February 25, 2021

Corações quebrantados para o verdadeiro louvor

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Se o louvor é aquilo que mais alegra o coração de Deus, o descontentamento humano deve ser um dos seus maiores motivos de tristeza. Louvar a Deus é nosso maior privilégio e também nosso maior desafio.

Davi escreveu o Salmo 34 em um dos piores momentos de sua vida. Ele perdera sua reputação, fugia dos que antes o aclamavam e buscava refúgio em terra inimiga. Seria difícil imaginar um poço mais profundo. Ainda assim, ele iniciou esse salmo com um surpreendente compromisso de fé: “Louvarei ao Senhor em todo o tempo” (v. 1).

Não é difícil louvar a Deus ao ganhar um presente, ao ter a oração respondida ou ao ter a saúde restaurada. Não é difícil louvá-lo ao receber um aumento no salário, ao ser aplaudido pela equipe ou ao ser valorizado na igreja. A Palavra, entretanto, nos convida a louvá-lo mesmo no deserto árido ou na noite sombria - em todo o tempo.

Parece um contrassenso louvar a Deus ao ser diagnosticado com câncer, ao ter perdido o emprego ou ao ser alvo de críticas. Mas o ensino bíblico é louvá-lo como reconhecimento de quem ele é. E por isso o salmista faz um impressionante convite: “Oh, provai e vede que o Senhor é bom” (v. 8). Em meio a temores, angústias e dores, Davi nos ensina uma lição: nenhuma tragédia da vida será maior do que a bondade do Senhor.

Alguns que leem estas linhas talvez estejam passando pelos mais terríveis momentos de suas vidas, sejam conflitos públicos ou angústias silenciosas. Em qualquer situação o convite é o mesmo: reconheça que Deus é bom e faça com ele um compromisso de fé - louvá-lo todo o tempo.

A Palavra lança luz sobre as nossas vidas e essa luz sempre revela a verdade. Ela nos faz enxergar os atos de bondade do Senhor que antes passavam despercebidos em meio a dias corridos. Também nos leva a ver as mazelas pecaminosas do próprio coração, quase sempre camufladas em meio a boas justificativas. Assim, a Palavra nos conduz ao louvor e ao arrependimento. Louvor pelos admiráveis feitos de Deus, arrependimento por nossos vergonhosos pecados.

Os atos de bondade de Deus, entretanto, podem não ser exatamente aquilo que pedimos. Ele deseja não apenas melhorar a nossa vida, mas também redimi-la. Não quer nos agradar com presentes perecíveis, mas com a graça incessante. Não se propõe a aumentar os nossos bens, mas a nossa fé. Não nos livra de todos os desertos, mas os atravessa conosco. Não nos dá glória, mas humildade. Não nos tira do mundo, mas nos livra do mal.

O louvor a Deus é uma atitude do coração, pois alguns possuem tudo que precisam - com abundância - e ainda assim encontram constantes motivos de descontentamento. Outros, mesmo tendo tão pouco, sempre reconhecem os feitos de bondade do Senhor. 

A diferença entre os dois não se dá pela abundância ou carência no cenário da vida, mas pelo quebrantamento do coração. 

Sim, a agenda de Deus para cada um dos seus filhos passa pelo quebrantamento. Davi reconhece esse plano do Eterno ao afirmar que “perto está o Senhor dos quem tem o coração quebrantado” (v. 18). Ele nos quebra para tornar-nos vasos de honra que sinceramente louvam o seu nome.

Ao ser quebrado, não olhe para os lados com amargura ou revolta, mas olhe para Deus, que faz os alicerces se mexerem para abençoar o seu coração. 

Reconhecer que por trás de cada cena da vida está a mão de Deus é imprescindível para louvá-lo - em todo o tempo.

Fonte: https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/364/coracoes-quebrantados-para-o-verdadeiro-louvor

February 14, 2021

Os estágios do amor

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- Ricardo Barbosa

A oração é a experiência mais pessoal da fé cristã. Como disse o dr. James Houston, ela é a nossa impressão digital, aquilo que revela a nossa identidade e singularidade diante de Deus e de nós mesmos. Quando entramos no quarto para orar, fechamos a porta e ali, em completa solitude, tendo em nossa companhia apenas Deus, revelamos o que há de mais pessoal em nós e experimentamos a presença única e amorosa de Deus, que nos vê no lugar secreto e nos afirma.

É por meio da prática da oração que prosseguimos no longo caminho do amadurecimento pessoal, emocional e espiritual. A linguagem da oração revela a compreensão que temos do amor de Deus por nós, bem como a natureza do amor que temos para com Deus, para com o próximo e para conosco. Bernardo de Claraval (1090–1153), em seu Tratado do Amor de Deus, descreve os quatro estágios do amadurecimento do amor que podemos perceber na experiência da oração: 

  1. Amamos a nós por causa de nós mesmos;
  2. Amamos a Deus por causa de nós mesmos; 
  3. Amamos a Deus por causa de Deus; e 
  4. Amamos a nós por causa de Deus.
Os estágios do amor descritos por Claraval nos ajudam a entender o processo de amadurecimento por meio da transformação dos nossos desejos. A linguagem inicial da oração revela uma motivação de amor narcisista: buscamos a Deus por causa de nós. Apresentamos a Deus nossas necessidades de saúde, trabalho, família. 

No entanto, à medida que caminhamos, movemo-nos de um amor voltado a nós para um amor voltado a Deus, por causa de Deus, onde aprendemos a meditar nas gloriosas riquezas de Cristo, naquilo que ele fez de uma vez por todas na cruz, ressurreição e ascensão. 

Oramos a partir do mundo de Deus e nos vemos como parte da grande história. 

Finalmente, segundo Claraval, aprendemos a amar a nós, não mais por causa de nós, mas por causa de Deus. Noutras palavras, amamos a nós e o próximo com o amor do próprio Deus. 

Para ele, não podemos amar o próximo se Deus não for a razão desse amor. Ele pergunta: “Como pode-se amar o próximo, de modo desinteressado, quem não o ama em Deus?”. E ele mesmo responde: “Ora, quem não ama a Deus não pode amar em Deus. Primeiro, é preciso amar a Deus para poder também, em Deus, amar o próximo”.

A prática da oração nos liberta de uma realidade autocentrada para uma realidade centrada em Deus e no outro. Nossa cultura inverte a lógica do grande mandamento: em vez de amar a Deus de todo o coração, alma e força, e o próximo como a nós mesmos, aprendemos a usar a Deus e o próximo para o nosso benefício. A prática da oração, ao nos libertar do amor narcisista autocentrado para um amor altruísta centrado em Deus e no próximo, conduz-nos ao caminho da integridade, ou maturidade, que envolve a reconciliação de cada um de nós com Deus e com as outras pessoas. 

A oração nos leva a uma ausência de preocupação com o ego, à medida que amamos a nós por causa de Deus ou com o amor de Deus. A ausência do autointeresse é o sinal de que estamos livres de nós mesmos, e isso é uma expressão de maturidade. Não eu, mas Cristo em mim, como disse Paulo. Isso nos leva à consciência de nossa singularidade e identidade muito maior e mais rica do que jamais poderíamos imaginar. 

Quando estou em Cristo, torno-me uma pessoa mais livre e verdadeira do que seria capaz de conquistar por mim mesma. Para Claraval, da mesma forma que uma gota d’água derramada em muito vinho toma a cor e o sabor do vinho, assim também nós, quanto mais estivermos em Cristo, mais estaremos em nós e no outro.

Fonte: https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/377/os-estagios-do-amor-em-bernardo-de-claraval

February 12, 2021

Qual é a nossa maior necessidade?

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- Ricardo Barbosa

Há alguns anos, o doutor Art Lindsley entrevistou o rev. John Stott e perguntou a ele quais seriam as três maiores necessidades da igreja hoje. 

Ele respondeu que é reafirmar a natureza para a qual a comunidade foi chamada, particularmente, reconhecendo a dupla identidade dela: chamada e separada do mundo e enviada de volta ao mundo como serva e testemunha de Cristo. Isso envolve santidade e missão.

A segunda necessidade da igreja, segundo Stott, é simplesmente ser aquilo que ela professa ser tanto na confissão como na prática. Em outras palavras, a grande necessidade da igreja hoje é preservar a autenticidade para não perder a credibilidade.

A terceira necessidade é ser fiel na proclamação da singularidade e centralidade de Jesus Cristo, em particular, diante da cultura pluralista e seus desafios. Segundo Stott, o compromisso com esta fidelidade a Cristo trará sofrimento aos cristãos, porém a falta deste compromisso os levará a um sofrimento ainda maior.

Alguns dos grandes legados do rev. John Stott são a simplicidade, a clareza e a objetividade. Na resposta dele, encontramos, de forma clara e objetiva, uma extraordinária proposta para a igreja do século 21, que podemos resumir em quatro palavras: santidade, missão, integridade e fidelidade. São palavras que modelam a espiritualidade e a vocação de todo os cristãos, individualmente, e da Igreja de Jesus Cristo.

Independentemente de quais sejam as demandas que a sociedade impõe hoje sobre o indivíduo ou a comunidade, elas podem ser respondidas com essas quatro palavras. A necessidade maior da igreja não é a de inventar novas formas de funcionamento e atuação, mas de manter-se fiel ao fundamento bíblico e histórico sobre o qual foi estabelecida.

Esses fundamentos nunca foram tão necessários como o são para os nossos dias. A maioria das pessoas não rejeita a igreja, mas tem rejeitado uma pseudo-igreja. O doutor Peter Kuzmic, presidente do Seminário Teológico Evangélico da Croácia, faz coro com Stott ao afirmar: “Precisamos renovar a credibilidade da missão cristã. Missões e evangelismo não são, primariamente, uma questão de metodologia, dinheiro, gestão e números, mas uma questão de autenticidade, credibilidade e poder espiritual”.

Precisamos, com certa urgência, recuperar a dupla identidade da igreja, entender o cenário pluralista no qual vivemos, buscar a presença e o poder do Espírito Santo -- a fim de proclamar com clareza e fidelidade o evangelho de Jesus Cristo dentro deste cenário -- e viver a vida da comunidade cristã com integridade e autenticidade. Talvez, o maior desafio que vivamos seja o de preservar a identidade fundamental da fé em uma cultura pluralista.

Em certo sentido, os fundamentos da fé estão presentes em todas as comunidades cristãs. O problema é que, no esforço para sermos modernos, temos usado os meios que a cultura nos oferece em vez daqueles que a Bíblia nos apresenta. Os alvos e objetivos permanecem os mesmos, mas temos mudado, perigosamente, os meios.

É fácil perceber se estamos no caminho certo e usando os meios corretos -- por meio da prática da oração. A oração é o termômetro que nos ajuda a perceber se aquilo que estamos construindo -- sobre o fundamento que é Jesus Cristo -- vem a ser fruto do Espírito Santo ou, simplesmente, do resultado de nossa competência pragmática. Precisamos nos perguntar se somos uma instituição educativa e humanitária ou o Corpo de Cristo e templo do Espírito Santo.

Fonte: https://www.ultimato.com.br/conteudo/qual-e-a-nossa-maior-necessidade

February 11, 2021

Convicção e visão

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- Ricardo Barbosa
Há dois anos, encontrei-me com o Dr. James Houston – fundador e, por vários anos, diretor do Regent College, em Vancouver, Canadá –, na época com 90 anos recém-completados. Um dos motivos da minha visita era conversar um pouco sobre meu futuro, alguns planos que contemplava, mas para os quais me faltava clareza e um pouco de coragem para ir adiante.

Ele me ouviu pacientemente, como sempre faz. Contou-me parte de sua história quando deixou a cadeira de professor de geografia em Oxford e mudou-se com toda a família para a costa oeste do Canadá, em Vancouver, no início dos anos 70, para começar uma escola de teologia com o objetivo de oferecer aos profissionais cristãos uma formação bíblica e teológica. Lembrou-me que a escola começou com sete alunos matriculados e, no primeiro dia de aula, quatro deles faleceram num acidente de carro quando iam para a aula inaugural. O primeiro dia de aula foi um culto fúnebre. O Regent College é hoje uma das mais respeitadas escolas de teologia.

Lembrou-me de outros fatos, compartilhou algumas de suas lutas e frustrações, incompreensões e solidão, mas, sobretudo, lembrou-me da segurança em Cristo e, por fim, disse-me: “Qualquer que seja o seu futuro, ele irá requerer de você convicção e visão”. Depois de tomarmos o chá habitual, oramos e nos despedimos no final daquela manhã de inverno.

Voltei para a casa onde estava hospedado com minha esposa e me lembrei do rev. Elben, da Djanira e da história da Ultimato. Participei de algumas de suas lutas, momentos de dificuldades, mas não consigo sequer imaginar o volume e a complexidade de tudo o que Ultimato já passou. Apesar de tudo, permanece de pé, “como árvore plantada junto a correntes de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido”.

Ultimato é para mim um testemunho vivo daquilo que se pode construir quando se tem convicções sólidas e uma visão clara que nasce dessas convicções. Ultimato é um testemunho daqueles que creram e por isso foram, lutaram e fizeram. As coisas boas deste mundo, aquelas que permanecem e dão frutos, nascem de gente de convicção e visão.

Gosto de pensar nas coisas que não vemos e imaginá-las. Posso ir até minha coleção e rever artigos que me marcaram. A revista é aquilo que podemos ver, pegar, folhear. O que não vemos são as orações, os jejuns, a confiança firme na providência divina, o sacrifício, as perdas que se encontram nos bastidores destes 47 anos. 

O apóstolo Paulo, diante das lutas que enfrentava, consolava-se dizendo: “Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas”. 

As coisas que não vemos são eternas. 

Convicção e visão são coisas que permanecem como testemunho vivo.

Fonte: https://www.ultimato.com.br/conteudo/conviccao-e-visao

February 01, 2021

A noite escura e a manhã ensolarada

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- Ricardo Barbosa

João da Cruz, poeta e místico espanhol, escreveu no século 16 o poema A Noite Escura e depois o transformou num tratado sobre a jornada espiritual do cristão. A Noite Escura da Alma descreve os estágios necessários para o amadurecimento espiritual do discípulo de Cristo. Segundo João da Cruz, é o momento em que a tranquilidade da alma perde a sua segurança e é levada a um novo estágio que irá conduzi-la a lugares mais elevados.


Num determinado estágio da vida, nos vemos abençoados por Deus com saúde, trabalho e bons relacionamentos. Sentimo-nos seguros e tranquilos, porém a tranquilidade e segurança podem facilmente transformar-se num ídolo, levando-nos a depositar a confiança na suposta segurança em que nos encontramos e não mais em Deus. Em algum momento surgem as dificuldades e incertezas, perdemos a segurança que imaginávamos ter e somos levados a um período de sofrimento e angústia. 


Esse tempo levanta novas perguntas e provoca um profundo desconforto, mas à medida que avançamos, enfrentando honestamente as dúvidas e o desconforto, surge uma nova confiança em Deus, nosso espírito se fortalece e o caráter é transformado. A noite escura da alma é esse momento de transição, em que perdemos a falsa segurança e avançamos para um novo estágio da fé.


Na introdução à Segunda Carta aos Coríntios (1.1-11) encontramos um caminho para os tempos de incertezas que afetam todos nós – a noite escura de cada um. O apóstolo Paulo havia enfrentado uma terrível tribulação, que ele descreve como “acima das nossas forças”. Ele enfrentou muitas situações difíceis, mas esta, particularmente, o levou ao desespero. Mesmo diante da “sentença de morte”, como ele mesmo descreve seu sofrimento, sua noite escura serviu para que aprendesse a não confiar em si mesmo, “e sim no Deus que ressuscita os mortos; o qual nos livrou e livrará de tão grande morte; em quem temos esperado que ainda continuará a livrar-nos”.


No meio de sua tribulação, ele escolheu a esperança como princípio para enfrentar a noite escura. Otimismo e esperança são completamente diferentes. Otimismo é a expectativa que temos de que aquilo que está ruim irá melhorar. Esperança é a confiança que depositamos no Deus que irá cumprir suas promessas e realizar seus propósitos. A esperança cristã está alicerçada no “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda a consolação”. Não temos o controle do futuro, mas temos os meios para responder a ele. Quando enfrentamos a “noite escura da alma” e nos vemos rodeados de incertezas, podemos responder a esse momento com esperança pela fé no Pai de Jesus Cristo.


Ao longo da vida, criamos fortalezas porque precisamos proteger aquilo que é frágil. Por isso, desenvolvemos comportamentos compensatórios para nos proteger das feridas e dos traumas, principalmente da infância e da adolescência. O medo da rejeição, do abandono e da violência nos leva a buscar mecanismos de autoproteção, que se transformam em ídolos. A noite escura chega e derruba as fortalezas e nos liberta dos estágios infantis da fé e das ilusões que nos prendem num mundo fantasioso; abre as janelas da alma para uma manhã ensolarada. 


Nesse momento, Deus vem ao nosso encontro e nos conforta em nossa tribulação, de forma que possamos consolar outros que passam por sofrimentos e angústias com o mesmo consolo que recebemos de Deus.


Fonte: https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/386/a-noite-escura-e-a-manha-ensolarada