Um
dos maiores obstáculos para compreendermos o que é fazer discípulos é
lermos essa expressão unicamente com as lentes da soteriologia, do
estudo das doutrinas da salvação, sem atentarmos para o fato óbvio de
que Jesus fez discípulos discipulando-os, não apenas salvando-os.
De
modo geral, não paramos para pensar que os discípulos jamais
precisariam especular – como fazemos hoje – sobre o que significou a
ordem de “ide, fazei discípulos”, já que o discipulado era uma realidade
presente em sua cultura e em sua própria experiência recente com Jesus.
Os discípulos nunca responderiam à Grande Comissão com “como
faremos isso?”. Essa pergunta não está lá – nem poderia estar – porque
os discípulos não tiveram dúvidas de como deveriam executar o que Jesus
lhes estava pedindo. Eles foram discipulados!
Fazendo nossos próprios discípulos de Jesus
Se
admitirmos que o Senhor Jesus ordenou que reproduzíssemos com outros o
que ele fez com aqueles doze homens, então a Grande Comissão nos obriga a
fazer discípulos não apenas dele, mas também de nós – à medida que
somos discípulos dele. Por mais paradoxal que pareça, a missão que
Cristo nos entregou é cumprida ao produzirmos os nossos próprios
discípulos dele.
Quando Jesus se despediu de seus discípulos e os
incumbiu de ensinar a novas pessoas, estava nomeando todos eles como
discipuladores. Desde então e até os dias de hoje, Jesus não vai descer
do céu para fazer novos discípulos. Agora isso compete a nós. Se
fizermos discípulos apenas de Cristo e não de nós, então não estaremos
discipulando, pois o sujeito ativo do “fazer discípulos” na Grande
Comissão somos nós, e não ele.
Com tudo isso, não quero dizer que
o objetivo final do discipulado é levar alguém a parecer-se conosco. Se
for assim, teremos um alvo muito medíocre. A finalidade do discipulado é
produzir um imitador de Cristo. Se o referencial sempre é Cristo e se
nós o seguimos, o discípulo poderá seguir a nós.
Obter convertidos ou nutrir um relacionamento discipulador?
Mas
por que será que recusamos tanto a ideia de termos nossos discípulos de
Cristo? Uma parte da resposta é a rejeição a determinados movimentos de
discipulado mais recentes que destoam do padrão bíblico. Mas, antes
mesmo que tais movimentos surgissem, nós também não aceitávamos a ideia
de que um discípulo genuíno de Cristo pudesse ter discípulos, ainda que
por meio de um relacionamento saudável. Nós até admitimos que o
discipulado pressupõe um discipulador de um lado e um discípulo de
outro, mas chamamos esse discípulo de “discipulando”, “pupilo”,
“mentoreado” ou até de “catecúmeno”, menos de discípulo.
Outra
razão para essa recusa vem do fato de que, para muitos de nós, fazer
discípulos tem sido pouco mais do que obter convertidos. Por esse
pensamento, quando Jesus nos deu a Grande Comissão, sua intenção seria
basicamente que buscássemos pessoas perdidas para a salvação. Com
certeza, há algo de bíblico aqui. Mas a questão não é se nossa missão
inclui semear o evangelho, mas se ela se resume a isso.
Bem, se
nossa visão de fazer discípulos se limita a obter convertidos, então
poderíamos fazer discípulos sem nenhum envolvimento relacional, e Jesus
poderia ter feito discípulos sem ter convidado ninguém para segui-lo,
pois seus sermões públicos bastariam.
Precisamos fazer
discípulos de Jesus, sim, no sentido de levar pessoas ao arrependimento e
à fé nele a fim de que sejam salvas. Mas também precisamos fazer
discípulos de nós, o que significa desenvolver com essas pessoas um
relacionamento de cuidado, ensino e aperfeiçoamento, para que elas
também sejam levadas à multiplicação. Esse tipo de vínculo é o que
chamamos de relacionamento discipulador, uma expressão formulada no
contexto batista pela Junta de Missões Nacionais com a visão de
Igreja Multiplicadora.
A essência do discipulado é seguir alguém
A
Grande Comissão é algo que se implementa via relacionamentos. Ela
acontece pela influência de um discípulo em outro, pessoa a pessoa,
geração a geração, até chegar a todas as nações. Quanto à salvação, o
discípulo é de Cristo, pois quem salva é ele. Quanto ao relacionamento
discipulador, o discípulo é nosso, pois quem discipula somos nós.
Não
se choque com os pronomes. Eles dão uma falsa ideia de posse. O sentido
não é esse. Na verdade, entendo e respeito sua opção de não chamar os
seus discípulos de seus, se for o caso. Você pode chamá-los de
“discipulandos”, por exemplo. Contudo, certifique-se de que esteja
desenvolvendo com eles o relacionamento discipulador modelado por Jesus.