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- Ricardo Barbosa
A oração é a experiência mais pessoal da fé cristã. Como disse o dr. James
Houston, ela é a nossa impressão digital, aquilo que revela a nossa identidade
e singularidade diante de Deus e de nós mesmos. Quando entramos no quarto para
orar, fechamos a porta e ali, em completa solitude, tendo em nossa companhia
apenas Deus, revelamos o que há de mais pessoal em nós e experimentamos a
presença única e amorosa de Deus, que nos vê no lugar secreto e nos afirma.
É por meio da prática da oração que prosseguimos no longo caminho do
amadurecimento pessoal, emocional e espiritual. A linguagem da oração revela a
compreensão que temos do amor de Deus por nós, bem como a natureza do amor que
temos para com Deus, para com o próximo e para conosco. Bernardo de Claraval (1090–1153),
em seu Tratado do Amor de Deus, descreve os quatro estágios do amadurecimento
do amor que podemos perceber na experiência da oração:
- Amamos a nós por
causa de nós mesmos;
- Amamos a Deus por causa de nós mesmos;
- Amamos a Deus
por causa de Deus; e
- Amamos a nós por causa de Deus.
Os estágios do amor descritos por Claraval nos ajudam a entender o processo de
amadurecimento por meio da transformação dos nossos desejos. A linguagem
inicial da oração revela uma motivação de amor narcisista: buscamos a Deus por
causa de nós. Apresentamos a Deus nossas necessidades de saúde, trabalho,
família.
No entanto, à medida que caminhamos, movemo-nos de um amor voltado a
nós para um amor voltado a Deus, por causa de Deus, onde aprendemos a meditar
nas gloriosas riquezas de Cristo, naquilo que ele fez de uma vez por todas na
cruz, ressurreição e ascensão.
Oramos a partir do mundo de Deus e nos vemos
como parte da grande história.
Finalmente, segundo Claraval, aprendemos a amar
a nós, não mais por causa de nós, mas por causa de Deus. Noutras palavras,
amamos a nós e o próximo com o amor do próprio Deus.
Para ele, não podemos amar
o próximo se Deus não for a razão desse amor. Ele pergunta: “Como pode-se amar
o próximo, de modo desinteressado, quem não o ama em Deus?”. E ele mesmo
responde: “Ora, quem não ama a Deus não pode amar em Deus. Primeiro, é preciso
amar a Deus para poder também, em Deus, amar o próximo”.
A prática da oração nos liberta de uma realidade autocentrada para uma
realidade centrada em Deus e no outro. Nossa cultura inverte a lógica do grande
mandamento: em vez de amar a Deus de todo o coração, alma e força, e o próximo
como a nós mesmos, aprendemos a usar a Deus e o próximo para o nosso benefício.
A prática da oração, ao nos libertar do amor narcisista autocentrado para um
amor altruísta centrado em Deus e no próximo, conduz-nos ao caminho da
integridade, ou maturidade, que envolve a reconciliação de cada um de nós com
Deus e com as outras pessoas. A oração nos leva a uma ausência de preocupação
com o ego, à medida que amamos a nós por causa de Deus ou com o amor de Deus. A
ausência do autointeresse é o sinal de que estamos livres de nós mesmos, e isso
é uma expressão de maturidade. Não eu, mas Cristo em mim, como disse Paulo.
Isso nos leva à consciência de nossa singularidade e identidade muito maior e
mais rica do que jamais poderíamos imaginar.
Quando estou em Cristo, torno-me
uma pessoa mais livre e verdadeira do que seria capaz de conquistar por mim
mesma. Para Claraval, da mesma forma que uma gota d’água derramada em muito
vinho toma a cor e o sabor do vinho, assim também nós, quanto mais estivermos
em Cristo, mais estaremos em nós e no outro.
Fonte: https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/377/os-estagios-do-amor-em-bernardo-de-claraval
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