O amor antecipa a eternidade
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- Paulo F. Ribeiro
- Paulo F. Ribeiro
Era sexta feira, logo depois do “Dia de Ação de Graças”, em 1995.
Uma tarde fria e, com as nossas quatro filhas, ao custo de 8 dólares (dois para cada criança) como prêmio por me acompanharem e a reprovação da minha esposa – não se vai a casa de um idoso sem avisar –, decidimos fazer uma rápida visita ao autor de Uma Misericórdia Severa, Sheldon Vanauken, chamado carinhosamente de Van.
Uma tarde fria e, com as nossas quatro filhas, ao custo de 8 dólares (dois para cada criança) como prêmio por me acompanharem e a reprovação da minha esposa – não se vai a casa de um idoso sem avisar –, decidimos fazer uma rápida visita ao autor de Uma Misericórdia Severa, Sheldon Vanauken, chamado carinhosamente de Van.
Mudamos de Cupertino, na Califórnia, para Lynchburg, Virginia, quando numa conversa animada com alguns membros da Igreja Presbiteriana que frequentávamos, sugeri com entusiasmo que todos lessem Uma Misericórdia Severa. Um membro mais antigo do grupo disse que o autor morava a poucos quilômetros da igreja. Quase não acreditei, mas sabia que Van tinha vindo para Lynchburg para ser professor no Lynchburg College (hoje University of Lynchburg), onde eu fazia meu MBA. Não sabia que ele ainda vivia.
Ao aproximarmos da casa notei uma bandeira dos Confederados na janela. Quase desisti, pois muitas vezes ela representa um sentimento separatista dos brancos do sul, que não aceitaram o fim da escravidão nos Estados Unidos. Além da bandeira, um Ford “T” antigo, bem conservado, estava estacionado no portão da garagem ao lado da casa.
Com a ajuda das crianças continuamos. Batemos na porta e um senhor idoso olhou pela janela com um ar de interrogação. Como carregava um exemplar do livro comigo, acenei e ele riu, abrindo a porta logo em seguida.
A casa era pequena, mas aconchegante e cheia de relíquias. Um pouco escura, o que trazia um ar de mágica – nas palavras de nossa filha mais nova. Muitos livros antigos e uma máquina de escrever sobre a mesa. Por alguns instantes era como se estivéssemos em Nárnia, visitando o Professor Digory Kirke.
Van foi muito gentil com as crianças e comigo, e tivemos uma boa conversa sobre a amizade dele com C.S. Lewis.
Na saída, ele autografou o livro e fizemos um convite para jantar conosco – em Nárnia, o nome da nossa residência desde o inicio do nosso casamento. Ele prontamente aceitou e ficamos de marcar um dia na primavera de 1996.
A primavera chegou e liguei para Vanauken. Fui buscá-lo em casa e passamos um tempo muito agradável. Como tínhamos comprado uma garrafa de vinho, a ofereci ao Van e ele não titubeou: bebeu liberalmente. Isso provavelmente ajudou a sua disposição, pois ele nos contava tudo sobre o tempo na Inglaterra com Lewis e como professor no Lynchburg – mas não falou muito sobre sua querida Davy. Parece que, mesmo depois de quarenta anos (Davy morreu em 1955), o amor de Van por Davy ainda era algo muito presente. Van nunca se casou novamente.
Assim como Lewis que nunca deixou o cigarro, logo após o jantar Van pediu permissão e começou a fumar para saborear o restante do vinho. Ficamos preocupados, pois ele tinha mais de 80 anos, mas estava tão ou mais vivo que minha esposa e eu quarenta anos mais novos. As crianças acompanhavam tudo com muita atenção. E, diga-se, quando enviei o primeiro rascunho dessa resenha, elas rapidamente me ajudaram com detalhes.
Foi uma noite fantástica. A conversa e um espirito de alegria reinavam. E, finalmente, a conexão com C.S. Lewis foi feita. Em tempo: Van não era racista. Quando perguntei sobre a bandeira ele deixou claro que não tinha nada a ver com o fim da escravidão, mas com a sua origem sulista.
Mantivemos contato frequente por correspondência, pois ele sempre escrevia artigos para o jornal local para o qual eu também escrevia cartas. Van chegou até a aceitar escrever, a pedido de uma das nossas filhas, um artigo para o jornal do colégio onde estudava.
No outono de 1996 recebemos a notícia de que ele estava muito mal no hospital da cidade. Quando tentei visitá-lo já era tarde demais. Van havia entrado na eternidade e estava na presença do Deus que ele relutantemente reconheceu e, certamente junto à sua amada e única esposa, que foi tão importante na sua conversão e transformação. Foi ela quem levou Vanauken a terminar o livro dizendo que, mesmo nos seus pensamentos sobre Davy, ele sempre retornava à antecipação da eternidade – uma imagem –, não do passado, mas do que haveria de ser.
Fonte: https://www.ultimato.com.br/conteudo/o-amor-antecipa-a-eternidade-um-encontro-inesperado-com-sheldon-vanauken
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