Abatidos e perplexos, porém não destruídos
Lembra de Jacó, às margens do riacho? Ensina-nos que, no fim das contas, o que conta mesmo são as respostas que temos para as perguntas essenciais que nos são dirigidas ao longo da caminhada do viver.
- Qual o teu nome? - pergunta o estranho ser com o qual Jacó se digladia, madrugada adentro, numa desesperada busca por uma bênção perseguida por toda uma vida.
Momento eterno ao romper dos primeiros raios de sol, quando a luz irresistível da manhã se apresenta, inevitável, implacável, necessária, e o atormentado patriarca é confrontado com a dura realidade de quem ele era, de quem, durante toda a sua história, ele foi.
Embusteiro! É o que tem para apresentar: engano, dissimulação, trapaça. Sempre querendo viver a vida alheia, usar o nome do outro, vestir as suas vestes, exalar o cheiro que não era seu.
Paradoxo humano de almejar a coisa certa, anelar pela bênção e o bem, mas agir de modo trôpego, questionável, equivocado e mau.
E descobre, atônito, surpreso, estupefato, que somente quando respondemos com honestidade crua ao questionamento do Eterno, somente quando assumimos nossa condição, quando olhamos para a verdade do que somos, mesmo feia, mesmo vergonhosa, mesmo imperfeita e desonrosa, é que temos a possibilidade de experimentar a transformação que excede a toda compreensão.
Só quando admitimos ser “Jacó” é que abrimos os quartos sombrios da alma para que a luz do Altíssimo possa nos iluminar.
Só quando admitimos nossa índole de trapaças e enganos é que podemos receber um novo nome, uma nova realidade, um sentido novo, a dignidade de filhos do rei, príncipes e princesas de seu reino. E descobrimos, ainda mais atônitos, surpresos, estupefatos, que nada mudou no coração do Pai em relação a nós.
Percebemos que esta verdade admitida em meio ao cansaço da luta que durou toda a noite de nosso existir, ainda que feia, mesmo que imperfeita e desonrosa, não é capaz de nos afastar do amor de Deus, manifesto em seu Filho Eterno, o bondoso Jesus.
Nosso engano e dissimulação jamais serão maiores do que o Seu amor por nós.
Erga os olhos aos céus, abra seus lábios em solene proclamação de louvor, irmão meu, irmã minha, pois toda e qualquer culpa, erro e pecado que carreguemos em nossa bagagem existencial, não são capazes de modificar ou diminuir o fato inexorável, irresistível, implacável e irreversível de que Ele nos ama.
Saia, pois, das sombras e caminhe para a luz. Agarre-se aos pés do Senhor e diga a Ele o seu nome. Tire os esqueletos do armário do seu coração, deixe ir os seus fantasmas.
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- Ricardo Gondim
Você pode ter medo de pedir desculpas, de reparar um erro – medo do que as pessoas pensarão a seu respeito. Mas somente pessoas sem entendimento têm medo de se desculpar.
“Prefiro morrer a pedir desculpas”, disse uma telefonista. Ao que a superintendente do hospital respondeu: “Ah, eu peço desculpas uma dezena de vezes por dia. É a coisa mais fácil que eu faço”. Resultado dessas duas atitudes? A telefonista permaneceu em sua posição e a outra mulher chegou à posição mais alta do hospital. A telefonista ficou estagnada; a superintendente sentia-se livre toda vez que pedia desculpas.
O reitor de uma universidade estadual me disse, certa vez, que recebeu de volta um diploma com uma carta, que dizia: “Colei no exame final. Isso tem me incomodado há dezessete anos. Não posso mais ficar com o diploma. Agora já me sinto aliviado. Tirei um grande peso dos ombros”. Um membro do conselho administrativo quis que o nome do aluno fosse riscado e que a carta fosse pendurada na universidade como advertência para os outros. “Não”, disse o reitor, “isso levantará suspeitas sobre os outros alunos. Vou enterrar esse assunto. Ninguém jamais saberá.” Convidou o homem a vir conversar com ele sempre que viesse à cidade. O incidente nunca foi mencionado.
Algumas universitárias saíam à noite por uma janela quando foram surpreendidas. Mentiram sobre a situação. Depois disseram ao reitor que haviam mentido. Ele sugeriu que procurassem a reitora das mulheres e confessassem tudo. Foi o que fizeram. A reitora levou o caso ao conselho da universidade e então pediu que as garotas fossem perdoadas, então o assunto foi encerrado com aprovação por unanimidade.
O evangelista Rodney “Gipsy” Smith prega sobre o carcereiro de Filipos que lavou as feridas de Paulo, feridas que ele mesmo havia causado ao apóstolo na noite anterior, como sinal de penitência e mudança.
Se lavarmos as feridas do passado com nossas lágrimas e sinceras desculpas, elas serão esterilizadas e sararão rapidamente. Limpe seu passado de tudo que possa infeccionar.
Ó Cristo, tu perdoaste esse passado, e onde está teu perdão não pode haver infecção. Mas me mostra se ainda resta alguma coisa a ser reparada em meu passado antes de continuarmos juntos. Pois não quero feridas abertas em nenhum lugar. Amém.
Afirmação do dia: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece as minhas inquietações. Vê se em minha conduta algo te ofende, e dirige-me pelo caminho eterno” (Sl 139.23-24).
- Será que é normal? - me perguntam frequentemente.
Ossos do ofício. Quando se é psiquiatra as pessoas esperam que a gente tenha no bolso do colete um gabarito com as respostas para definir se um comportamento é normal ou não. Pode ser meio decepcionante, mas não temos.
“Normal” significa tantas coisas diferentes, desde numericamente comum até moralmente desejável, de esteticamente aprazível a socialmente aceito, que preferimos nos abster de diagnosticar algo como anormal. No máximo temos instrumentos para diferenciar o saudável do patológico. E olhe lá.
Quando se trata de autoridades, a coisa complica ainda mais. Recentemente estive num evento discutindo o papel dos psiquiatras em casos de dúvidas quanto à sanidade de políticos e vimos como o problema é intricado.
Primeiro porque ele é persistente: os relatos vão da licantropia (quadro em que o sujeito se acreditava transformado em lobo ou outras bestas feras) de Nabucodonosor da Babilônia, passam pela porfiria aguda intermitente (doença do metabolismo do sangue que pode levar a quadros de agitação) do Rei Jorge III na Inglaterra – cujo médico também tratou da rainha D. Maria I, conhecida como “a louca” – atravessa os tempos contemporâneos, na inevitável contestação da sanidade dos ditadores sanguinários, e ao que parece se dirige ao futuro – há um episódio de Star Trek no qual consideram a possibilidade de afastar o capitão da Enterprise (não lembro se o Kirk ou o Picard) por instabilidade mental. Ou seja, a questão sempre existiu e sempre existirá.
Em segundo lugar, o problema é complexo porque, a não ser em casos flagrantes de um rei andando de quatro e uivando pela floresta ou saindo sem roupa pela rua – casos em que o diagnóstico fica mais evidente, justificando a intervenção – estabelecer se determinados comportamentos são patológicos depende do impacto na vida da pessoa. Se o sujeito tem uma característica rara na população – digamos, uma inteligência extremamente elevada – ele não é normal no sentido estatístico. Mas não pode ser considerado doente – tal anormalidade é mais uma vantagem do que um sintoma. E mesmo se pensarmos num sintoma negativo, que supostamente seria desvantajoso para o paciente, ele eventualmente será usado a favor de um povo. Um presidente cronicamente ansioso poderia, por conta disso, tomar atitudes mais precavidas, expondo a população a menos riscos.
Por isso estou decretando moratória à avaliação de normalidade de possíveis candidatos a cargos eletivos. Não me perguntem mais se fulano é anormal. Perguntem se é competente. Mas não para os psiquiatras e sim para todo mundo.
Perguntem nas urnas.
Afinal, como diz Jerry Seinfeld numa piada que já citei antes, se fosse normal mesmo a pessoa nem cogitaria ser presidente para começo de conversa. Faz todo sentido. Para se lançar candidata a pessoa precisa logo de saída de uma autoconfiança acima da média. Tem de ser capaz de tolerar conversa fiada com uma paciência fora do comum. E ter uma lábia que também não é normal.
Pensando bem, eu quero mais candidatos anormais.
Um presidente normal seguiria a norma vigente do conformismo político, por exemplo, se envolvendo em acordos e negociatas que só alguém anormal teria a coragem de não fazer.
Um presidente normal estaria sujeito às mesmas reservas com relação à tecnologia e à ciência que vemos na população geral – precisaríamos de alguém com inteligência acima da média para aceitar inovações, compreender e tentar implementar avanços científicos na nação.
Um presidente normal seria seduzido por respostas fáceis e superficiais – poderia pensar, por exemplo, que armar a população é uma forma eficaz de diminuir a violência. Seria preciso um presidente fora do normal para ser capaz de se aprofundar no assunto e compreender que a realidade é mais complexa.
Solicito, então, aos candidatos de todos os tipos, seja a síndico ou a prefeito, a presidente do grêmio estudantil ou da República, que apresentem suas credenciais para comprovar que estão fora do normal.
Porque pelo visto políticos na média só produzem resultados medíocres.