a besta solta numa crise como essa, a besta desembesta.

Não rezo para ser santo. Rezo para ser homem, para ser humano. No sentido divino desta palavra: ser um líder humano, um profissional humano, um marido humano, um pai humano.

Humano como Francisco, o papa, que ao escolher seu nome já apontou o caminho. Que em dois anos tirou a Igreja Católica do intramuros do Vaticano e a trouxe de volta para os homens e as mulheres do mundo todo e de todas as fés.

Minha amiga Arianna Huffington, uma das empresárias e mulheres mais interessantes destes tempos modernos, me ensinou a prestar mais atenção em meditação em seu novo livro, "A Terceira Métrica", publicado no Brasil pela editora Sextante.

Nos Estados Unidos, só se fala em "mindfulness", em meditação. Até no Massachusetts Institute of Technology, o famoso MIT, Meca mundial da tecnologia, se fala disso. Roberto Zeballos, que é um dos médicos mais modernos do Brasil, fala muito em meditação.

Rezar é meditar. E fortalece muito o empresário. É bom para quem tem fé, é bom para quem quer ter fé, é bom para quem quer ter paz, é bom para quem quer ter foco e discernimento.

Não importa se você vai rezar para Jesus, Adonai, Alá, meditar sobre o que disse o Buda, rezar para Xangô e Iansã ou conversar com o vento.

Quando você reza ou medita, você foca, concentra, reúne forças, toma o controle da sua vida. Você toma o controle da besta, como a inveja, a usura, o olho gordo, a pequenez, o medo e os instintos animais que existem em cada um de nós.

Sem a oração e a meditação a gente desembesta a fumar, a beber, a tomar Rivotril. Desembesta a sofrer e a passar as noites acordado. Desembesta a pensar com o fígado em vez de pensar com a cabeça, com o coração e com a alma.

A besta é uma má pessoa e um péssimo empresário. Rezar é o meu antídoto contra ela.

Hoje é 22 de dezembro. A oração torna todo dia o dia 25 de dezembro. Por meio da oração nasce a cada dia um menino Jesus em nós. Rezar é um Natal na alma.

Acreditar em Deus é bom inclusive porque evita que a gente se ache Deus. E evita que a gente seja movida pela besta que está no homem.

É por isso que, a cada manhã e a cada noite, eu rezo. Não para ser santo, como disse, mas para não ser besta. Para ser homem.

Feliz Natal e feliz 2016 a todos.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/nizanguanaes/2015/12/1721874-rezar.shtml

December 21, 2015

Escolha de amor

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- Fabio Mendes

José e Maria eram pobres, pessoas simples, dois migrantes em busca de um lugar próspero para habitar, de uma casa própria para a família, de um local seguro para repouso.

Nos faz lembrar dos migrantes do 3o. mundo que atualmente buscam melhores condições de vida em solo europeu.

Hoje, nos tempos modernos, migrantes atravessam mares.

Ontem, nos tempos bíblicos, migrantes atravessavam desertos.

Gentes distantes e diferentes querendo romper fronteiras.

Maria e José fugiam da miséria econômica, já que a Palestina era explorada por Roma, e a agricultura passava por dias difíceis.

Fugiam da ditadura de um governador que havia ordenado que todas as crianças fossem mortas, sem choro e sem dó.

Fugiam da corrupção, da falta do direito ao não, do vexame da pobreza, da falta de fé e beleza.

Nos faz lembrar do Brasil de hoje, que deixa crianças morrerem por falta de cuidados, e onde os engravatados roubam de nosso bolso e comem da nossa mesa.

Maria está grávida, descabelada, pequena, adolescente. José, homem forte da carpintaria, era perseguido por seus parentes e amigos, por ter dito que seu filho era da semente do Espírito. O casal fugia, à procura de um abrigo no buraco do mundo.

Quem de nós ainda procura um lugar neste vasto mundo?

Diante disso, Deus vem.

Acha um lugar entre nós, junto aos deslocados.

Escolhe a sujeira, o incômodo de uma cama feita no chão, sem molas, mas sem esmolas.

Deus se deita numa manjedoura.

Vem como gente, com cheiro de animais.

Deus se acolhe numa estrebaria.

E nasce em Belém, que significa “casa de pão”.

Na periferia, Deus faz sua morada, e nessa casa há fartura.

Deus chora aos berros, nascido de mulher.

Maria dá a luz.

Deus dá a Luz.

Mas, quase ninguém ouviu.

Deus veio, mas quase ninguém viu.

Somente os simples, os animais, a noite, os sujos, os anjos, os pastores, os reis magos, o deserto, as estrelas, os sonhos, os contos, os cânticos, os perdidos, a vida.

Deus achou um lugar entre nós, para salvação e esperança de toda aquele que crê.

Jesus, menino, seja bem vindo entre nós – nosso pão, nossa morada, nossa justiça; )!

Fonte: http://ultimato.com.br/sites/jovem/2015/12/24/o-natal-em-belem/#more-4625

December 20, 2015

De que lado você vai escolher ficar?

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As vozes do mal

- Paulo Brabo

O pedagogo norte-americano Fred Rogers gostava de contar que quando era menino e o noticiário anunciava desastres, crises e catástrofes, sua mãe lhe dizia: “Numa crise, procure aqueles que estão ajudando. Você vai sempre encontrar aqueles que estão ajudando”.

Trata-se do tipo de verdade tão afiada que é capaz de penetrar até a armadura de um cínico experimentado e cheio de cicatrizes como eu. Já vivi o bastante para saber que a regra dos Rogers não tem exceções. Na mais eloquentes das crises, momentos em que ninguém poderia ser condenado por abraçar o mais estrito dos cada-um-por-si, vi gente parando ou correndo na direção oposta para, incrivelmente, ajudar. 

Numa crise, procure aqueles que estão ajudando. Você vai sempre encontrar aqueles que estão ajudando.

A regra serve, idealmente, como disciplina para que os que a exercitam não percam a sua fé na humanidade. Nos mais desesperados e catastróficos dos momentos você vai realmente encontrar aqueles que estão ajudando, e se essa luz na escuridão não for capaz de reacender a sua ternura, nada vai ser capaz de fazê-lo. Na parábola chega a estar implícito que aqueles que ajudam serão em todos os casos uma minoria – você vai ter de procurá-los, – mas isso é articulado de modo a não diminuir o valor dos ajudadores nem o nosso assombro diante da sua disponibilidade.

Minha vocação para a ternura e para o otimismo sendo muito limitada, a partir da presente crise mundial deduzi uma equação muito diferente, mas que aparentemente não tem também ela quaisquer exceções. A regra é: numa crise, procure aqueles a quem a maioria está ouvindo, e vai acabar ouvindo os que pregam a hostilidade, a divisão e a intolerância.

Quando vai tudo bem, meu caro, você vai até encontrar uma boa parcela de gente escolhendo (ou fingindo escolher, pelas vantagens estratégicas) o lado da inclusão, do diálogo e da tolerância.

Canalhas nunca deixam de falar e as vozes do mal nunca deixam de ter ouvintes, mas a crise coloca em ação um processo de totalização da hostilidade. Diante da crise, um gatilho coletivo e invisível é acionado, e o ouvido da maioria passa automaticamente a dar preferência às vozes dos que apregoam a mesquinharia e o ódio, os que promovem a polarização e o conflito. Não importa quantos lados tenha cada questão, em cada partido as vozes da moderação serão invariavelmente abafadas pela gritaria dos que promovem a hostilidade.

Não será a última vez que digo que a presente crise global está servindo, pelo menos, para ajudar a elucidar o mecanismo dos fascismos da primeira metade do século 20.

Em algum momento processual da década de 1980 – a década do bom-mocismo – passamos no ocidente a acreditar ter alcançado coletivamente o patamar de seres evoluídos e iluminados, prontos a lutar conjuntamente contra as injustiças estruturais e a abolir todos os preconceitos. Na esteira das revoluções igualitárias das décadas de 1960 e 1970, ganhou popularidade a ideia de que somos todos irmãos, passageiros viajando de mãos dadas no mesmo balão azul. Havíamos aparentemente deixado para trás, de uma vez por todas, as mesquinharias e antipatias gratuitas que tinham alimentado os conflitos da primeira metade do século 20.

Talvez não haja ícone mais exemplar da crença nessa nova lucidez planetária do que a letra e o clipe da música Can You Feel It? (Michael Jackson, 1980). O clipe é um sermão da tradição apocalíptica, encerrando um apelo solene à irmandade entre os seres humanos e o respeito à terra. A narração inicial anuncia o triunfo definitivo da tolerância, e ao final do vídeo representantes das mais diversas raças e tradições dão-se as mãos em harmonia. A Terra havia recuperado (ou estava para recuperar) uma perdida unidade ancestral, e a partir de agora não voltaríamos a cair nas velhas armadilhas do sectarismo e da intolerância1.

Um dos resultados dessa nova crença – a de que agora éramos gente evoluída e iluminada – foi que deixamos de entender de que modo os fascismos da primeira metade do século 20 tinham sido possíveis.

Ficou impossível compreender de que modo nações inteiras tinham-se deixado conduzir voluntariamente por líderes que pregavam o preconceito, a intolerância e a eliminação do diferente. Gente inteligente, instruída e de boa família tinha aclamado e lutado em nome dos promotores da hostilidade radical na Alemanha, na Itália e no Japão (mas também, e de modo mais do que superficial, nos Estados Unidos, no Brasil e na União Soviética).

Vinte anos depois, quando uma galera ouvia rock abraçada em Woodstock, esse tipo de mentalidade da barbárie parecia inconcebível e pertencente a uma realidade paralela. Entender o mundo que havia tolerado e concebido o nazismo e outras manifestações grotescas de fascismo, empatizar em qualquer medida com as omissões da maioria silenciosa da população, tinha se tornado tarefa impossível.

De que modo as pessoas tinham se permitido dar ouvidos a um sujeito como Hitler, que em cada palavra fomentava ódio – um ódio gratuito, contra alvos arbitrários e sem qualquer fundamento na realidade? Como o mundo tinha se permitido dar ouvidos aos discursos da totalização da hostilidade contra determinadas culturas, nações e tradições, quando muito evidentemente ninguém é melhor do que ninguém?

Não éramos mais capazes de responder. Um dos problemas de termos nos tornado gente iluminada é que tínhamos perdido a capacidade de entender ou de simpatizar com quem não foi.

Êe, mas isso foi até recentemente, porque recentemente tudo mudou. Agora voltamos a entender como tudo aquilo foi possível, porque os discursos da totalização do ódio estão em toda a parte, brilhando em todas as telas e na pauta de todas as maiorias.

O capitalismo/fundamentalismo de mercado foi desde sempre uma máquina de des-integrar, mas as rachaduras da sua obra só se tornaram visíveis globalmente num momento processual entre 2001 e 2009. A experiência de transformar o planeta numa monocultura continua a fracassar de modos cada vez mais espetaculares, porém os governos (e muito menos as corporações, que governam os governos) estão longe de colocar a culpa pelos fracassos locais e globais na inviabilidade do sistema.

Governos e corporações ganham com a queima dos recursos do futuro e das tradições do passado na fornalha do desenvolvimentismo, por isso não seria conveniente revelar que o capitalismo sem rédeas é a causa, a natureza e o perpetuador da crise. Conveniente, como em todas as crises, é encontrar um bode expiatório útil que seja capaz de alimentar a fogueira do ódio totalitário. Numa crise, cada matiz ideológica pode encontrar o combustível desejado numa longa lista de cores complementares.

Malditos refugiados. Malditos comunistas. Malditos nordestinos. Malditos gaúchos. Malditos índios. Malditos haitianos. Malditos cubanos. Malditos ruralistas. Malditos muçulmanos. Malditos americanos. Malditos invasores. Malditos ilegais. Malditos russos. Malditos gregos. Malditos africanos. Malditos palestinos. Malditos israelenses. Malditos sem-terra. Malditos empregadores. Malditos desempregados. Malditos pobres. Malditos ricos.

O capitalismo não proporcionou o “fim da História” no sentido otimista que apregoava Francis Fukuyama, mas num sentido radicalmente catastrófico e desintegrador. De um lado a natureza nunca esteve em pior condições ou com perspectivas mais sombrias; do outro, as cadeias econômicas e de produção tornaram-se tão longas e interligadas que a crise da monocultura global atinge todos os assentamentos humanos, e onde atinge desencadeia novas crises.

Era hora de ser gentil com as vítimas da crise e hostil com o sistema que a gerou, mas fazemos o contrário.

Virtualmente não há lugar na terra em que a massa das pessoas esteja dando ouvidos às vozes da moderação e do diálogo.

Os fascismos que patrocinaram duas guerras mundiais voltaram com toda a força, e estamos inventando novos.

Nos Estados Unidos os novos ateus usam o ódio à religião para imprimir peso político à guerra contra os muçulmanos, e os candidatos à presidência abriram caça contra os imigrantes.

No Brasil as elites de um lado se beneficiam das posturas neoliberais do PT, do outro não cessam de semear o terror de uma nova Cuba.

O Estado Muçulmano se sente infinitamente agredido pelo Ocidente, e usa os métodos do Ocidente para agredir.

No Brasil os ruralistas pedem que os fazendeiros usem a violência contra índios que ocuparam terras que pertencem aos índios pela Constituição e pela tradição, ao mesmo tempo em que compram uma emenda constitucional que negue aos índios quaisquer direitos.

Na Rússia, Putin faz tudo para de um lado reanexar a Europa oriental, de outro colocar a Europa ocidental contra os Estados Unidos.

No Brasil as elites pedem mais segurança, o que na prática quer dizer mais violência: confinamento em guetos, exclusão dos bairros elegantes, violência racial e social – ou pura e simples eliminação por comandos de choque na periferia menos próxima de você.

Na Europa da União os nacionalismos estão ardendo com um fogo redobrado, e nacionalismo quer dizer ódio contra os não-nacionais: em cada país os partidores conservadores pedem a hostilidade e a intolerância contra imigrantes, refugiados e muçulmanos, e o fazem com uma fúria que faria Hitler sorrir.

E falar de palestinos e israelenses? Das tensões dentro e entre as nações da Ásia e da África? Da fulgurante máquina de ódio que é Brasília, e de como todas as elites se beneficiam de colocar um contra os outros os três cantos do Brasil?

O mundo se assemelha cada vez mais a um ônibus lotado, e cada um tende a pisar com maior frequência no pé do outro. Como essas tensões estruturais não tendem a se aliviar num futuro próximo, deveríamos estar ouvindo as vozes dos que promovem a tolerância e a convivência, mas fazemos o contrário.

Você sabe que chegou a catástrofe quando a maioria está ouvindo os que pregam a hostilidade, a divisão e a intolerância.

Mister Rogers e sua mãe, que nunca deixaram de estar certos, diriam que os que estão ajudando são precisamente os que não estão ouvindo essas vozes do mal.

Fonte: http://www.baciadasalmas.com/as-vozes-do-mal/
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December 19, 2015

It´s up to you ; )

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NÃO ACENDE ESSA VELA
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- Paulo Brabo

– A ternura – disse o anjo para me atormentar – é uma vela que qualquer um pode apagar, mas que você pode reacender quantas vezes quiser.

– Não me venha com frasezinha de caligrafia de timeline – eu disse, muito indignado, – que é o cacete que vou acender de novo essa vela. Já fui muito manézão; quero mais é que a ternura vá pra...

– Você tá ligado que vai reacender, né velho.

Pulei da cama para estrangular o anjo mas ele tinha se transformado num gato apaixonado que miava lá fora às duas da manhã, e que na boa soava mais como demônio do que anjo. Achei muito patriarcalzinho do superego me desovar de cima para baixo uma frasezinha de efeito na tentativa de me remanobrar a uma ternura burguesa que beneficiava o sistema e só o sistema. A ternura é uma vela superfrágil, nossa, se cada um mantiver acesa a sua luz – ora tenha santa.

Nessa hora o anjo virou dois livros, um de Jorge Luis Borges, outro de Oliver Sacks, que da minha prateleira de cabeceira disputavam pela minha alma madrugada afora. Fiquei furioso com eles porque abusavam do fato de serem superternos e meus autores favoritos para me tentarem fazer capitular.

– Não acende essa vela, Brabo – disse o meu advogado que estava ali de plantão do lado da cama, – que a amargura é um direito inalienável. Borges e Sacks nem estão vivos, pra eles não custa nada alimentar a tua culpa com esse discurso ternurinha. E tem mais, o papel aceita tudo. Ninguém nunca perdeu moral se fazendo por escrito mais virtuoso do que é, você sabe disso melhor do que ninguém.

Nessa hora chegou um email do Ricardo Gondim, e o anjo era agora Castro Alves recitando um superpiegas E existe um povo que a bandeira empresta pra cobrir tanta infâmia e covardia!

Chorei muito, mas não reacendi a vela.

Vendo que eu estava chorando se reuniram ao redor da cama uma multidão de vivos superternos e me cobriram com tanto carinho que achei que ia morrer. Estavam ali o Rondinelly, o Zé Márcio, o Ed René, o Ricardo Gouvea, o Gustavo Brandão, a Rudgy, a Sil, a Eliane, a Débora, o Viveiros, o Simas, o Cláudio Oliver, o Tuco e o Tato, meus pais, uma multidão de índios e de italianos e de cordelistas do Serestão.

Totalmente perdidos, mas se aproveitando do fato de que alguém estava gravando a cerimônia, deixaram também uma palavrinha a Dilma e o Eduardo Cunha.

– A ternura – disse a Dilma – é uma vela que qualquer um pode apagar, mas que você pode reacender quantas vezes quiser.

Acordei pra lá de apavorado e suando frio. A vela e a caixa de fósforos estavam ali mesmo na cabeceira, e o anjo era agora o Odacir da seguradora, entediadíssimo, esperando em pé que eu reacendesse a ternura ou pagasse a prestação do seguro do Corsa, ou uma coisa ou outra.

– Se você for acender mesmo essa vela – disse o Odacir, que é um sujeito muito estoico e na dele mas que na vida real já me salvou a pele uma vez ou duas – só preciso que saiba que isso não está na cobertura. Você nunca vai saber se a ternura que está acendendo é mesmo sua ou se está, sei lá, tipo imitando mimeticamente uma ternura que está projetando em outras pessoas que você admira, e admira porque acha que é genuína uma ternura que está na verdade projetando neles. Sei lá, é tudo muito confuso; até gente supercínica e desiludida digamos Deleuze ou Derrida tinha um lado muito doce. Aparentemente tinha uma galera que achava superimportante não perder a ternura, tipo Gandhi, Gisele Bündchen. De qualquer modo, danos por ternura a gente não cobre. E Deus sabe que são muitos.

– Não acende essa vela, Brabo – disse o advogado do diabo, que estavam ali também os dois do lado da cama. E me levou em espírito ao inferno, onde vi que reinava a amargura e a igualdade entre os homens.

Entendi que ele queria que eu visse que a amargura faz de todos os homens irmãos. Atrás do trio elétrico vinham abraçados num imenso cordão israelenses e palestinos, terroristas do Oriente Médio e fundamentalistas americanos, freiras e travestis, índios e ruralistas, ricos que não tinham encontrado na vida sentido e pobres que não tinham encontrado na vida justiça.

Todos bebiam e cantavam e se beijavam e chafurdavam na rua da amargura, e pareciam infinitamente recompensados e satisfeitos.

– A ternura nunca vai fazer isso por você – disse o diabo, que parecia ser um cara super gente boa, vendo que eu chorava emocionado diante daquela comunhão. – Só a amargura verdadeiramente irmana os povos, as classes e as raças.

O calor era infernal, mas abracei o diabo forte forte e ele me abraçou de volta.

– Você promete que vou ser feliz aqui? – eu disse.

– Não responde isso – disse o advogado do diabo.

Abri os olhos e estava de volta na cama. As letrinhas da tela do netbook escorriam em cima de mim e sobre a cama e iam ficando presas nos cabelos do peito. Levantei jogando o computador para longe e sacudi dos lençóis e do corpo todas as letras que consegui.

Eu estava com tanto sono que não lembrava mais se Deus existia ou não, se a virtude existia ou não, se tinha inventado ou não Thomas Ligotti pela vontade de estender presente adentro a pajelança de Lovecraft.

Porém foi besteira minha pensar naquilo, porque na hora entendi que no ato de escrever sobre horror espreitava uma medida pesada e mal escondida de adocicagem. No cadáver havia mel, como na história de Sansão.

Lembrei de uma frase de Che mas deixei quieto.

Vamos combinar que você está sozinho, eu disse a mim mesmo, e ninguém na terra vai ficar sabendo se você reacendeu ou não a porcaria da vela. Quando alguém perguntar você vai poder sempre responder do modo que for mais conveniente. Alguém pode até se sentir iluminado e achar que entreviu alguma luz mesmo se não for esse o caso.

Nessa hora Deus falou comigo, Deus que não falava comigo há anos e que tinha me bloqueado no whatsapp.

– Paulo – Deus disse. – Tá me ouvindo?

– Eis-me aqui, superego.

– Não é o seu superego. Aqui é Deus falando.

– É exatamente o que diria o superego, mas tudo bem. Fala que o teu ego ouve.

– Vem cá, reacende a vela da ternura. E se alguém apagar, trate de acender de novo, quantas vezes for necessário.

– E porque eu iria fazer uma coisa autodestrutiva dessas? É super golpe baixo da sua parte me assombrar com a ternura de gente morta e viva na tentativa de aliciar a minha.

– Escuta, não estou te ouvindo bem. Espera que vou reiniciar o Skype.

Falei mais perto do microfone.

– Não vou acender a vela.

– Sabe o que mais, se você não acender a bendita vela eu mesmo vou acender.

– A vela da ternura nem Deus pode acender pela gente – eu disse.

– Ei, mas espera – Deus disse. Ele nunca ligava a cam, mas pela voz se via que estava sorrindo – O que é isso que estou vendo aí dentro do seu coração? Estou enganado ou é uma vontadezinha de reacender a vela?

– Estou enganado – eu disse – ou foi você quem implantou essa vontadezinha aqui dentro contra a minha vontade?

– Estou enganado ou você nunca vai ficar sabendo? – Deus disse, e na hora mais conveniente de todas a internet caiu.

– E aí, Jesus, o que você acha – eu disse a uma mulher que ia passando, – acendo a vela da ternura sim ou não.

– Não posso decidir por você, colega.

– Me ajuda aí.

– Bom, você quer acender a vela. Mas querer nunca foi motivo pra fazer.

– Também nunca foi motivo pra não fazer.

– Mais ou menos. Depende de pra quem você está fazendo. No caso você quer reacender a vela da ternura para voltar a ser capaz de ser gentil com os outros.

– Acha mesmo?

– Não tenho dúvida. E a sua ideia tem algum fundamento, porque ninguém pode ser legitimamente gentil com os outros sem ser primeiro gentil consigo mesmo.

– Vou acender então.

– Tenha só certeza – disse Jesus, que agora era um maori gordinho – de estar fazendo por você mesmo, porque se estiver reacendendo a ternura pelos outros não vai estar sendo gentil com você mesmo em primeiro lugar, e consequentemente não vai ser capaz de ser legitimamente gentil com os outros.

– Jesus, ninguém vai nunca ter pureza de motivos com esse grau de certeza.

Jesus pulou de alegria.

– É o que eu estou tentando dizer desde o começo! Questionar a pureza dos seus motivos acaba sendo tão miserável quanto ter motivos questionáveis em primeiro lugar. Nem um método nem outro levam você a ser gentil com você mesmo. Culpa e graça, aquela história.

– Tenho medo de acender a ternura e alguém apagar.

– Brabo, velho, nunca acredite na Dilma ou em frase de caligrafia de timeline. Então que ternura é essa que qualquer um pode apagar? Que metaforazinha infeliz; nada está mais longe da verdade.

– Jesus, tenho de saber se sou o tipo de cara que tendo passado o que eu passei reacende ou não a vela da ternura.

– Brabo, você é o tipo de cara que coloca palavras na boca de Jesus para dar conselhos a você mesmo, e isso é já tenso (e terno) o bastante. Ouça, sou eu que estou falando, e portanto você: apaga essa luz e volta pra cama.

– Eu sou um cara terno pra cacete – eu disse em voz alta, sem saber se estava me vangloriando ou me confessando numa reunião dos AA, tipo primeiro passo no caminho para a recuperação.

Depois de reacender a vela da ternura nunca mais fui capaz de reconhecer se quem estava falando comigo era de Deus ou do diabo, mas retroativamente saquei que era essa mesmo a ideia.

Fonte: http://www.baciadasalmas.com/nao-acende-essa-vela/

December 18, 2015

É hora de chorar

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- Mauricio Jaccoud da Costa

"Jesus chorou" e “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Jo 11.35 e Sl 30.5) talvez sejam os 2 versículos mais lembrados quando pensamos na atitude de chorar.

Não desejamos chorar e muitas vezes ensinamos às pessoas que não chorem.

“Meu filho, não chore”, diz a mãe a criança. “Meu amigo, não chore, isso logo vai passar”, falamos aos nossos queridos na esperança que isso traga algum consolo.

Evitamos o choro, engolimos o choro, escondemos o choro, mas existem momentos que precisamos e devemos chorar.

Acredito que estejamos nessa hora - assassinatos, destruição da natureza, estupro, abuso sexual, mortes no trânsito, injustiça social, enriquecimento ilícito, imoralidade sexual, desvio de dinheiro público deixando milhões sem merenda escolar, com educação e saúde de má qualidade, segurança pública precária, e sem esporte ou lazer (Oséias 4.1-3)…

Eu choro porque isso muitas vezes isso já não me faz chorar.

Eu choro porque enquanto tudo isso acontece os “líderes evangélicos” estão falando sobre “trízimo”, extorquindo os “fiéis” para se manterem na mídia, construindo catedrais, comprando jatinhos, entrando na política para serem piores do que os que lá já estão, se alimentando dos pecados do povo (Oséias 4.8).

Eu choro porque depois de 17 anos procurando conhecer e servir a Deus, pouco ou quase nada produzi.

Choro porque meu caminhar com Deus tem sido inconstante.

Choro ao ver os pastores adulterando, se divorciando, se casando novamente, e continuam seus ministérios como se nada tivesse acontecido.

Choro ao vê-los fazendo mau uso dos dizímos e das ofertas ou mesmo roubando esse dinheiro consagrado ao Senhor.

Choro porque eu também vivo de ofertas missionárias e muitas vezes faço mau uso do meu tempo e desses recursos a mim confiados.

Choro ao desperdiçar tanto tempo, recursos, dons e talentos que Deus me deu.

Choro ao ver meus irmãos gastando mais tempo em facebook, twitter, televisão, assistindo a seriados ou a reality shows como Big Brother Brasil, e quase não lêem a bíblia ou oram.

Choro porque há muita discussão, muita acusação, e pouca ação (Oséias 4.4).

Choro ao ir a muitos cultos e cantar muitas músicas alegres e não ver arrependimento e confissão de pecados (Isaías 1.11-17).

Quando criança minha mãe me ensinou a chorar, lembro dela sempre me dizendo “pode chorar meu filho, chorar faz bem”.

Deus também nos ensina e nos ordena a chorarmos nos arrependendo de nossos pecados (Jl 1.5,8,11,13; 2.12,17; Tg 4.9; 5.1; Lc 23.28).

Hoje eu estou chorando pelos meus próprios pecados, pelos pecados de meus irmãos e pelos pecados do meu país.

Mas confesso que quase sempre meus olhos estão secos e muito pouco tenho chorado.

Choremos e ouçamos a voz de Deus dizendo, “voltem-se para mim de todo o coração, com jejum, lamento e pranto. Rasguem o coração, e não as vestes. Voltem-se para o Senhor, o seu Deus, pois ele é misericordioso e compassivo, muito paciente e cheio de amor; arrepende-se, e não envia a desgraça” (Jl 2.12,13).

Que Deus tenha misericórdia de todos nós.

Fonte:http://ultimato.com.br/sites/jovem/2015/12/07/hora-de-chorar/

December 17, 2015

Vítima, sobrevivente ou vencedor?

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- Contardo Calligaris
 A tragédia do abuso

Em 2010, os pais adotivos de Justin, 7 anos, decidiram devolvê-lo para o orfanato. Um ano depois da adoção, eles (norte-americanos) enfiaram o menino (russo, originalmente) num avião de volta para Moscou, com uma carta no bolso: "Sorry, Justin é um terror, intolerante, destrutivo, violento e incendiário".

Segundo os pais adotivos, a origem da violência do menino estava nos anos de abuso no orfanato. Segundo os russos, a violência dos pais era pior que a do orfanato. Seja como for, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais (russos, americanos ou outros) concordam: os abusos sofridos na infância não são facilmente curados ou compensados por carinho, sorriso e conforto. É quase uma regra: crianças que foram abusadas abusarão.

Na "New Yorker" de 7 de dezembro, um artigo de Rachel Aviv sobre "o dilema do refugiado" conta a história de Nelson Kargbo, um menino de Serra Leoa que foi recrutado à força como criança-soldado, passou a infância matando e se drogando e, no fim, reencontrou sua família e, com ela, foi aceito como refugiado pelos EUA. Kargbo quase foi expulso dos EUA – como Justin, e por razões parecidas.

Podemos chamar de abuso qualquer crueldade da qual somos vítimas.

Mas o verdadeiro abuso é aquela violência que transforma sua vítima profundamente, deixando-a convencida de que qualquer lei ou regra vale pela força bruta de quem manda – e de que, inversamente, a única razão de respeitar uma regra é a fraqueza de quem obedece.

Para Kargbo e Justin, uma autoridade vale só pela violência que ela exerce; com isso, a violência se reproduz: ela se impõe até o abusado se descobrir mais forte do que seu abusador.

Falo em Kargbo e Justin, e penso na gente.

Não somos muito diferentes dos dois meninos: o desrespeito e o abuso que sofremos de nossos governantes só podem nos dispor a praticar, nos outros e na coisa pública, o mesmo desrespeito e o mesmo abuso. Ou seja, o abuso dos governantes nos transforma, e não é para melhor.

Nos anos 1980, um psicanalista italiano, Sergio Finzi, publicou um ensaio, "Il Padre Anal" (o pai anal), retomado em "Lavoro dell'Inconscio e Comunismo" (trabalho do inconsciente e comunismo).

Em epígrafe, Finzi colocava uma frase de Georges Bataille (em "Le Petit", de 1943): "O que mais me consterna: ter visto, um grande número de vezes, meu pai defecando. Ele descia de sua cama de cego paralisado ["¦]. Descia dificilmente (eu o ajudava), sentava-se no vaso, de camisola, quase sempre mal cuidado ["¦], o olhar fixo para frente".

A face tradicional da figura paterna é uma referência inspiradora e exemplar –um adulto admirado, professor ou professora, governante ou governanta etc. Existe, aliás, um tipo de neurose (a histeria) que se dedica a investigar as falhas eventuais dessa figura aparentemente impecável.

Finzi chamava a atenção para outra figura paterna, igualmente necessária: um pai fracassado, impotente e por isso mesmo mais próximo da gente. Outro tipo de neurose (a obsessão) se dedica a proteger essa figura e a esconder sua fraqueza.

Enfim, existe mais uma figura paterna, que não é necessária e que talvez ninguém mereça, mas que, às vezes, acontece: é um pai violento, medíocre e propriamente desprezível.

Para Kargbo e Justin, que sofreram nas mãos de uma autoridade violenta e desprezível, ficou difícil acreditar que haja adultos diferentes do funcionário do orfanato ou do senhor da guerra de Serra Leoa.

Quanto à gente, fica cada dia mais difícil acreditar num governo futuro que não seja a simples expressão da violência gananciosa dos governantes.

Na clínica, em geral, quem lidou com um pai estuprador, violento e mentiroso tem dois caminhos possíveis: ele pode se tornar um defensor obstinado da lei (ser delegado, promotor, policial) ou, então, ele pode se tornar tão violento e bandido quanto a figura abusadora.

Em ambos os casos, não é raro que apareça um desânimo profundo, uma sensação de abandono e uma vontade de não existir. Na tragédia grega, a vontade de sumir por causa de uma herança maldita se expressava assim: quisera eu nunca ter nascido para não ter de pagar pelos crimes cometidos por esse meu pai.

Desânimo a parte, a mediocridade moral dos governantes institui o abuso e a violência como regras e exemplos de funcionamento social.

Ela não corrompe apenas as trocas sociais, ela corrompe cada um de nos, no âmago.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2015/12/1719827-abusados-pelos-governantes.shtml

December 16, 2015

Volte à Vida

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Se a vida hoje está vazia: preste atenção
Nas coisas que agora vou falar,
Se o seu coração está vazio e sem paz
Cristo lhe pode ajudar.

Volte no tempo à vida, pense no que já fez.
Procure a paz perdida no Amor que se desfez.
Pense, então, no futuro, no que lhe vai surgir
Veja se está seguro, hoje é tempo de agir

Volte a olhar a vida, um sonho a começar,
Volta a paz esquecida, volte a poder amar.
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PS- Para ouvir a trilha do dia, vai lá: https://www.youtube.com/watch?v=W8FK79_PO2s
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December 15, 2015

Heróis com os quais você se identifica

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- Francisco Daudt

Do dicionário Houaiss:

Escárnio: atitude ou manifestação ostensiva de desdém, de menosprezo. Ex.: ele olhou com escárnio para os eleitores que o vaiavam.

Honra: princípio ético que leva alguém a ter uma conduta virtuosa, corajosa, e que lhe permite gozar de bom conceito junto à sociedade. Ex.: a honra às vezes está acima das leis.

Temos dois diferentes processos de construção de nossa identidade, daquilo que somos, e nem sempre eles são conscientes: identificação por imposição e identificação por gosto.

A primeira pode se dar de maneira direta, como no caso do príncipe herdeiro de uma casa real, que se submete desde o berço a um destino; ou então, "minha família é de banqueiros há quatro gerações, por isso fui ser banqueiro".

Também pode ser de maneira indireta: a maioria dos abusadores/espancadores de crianças foi abusada/espancada por seus pais, quando pequenos.

Outro jeito é por reação ao que os pais foram, e que os filhos abominaram (filhos de pais caretas viram hippies; filhos de hippies viram caretas).

Há um tipo dessa identificação que é particularmente cruel: a do vingador.

Você já deve ter visto um filme de faroeste em que a criança assiste a sua família ser massacrada por bandoleiros, e jura vingança: "Dedicarei minha vida a perseguir, achar e acabar com esses bandidos".

Resulta que o menino se torna alguém cujo destino foi imposto indiretamente pelos assassinos de sua família.

As identificações por gosto são mais fáceis de compreender, e são sempre conscientes: você descobre alguém, ou alguma coisa, que você admira muito, e almeja ser ou fazer igual.

É o processo de identificação mais bonito que há.

Vivi isso na pele: aos 14 anos, descobri meu modelo de pai num livro ("To Kill a Mockingbird"/"O Sol É para Todos", Harper Lee, 1960) e desde então Atticus Finch foi meu farol-guia para a paternidade. Ele era justo e honrado.

As identificações por imposição nunca funcionam muito bem. Elas se parecem com um transplante meio rejeitado, aquele tecido se inflama, dá problema de saúde, não cai bem em quem o recebe. A pessoa vai pela vida carregando um fardo.

As identificações por gosto funcionam de maneira completamente diferente: o tecido transplantado é completamente absorvido pelo organismo, se torna parte de nossa estrutura, nos faz mais fortes. Com elas, somos um tecido inconsútil, nunca uma colcha de retalhos.

Grande parte do trabalho da psicanálise é tornar conscientes os modelos de identificação que prejudicam nossas vidas, e rejeitá-los a partir daí. Isso é parte fundamental da cura.

Nosso Brasil está doente, de doença moral. Quando olhamos para cima, a podridão abunda. E ela desce em cascata como a lama de Mariana, contaminando o Estado com um governo que escarnece de seus governados.

Há um tecido degenerado se impondo a nós, em franco processo de rejeição: é preciso eliminá-lo antes que cause falência de múltiplos órgãos públicos.

A ministra Cármen Lúcia agiu como médica e fez diagnóstico preciso dessa doença: cinismo e escárnio. Quando vemos tal postura, olhamos para cima com gosto e nos identificamos.

O nome disso é honra.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/franciscodaudt/2015/12/1716695-escarnio-e-honra.shtml