September 24, 2021

Abatidos e perplexos, porém não destruídos

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Desespero e incredulidade tem sido os efeitos colaterais da pandemia

- Rosifran Macedo
 
Na segunda carta aos coríntios, o apóstolo Paulo relata que tem enfrentado situações muito difíceis, acima das forças, “a ponto de acharmos que a morte já era certa” (2 Co 1:8). No capítulo 4, ele relata algumas expressões dos seus sentimentos diante destas situações, mas ao mesmo tempo declara os limites até onde eles chegavam. “Sofremos pressões de todos os lados, contudo, não estamos arrasados; ficamos perplexos com os acontecimentos, mas não perdemos a esperança; somos perseguidos, mas jamais desamparados; abatidos, mas não destruídos” (2 Co 4: 8-9). No capítulo 12, ele declara que, ao reconhecer seus limites e fraquezas, teve a oportunidade de receber e desfrutar a provisão de Cristo, e ser fortalecido.
 
A pandemia do novo coronavírus tem deflagrado uma situação inusitada para todos. Dor, sofrimento, perdas, isolamento, necessidades, morte e luto têm nos atingido de formas inusitadas. As pessoas têm reagido de maneiras diferentes e nem sempre muito saudáveis. Por um lado, vemos pessoas que perderam a esperança, estão sem rumo ou qualquer projeto de vida. 

A dor os levou a um estado de completa perda de esperança. Estão derrotados pela força das tribulações. 

Também encontramos os negacionistas, que não reconhecem a dor que eles ou outros estejam vivenciando. Sempre respondem com palavras triunfalistas como se o sofrimento enfrentado não tivesse nenhum efeito sobre os corações. Talvez, por medo de serem derrotadas pela angústia, preferem negar qualquer abatimento da alma. Não choram as perdas.
 
Um dos grandes desejos do ser humano e sua maior ilusão é estar no controle de suas vidas. Catástrofes da magnitude que vivemos confrontam tais ilusões e provocam estes tipos de reações. A pessoa que descobre que não pode controlar seu destino, sua saúde ou dos seus queridos, entra em desespero pois não tem a solução para o problema. “Está tudo fora do controle. Não há esperança.” 

Outros negam a intensidade do problema na tentativa de se manter no controle. “Eu dou conta dos meus problemas. Eu consigo administrar tal situação. Eu sou forte. Estou no controle.” Nenhum deles busca a ajuda de Deus. O primeiro talvez não creia nEle e o segundo simplesmente não precisa dEle por dar conta do recado sozinho.
 
A resposta do apóstolo Paulo é diferente. Ele reconhece seus limites, suas fraquezas, a intensidade da dor, mas usa a situação para afirmar sua dependência de Deus e receber a força necessária para lidar com as tribulações. Há choro e lamento, mas também há milagre e restauração. Há manifestação do poder de Deus.
 
Diante do luto das suas amigas Maria e Marta, pela perda do irmão Lázaro, mesmo sabendo que iria ressuscitá-lo, o texto relata que Jesus “gemeu no seu espírito, ficou muito conturbado e chorou” (Jo.11.33-35). 

Ele validou a perda, a dor, o sofrimento, sendo empático com elas, mas dirigiu sua dor em oração ao Pai e pediu que Ele manifestasse Seu poder na situação. Pessoas foram consoladas, confortadas e vieram a crer pela instrumentalidade do sofrimento e da manifestação do poder de Deus.
 
Sigamos o exemplo de Paulo, admitindo nosso sofrimento, mas afirmando nossa dependência no amor de Deus: “Sofremos pressões de todos os lados, porém, não somos sufocados; mesmo quando não compreendemos o que está acontecendo podemos confiar em Deus. Mesmo enfrentando dificuldades sabemos que Ele nunca nos abandona, e se formos derrubados Ele sempre nos levanta.”

Fonte: https://www.ultimato.com.br/conteudo/abatidos-e-perplexos-mas-sem-perder-a-esperanca

September 23, 2021

O que esperar da noite escura?

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- Cayo César Santos


Lembra de Jacó, às margens do riacho? Ensina-nos que, no fim das contas, o que conta mesmo são as respostas que temos para as perguntas essenciais que nos são dirigidas ao longo da caminhada do viver.


- Qual o teu nome? - pergunta o estranho ser com o qual Jacó se digladia, madrugada adentro, numa desesperada busca por uma bênção perseguida por toda uma vida.


Momento eterno ao romper dos primeiros raios de sol, quando a luz irresistível da manhã se apresenta, inevitável, implacável, necessária, e o atormentado patriarca é confrontado com a dura realidade de quem ele era, de quem, durante toda a sua história, ele foi.


Embusteiro! É o que tem para apresentar: engano, dissimulação, trapaça. Sempre querendo viver a vida alheia, usar o nome do outro, vestir as suas vestes, exalar o cheiro que não era seu.


Paradoxo humano de almejar a coisa certa, anelar pela bênção e o bem, mas agir de modo trôpego, questionável, equivocado e mau.


E descobre, atônito, surpreso, estupefato, que somente quando respondemos com honestidade crua ao questionamento do Eterno, somente quando assumimos nossa condição, quando olhamos para a verdade do que somos, mesmo feia, mesmo vergonhosa, mesmo imperfeita e desonrosa, é que temos a possibilidade de experimentar a transformação que excede a toda compreensão.


Só quando admitimos ser “Jacó” é que abrimos os quartos sombrios da alma para que a luz do Altíssimo possa nos iluminar.


Só quando admitimos nossa índole de trapaças e enganos é que podemos receber um novo nome, uma nova realidade, um sentido novo, a dignidade de filhos do rei, príncipes e princesas de seu reino. E descobrimos, ainda mais atônitos, surpresos, estupefatos, que nada mudou no coração do Pai em relação a nós.


Percebemos que esta verdade admitida em meio ao cansaço da luta que durou toda a noite de nosso existir, ainda que feia, mesmo que imperfeita e desonrosa, não é capaz de nos afastar do amor de Deus, manifesto em seu Filho Eterno, o bondoso Jesus.


Nosso engano e dissimulação jamais serão maiores do que o Seu amor por nós.


Erga os olhos aos céus, abra seus lábios em solene proclamação de louvor, irmão meu, irmã minha, pois toda e qualquer culpa, erro e pecado que carreguemos em nossa bagagem existencial, não são capazes de modificar ou diminuir o fato inexorável, irresistível, implacável e irreversível de que Ele nos ama.


Saia, pois, das sombras e caminhe para a luz. Agarre-se aos pés do Senhor e diga a Ele o seu nome. Tire os esqueletos do armário do seu coração, deixe ir os seus fantasmas.


É na verdade assumida que reside a nossa libertação.

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Fonte: https://www.ippdf.com.br/artigos/publicacao/940650/apesar-da-noite-escura-por-cayo-c-sar-santos
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PS- Para ouvir a trilha do dia: https://www.youtube.com/watch?v=s8Yf9ANuIbw
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September 22, 2021

Talvez a escuridão seja uma forma de ver o que luz muitas vezes esconde

September 21, 2021

Maturidade é parar de achar que só os outros estão errados

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O sonho do fanático é ter um mundo que seja o espelho da sua cabeça

- João Pereira Coutinho

A morte de Amós Oz é uma pequena tragédia para a civilização. Não é apenas uma tragédia para a literatura, o que já seria compreensível: saber que não teremos mais nenhuma obra como "De Amor e Trevas" ou "Entre Amigos" é privação que baste.

Não. É de civilização que falo: aquela película fina, e muito facilmente destruída, onde habitam a inteligência, o ceticismo e a ironia. E que é possível encontrar também nos seus ensaios.

Por mera coincidência, recebi a morte do escritor israelense poucos dias depois de ler o seu "Dear Zealots", que na edição portuguesa ficou como "Caros Fanáticos". É um título razoável, mas "Caros Zelotes" seria mais autêntico, histórica e filosoficamente falando.

A seita dos zelotes não se esgotou no século 1º depois da missão literalmente suicida contra a presença do Império Romano na Palestina.

Nesse quesito, os zelotes são como os antissemitas —criaturas de todas as épocas que partilham o mesmo código: um espírito de fanatismo em nome da causa sagrada. Mas como reconhecer esse espírito?

No primeiro ensaio, que dá título ao livro, Amós Oz tem duas observações luminosas que fazem uma vênia a Jean-Jacques Rousseau: o fanático é um sentimental; o fanático só sabe contar até um.

Sobre o primeiro axioma, a minha experiência o confirma. Os fanáticos que conheci na vida partiam sempre do pressuposto de que os seus sentimentos eram a fonte da verdade.

Como Rousseau diria, os sentimentos não estão poluídos pelos artifícios da civilização, muito menos por esse demônio ilusório que dá pelo nome de "racionalidade".

De igual forma, as causas que defendiam eram sempre articuladas de forma emotiva, o que concedia às suas palavras uma alegada superioridade moral. Ele, o fanático, sente genuinamente; os outros, que não sentem como ele, são seres indignos ou coisa pior.

É por isso que o fanático só sabe contar até um. O sonho dele é ter um mundo que seja o espelho da sua cabeça. Não admira que o fanático abrace com tanto entusiasmo a unanimidade da multidão. Como escreve Amós Oz, ressoando o doutor Sigmund, a "vontade geral" permite ao fanático regredir e reviver os confortos do útero materno.

A falta de sentido de humor, e sobretudo de humor sobre ele próprio, é apenas a conclusão lógica de uma personalidade onde não existe qualquer personalidade. O humor só pode nascer quando se aceitam as "dissonâncias trágicas da vida". O fanático não aceita dissonâncias. Pelo contrário: ele as esmaga, como o perigo que (não) são.

O judaísmo não esteve nem está a salvo dos zelotes. E é especialmente contra eles que Amós Oz dedica o segundo ensaio do livro.

Na minha qualidade de gentio, embora com "Pereira" no nome e vários nomes bíblicos na família (Ester, Ismael etc.), não sei avaliar com rigor se a essência do "ethos" judaico está na cultura de discussão permanente entre os homens, e até entre os homens e o patrão lá de cima.

Mas sei que é esse pluralismo textual e existencial que mais me interessa na tribo. É dessa confluência de vozes; é desse "gene rebelde", como lhe chama Oz, que nasceu o meu panteão de artistas, músicos ou escritores, judeus quase todos.

Por último, se não existe uma luz, mas várias luzes; se não existe uma interpretação única e uniforme, mas várias interpretações possíveis, como escapar à negociação e ao compromisso entre visões distintas?

Para Amós Oz, não é possível escapar sem cair no fanatismo. Isso é particularmente válido para o conflito israelo-palestino, tema do terceiro e último ensaio do livro.

Nos últimos anos, tem crescido entre os especialistas a peregrina ideia de que o conflito só pode ser resolvido pela opção de um Estado binacional, onde judeus e árabes possam viver harmoniosamente como irmãos.

Essa fantasia, que ignora o destino de outras experiências multinacionais (Iugoslávia, Líbano, Chipre etc.) e que tornaria os judeus em grupo minoritário dentro do seu próprio Estado, é uma negação da realidade sangrenta que dura um século.

Até ver, não há alternativa aos dois Estados. O que significa que não há alternativa a sacrifícios das duas partes.

Do lado israelense, o sacrifício da ideia de um Grande Israel. Do lado palestino, o sacrifício da totalidade da Palestina, do Mediterrâneo ao rio Jordão. Mas como ensinar os zelotes a contar até dois?

Se a prosa não serviu, talvez a poesia —de Yehuda Amichai, que teve seu primeiro livro publicado no Brasil e que serve de epígrafe ao livro de Amós Oz.

Traduzo livremente:

Do lugar onde temos razão
flores jamais crescerão
na primavera.
O lugar onde temos razão
é duro e pisoteado
como um pátio.
Mas dúvidas e amores
escavam o mundo
como uma toupeira, um arado.
E um sussurro será escutado no lugar
onde a casa arruinada
existia.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2019/01/aprender-a-contar-ate-dois.shtml

September 18, 2021

Um Deus que chora

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- Ricardo Gondim

Há momentos em que a dor é cruel, desesperadora, incessante, asfixiante. Tais ocasiões levam a perguntar:
Onde está Deus
se os becos estão escuros,
se os cortiços são imundos,
se os corredores do IML estão lotados,
se a vala comum dos cemitérios está abandonada,
se os assassinatos se multiplicam,
se há injustiça desnecessária?
No sofrimento, a lembrança do passado fica tenebrosa, a vivência do presente, decepcionante e a perspectiva do futuro, angustiada.
A dor aperta com serpente, 
esmaga como fardo,
tritura como moinha;
e o pior dos consolos é: “Deus está no controle”.
Esse sofrimento foi para o seu bem”.
Me tornei ateu desse Deus, supervisor do mal. Para mim, esse Deus no controle inventou a Gestapo, condescendeu com a tortura no Chile e gerenciou a carnificina de Ruanda. O Deus que alguns tratam de Soberano não passa de déspota, elevado à infinita potência. O Deus da providência do calvinismo é um tirano, escolado nos manuais de Maquiavel.
Se Deus precisa do mal para cumprir sua vontade, ele não passa de uma divindade que mexe os peões no tabuleiro eterno, um frio executor de sórdidas agendas. Deus precisa, quer, ou deixa acontecer e como resultado de sua vontade bilhões ficam estropiados, degolados, enforcados, linchados, esfomeados, exilados?
Se, para uma glória maior, Deus condena alguns, então é sinuoso; se, por amor ao seu nome, manipula, então é mentiroso; se, por zelo, deixa milhões ao léu, é perverso.
Não adoro o Deus justiceiro que condena em cada pequeno pecado; não desejo o Deus calculista que coage com maldição; não amo o Deus espectador de um circo de horrores.
Amo o Deus amor.
Sigo ao Jesus das lágrimas.
Deus chora.
Em Gênesis 6.6: A maldade se universalizou e “isso cortou coração de Deus”. Em Juízes 10.16: A dor de Israel se tornou aguda e o próprio Deus não podia suportá-la. Em Isaías 63.9: “Em toda a aflição do seu povo, ele também se afligiu”. Em Ezequiel 6.9: quando Israel fosse levado cativo, “eles se lembrariam do tanto que Deus ficou entristecido”.
Meu Deus chora porque nossas dores doem nEle.
Soli Deo Gloria
Fonte: https://www.ricardogondim.com.br/sem-categoria/meu-deus-chora/

September 15, 2021

Lavando as feridas

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Você pode ter medo de pedir desculpas, de reparar um erro – medo do que as pessoas pensarão a seu respeito. Mas somente pessoas sem entendimento têm medo de se desculpar

“Prefiro morrer a pedir desculpas”, disse uma telefonista. Ao que a superintendente do hospital respondeu: “Ah, eu peço desculpas uma dezena de vezes por dia. É a coisa mais fácil que eu faço”. Resultado dessas duas atitudes? A telefonista permaneceu em sua posição e a outra mulher chegou à posição mais alta do hospital. A telefonista ficou estagnada; a superintendente sentia-se livre toda vez que pedia desculpas.

O reitor de uma universidade estadual me disse, certa vez, que recebeu de volta um diploma com uma carta, que dizia: “Colei no exame final. Isso tem me incomodado há dezessete anos. Não posso mais ficar com o diploma. Agora já me sinto aliviado. Tirei um grande peso dos ombros”. Um membro do conselho administrativo quis que o nome do aluno fosse riscado e que a carta fosse pendurada na universidade como advertência para os outros. “Não”, disse o reitor, “isso levantará suspeitas sobre os outros alunos. Vou enterrar esse assunto. Ninguém jamais saberá.” Convidou o homem a vir conversar com ele sempre que viesse à cidade. O incidente nunca foi mencionado.

Algumas universitárias saíam à noite por uma janela quando foram surpreendidas. Mentiram sobre a situação. Depois disseram ao reitor que haviam mentido. Ele sugeriu que procurassem a reitora das mulheres e confessassem tudo. Foi o que fizeram. A reitora levou o caso ao conselho da universidade e então pediu que as garotas fossem perdoadas, então o assunto foi encerrado com aprovação por unanimidade.

O evangelista Rodney “Gipsy” Smith prega sobre o carcereiro de Filipos que lavou as feridas de Paulo, feridas que ele mesmo havia causado ao apóstolo na noite anterior, como sinal de penitência e mudança

Se lavarmos as feridas do passado com nossas lágrimas e sinceras desculpas, elas serão esterilizadas e sararão rapidamente. Limpe seu passado de tudo que possa infeccionar.

Ó Cristo, tu perdoaste esse passado, e onde está teu perdão não pode haver infecção. Mas me mostra se ainda resta alguma coisa a ser reparada em meu passado antes de continuarmos juntos. Pois não quero feridas abertas em nenhum lugar. Amém. 

Afirmação do dia: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece as minhas inquietações. Vê se em minha conduta algo te ofende, e dirige-me pelo caminho eterno” (Sl 139.23-24). 

Fonte: https://ultimato.com.br/sites/devocional-diaria/2021/08/22/autor/stanley-jones/lavando-as-feridas-3/

September 14, 2021

Você conhece Deus de verdade?

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- Ricardo Gondim
Tornei-me ateu do Deus que constrange ao questionar e considera a dúvida um pecado; abandonei aquele que castiga por recusar o argumento de que a desigualdade e a pobreza que massacram milhões acontecem porque “ele sempre quis assim”.
Tornei-me ateu do Deus que considera o conservadorismo moral e as regras culturais de determinados países como expressões exatas do seu projeto para a humanidade.
Tornei-me ateu do Deus que soberanamente elegeu e predestinou um punhado para desfrutar o céu e que, sem precisar dar satisfações, optou por deixar bilhões nos infernos, terreno e eterno.
Tornei-me ateu do Deus passivo que espera nossas preces para mover-se em nossa direção, que só é sensibilizado com nossas obras e sacrifícios e que, para oferecer perdão e esperança, precisa ser agradado.
Soli Deo Gloria
Fonte: https://www.ricardogondim.com.br/sem-categoria/ateu/

September 11, 2021

Maturidade é parar de achar que o mundo se divide em dois grupos

.Js 5: 13-15

Josué estava perto da cidade de Jericó. De repente, viu um homem com uma espada na mão parado na sua frente. Josué chegou perto dele e perguntou:
— Você é do nosso exército ou é inimigo?
Não sou nem uma coisa nem outra — respondeu ele.
— Estou aqui como comandante do exército de Deus, o SENHOR.
Josué ajoelhou-se, encostou o rosto no chão e o adorou. E disse:
— Estou às suas ordens, meu senhor. O que quer que eu faça?
O comandante do exército do SENHOR respondeu:
Tire as sandálias porque a terra que você está pisando é santa.
E Josué obedeceu.

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September 10, 2021

O que fazer depois de ver

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Visão é a capacidade de enxergar.

É possível não enxergar bem - perto, longe - ou simplesmente não conseguir captar - e compreender - o significado do que se vê.

No entanto, ter olhos não garante que uma pessoa tenha visão.

Só se vê de verdade com o coração [ o essencial é invisível aos olhos ]

A pior cegueira é daquele que não quer ver.

Você consegue ver?

E se não, você quer ver?

Para refletir:

September 09, 2021

Os caminhos da compaixão

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- Ricardo Barbosa

Compaixão é a virtude que nos permite entrar e participar da dor e da necessidade dos outros. 

É também a capacidade de preservar nossa humanidade – na medida em que entramos e participamos da vida do outro, com suas limitações, lutas, ambiguidades e sofrimentos, percebemos que não somos diferentes. 

Por outro lado, a sociedade em que vivemos estimula mais a competição do que a compaixão, intensificando o abismo entre os seres humanos. Na medida em que precisamos nos mostrar melhores, mais competentes, eficientes e fortes do que os outros, nos afastamos deles e, ao invés de olhar para o próximo como alguém semelhante a nós, vemo-lo com desconfiança, cinismo e medo.
A forma como Deus escolheu nos salvar e redimir não foi pela via do poder ou da eliminação do sofrimento, muito pelo contrário – ele escolheu enviar seu Filho para partilhar conosco nossa dor e sofrimento. 

Deus tornou-se humano em Cristo para viver entre nós e compartilhar conosco sua vida e amor. Encontramos em Jesus alguém que experimentou todas as nossas fraquezas, sofrimentos, dores e tentações e, mesmo sem nenhum pecado, participou da nossa condição humana pecadora tão completamente a ponto de assumir sobre si nossos pecados e enfermidades como se fossem seus. 

Esta capacidade de se envolver e absorver aquilo que é nosso como se fosse seu é o que a Bíblia chama de compaixão. Jesus não veio para se mostrar melhor do que nós, mas para ser como nós. Mesmo sendo Deus eterno, fez-se homem entre nós e sofreu a nossa dor.
Jesus, certa vez, disse: “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mateus 11:28-30). 

Trata-se, sem dúvida, de um convite extravagante e generoso, cheio de amor e compaixão – logo, um convite raro nos dias de hoje. Certamente, Jesus se dirigia a um público semelhante àquele ao qual ele um dia olhou e se compadeceu porque eram como ovelhas que não tinham pastor. 

Gente sofrida, confusa, perdida, aprisionada. No entanto, ao invés de rejeitá-los, como a maioria de nós naturalmente faz, ele os convida para se juntarem a ele, e mais, para trazerem seus fardos e seu cansaço, oferecendo-lhes descanso e alívio para suas almas.
O descanso que Jesus oferece não é eliminando o cansaço ou exorcizando o sofrimento, mas oferecendo-se para caminhar conosco no caminho da dor. É isso o que significa tomar sobre nós o jugo dele. Neste caminhar, vamos aprendendo com ele no exercício da humildade e da mansidão, o jeito dele de lidar com as adversidades e o cansaço da alma. 

Jesus foi “homem de dores”; ele experimentou o sofrimento como ninguém jamais experimentou. Experimentou a traição, o abandono, a incompreensão, a rejeição, a dor física, moral e espiritual. No entanto, em seu caminho para o Calvário, ele enfrentou cada situação com humildade e mansidão.
Ele não se oferece para, num passe de mágica, eliminar nossa dor e cansaço, mas se oferece para caminhar ao nosso lado e nos ensinar a enfrentá-la, a lidar com ela, não a rejeitando, mas acolhendo-a com mansidão e humildade.
Nossa natureza é muito egoísta. Tentamos ser, quando muito, simpáticos com os outros, mas a simpatia é um sentimento que perdeu seu significado. 

Quando alguém tenta demonstrar simpatia, assume normalmente uma atitude de superioridade, como quem olha por cima e tenta compreender o que acontece, mas sem se envolver pessoalmente e emocionalmente. 

É muito comum ver esse tipo de simpatia em períodos eleitorais como o atual, onde políticos saem de seus gabinetes e tiram seus ternos para demonstrar “simpatia” para com o povo. Eles vão às favelas, passeiam pelas feiras populares, cumprimentam o povo, provam de sua comida, entram nos hospitais e posam para os fotógrafos ao lado dos enfermos. 

Fazem promessas e mostram sua indignidade com as condições precárias de moradia, educação, saúde e segurança; uma vez eleitos, procuram demonstrar sua simpatia com discursos e projetos populares, mas continuam apenas simpáticos – em seus mandatos, não se envolvem e nem partilham da dor e do sofrimento do pobre.
A compaixão é uma expressão forte, pessoal, evangélica. Requer envolvimento, participação, solidariedade. 

Jesus compadeceu-se da multidão faminta e providenciou-lhes alimento. Ficou profundamente compadecido quando viu um homem doente de lepra, tocou nele e o curou. Da mesma forma, ao ver o sofrimento de um homem dominado por espíritos imundos, Jesus teve compaixão e o libertou, devolvendo sua sanidade e humanidade. 

Compaixão foi uma das marcas da vida e ministério de Jesus. Sua capacidade de ver, sentir, acolher e envolver-se com a dor e aflição do outro caracterizou sua passagem entre nós.
Como poderemos nos tornar mais compassivos diante da impessoalidade, competitividade e superficialidade da cultura moderna? 

Como romper com a ansiedade, insegurança e medo que nos envolve cada dia mais e nos transforma em seres obcecados pela luta da “sobrevivência”, tornando-nos competitivos, arrogantes e sempre preocupados em “vencer”? 

O caminho para a liberdade e justiça passa pela compaixão

Precisamos voltar nossos olhos para o Evangelho de Cristo e, mais uma vez, sermos transformados por ele. O apelo do apóstolo Paulo, quando pede para “não nos conformarmos com o mundo, mas para sermos transformados pela renovação da mente”, é profundamente atual. 

Não podemos deixar que a cultura moderna, com seu apelo ao egoísmo e à competitividade, modele nossa mente e nos faça olhar para o outro apenas com uma “simpatia” distante e impessoal.

Fomos criados e salvos para amar e nos doar, e o chamado para a compaixão é a forma como o amor e a doação são encarnados. 

Dar pão a quem tem fome e água a quem tem sede, envolver-se com o enfermo e acolher o estranho, visitar o preso e vestir o nu, são algumas formas que Jesus nos apresenta para o exercício da compaixão. 

Talvez, uma síntese de tudo isto é a necessidade de aprendermos a nos alegrar com os que estão alegres e chorar com os que choram, como nos recomendam as Escrituras.

Fonte: http://www.monergismo.com/textos/vida_piedosa/caminhos_compaixao.htm

September 08, 2021

A resiliência dos ipês

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- Drauzio Varella


Na secura do inverno, eles se despem das folhas para poupar energia. Fingem-se de mortos, até nos surpreender com o desabrochar de uma profusão de flores, com pétalas que se juntam em forma de cálices delicados que ao despencar dos galhos, rodopiam em espiral, para tecer um tapete amarelo que forra o asfalto e a calçada, ao redor do tronco.

Há de todos os tamanhos. Alguns são crianças que aos dois ou três anos já medem três metros, idade suficiente para criar as primeiras flores, ainda esparsas, distantes umas das outras. Outros, em compensação, são árvores majestosas de tronco rijo, que atingem 20 ou 30 metros de altura, com galhos emaranhados em copas de cinco ou seis metros de diâmetro, nas quais expõem um buquê amarelo visível a quilômetros de distância.

Senhores do que restou da mata atlântica, conscientes de que viver em São Paulo exige resiliência, sobrevivem em qualquer canto: na calma dos bairros, nos jardins das casas, nos parques, na periferia, no centro e no trânsito das grandes avenidas.

Um deles, plantado no canteiro que separa as duas pistas da rua da Consolação, junto ao cemitério do mesmo nome construído no terreno doado pela Marquesa de Santos, é um escândalo florido.

Ergue-se altaneiro sobre um corredor de ônibus que trafegam nos dois sentidos, alheio à fuligem projetada contra seu corpo, dia e noite. Ele retribui com um arranjo floral que encanta os olhos dos motoristas, a agressão perpetrada por eles.

A beleza é efêmera, no entanto: em uma semana as flores serão varridas das calçadas e esmagadas pelos pneus que passam sem vê-las.

No processo de seleção natural, levaram vantagem evolutiva os ipês mais floridos, capazes de atrair mais insetos para a polinização, processo essencial para a formação das vagens compridas que protegem as sementes aveludadas, capazes de viajar ao sabor do vento para perpetuar a espécie.

Como a ciência não é a única forma de entender o mundo, conta a lenda que Deus um dia reuniu as árvores para perguntar em que estação do ano gostariam de florescer. Quase todas escolheram a primavera ou o verão, algumas preferiram o outono.

O Criador disse, então, que a Terra não podia passar o inverno na tristeza desflorida. O ipê se ofereceu como voluntário. Para recompensá-lo, Ele lhe deu caules fibrosos, longevidade, resistência ao frio e à seca e flores multicoloridas: roxas, rosadas, brancas e amarelas, de tonalidades diversas.

A São Paulo da minha infância era cinzenta. Quem pretendesse descansar a vista num verde, precisava ir aos limites da zona urbana. A primeira providência ao abrir uma rua nova era cortar todas as árvores. As únicas cultivadas eram as frutíferas, nos quintais: goiabeiras, jabuticabeiras, mamoeiros, pitangueiras e ameixeiras que nos obrigavam a pular o muro das casas, para colhê-las assim que ameaçavam amadurecer.

A partir dos anos 1950, a cidade começou a ser arborizada, de início timidamente; de forma sistemática nas últimas décadas.

Hoje, entre outras, temos tipuanas de troncos enormes, com copas que chegam à calçada oposta e espalham milhares de flores amarelas miúdas pelo chão; sibipirunas que dão flores empoleiradas no topo das copas, como se fossem canários pousados; jacarandás mimosos de flores roxas; paus-ferro de troncos brancos, muito altos; quaresmeiras; figueiras de folhagem exuberante; e jerivás, palmeiras com cachos de coquinhos alaranjados que atraem pássaros e o zumbido das abelhas.

São Paulo está longe de ser arborizada. A cidade que cresceu como um polvo com tentáculos, que invadiram e devastaram as matas que a circundaram nos tempos da garoa, ainda tem bairros periféricos e favelas com ruas tão cinzentas quanto as do Brás de quando nasci.

A consciência de que o verde e as flores a tornam mais humana, entretanto, ficou clara até para os paulistas que andam para lá e para cá ensimesmados, com os olhos no trânsito, nas calçadas esburacadas e nos transeuntes sem se dar conta da existência das árvores.

Para o ipê da rua da Consolação nossa apatia distraída não faz a menor diferença. Se vier uma epidemia capaz de varrer a humanidade da face da Terra, no inverno seguinte ele estará lá, frondoso, abarrotado de flores amarelas que o vento irá derrubar.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/drauziovarella/2021/09/ipes-amarelos-sabem-que-sobreviver-em-sao-paulo-exige-resiliencia.shtml

September 07, 2021

É normal?

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- Daniel Martins Barros

- Será que é normal? - me perguntam frequentemente. 

Ossos do ofício. Quando se é psiquiatra as pessoas esperam que a gente tenha no bolso do colete um gabarito com as respostas para definir se um comportamento é normal ou não. Pode ser meio decepcionante, mas não temos. 

“Normal” significa tantas coisas diferentes, desde numericamente comum até moralmente desejável, de esteticamente aprazível a socialmente aceito, que preferimos nos abster de diagnosticar algo como anormal. No máximo temos instrumentos para diferenciar o saudável do patológico. E olhe lá.

Quando se trata de autoridades, a coisa complica ainda mais. Recentemente estive num evento discutindo o papel dos psiquiatras em casos de dúvidas quanto à sanidade de políticos e vimos como o problema é intricado. 

Primeiro porque ele é persistente: os relatos vão da licantropia (quadro em que o sujeito se acreditava transformado em lobo ou outras bestas feras) de Nabucodonosor da Babilônia, passam pela porfiria aguda intermitente (doença do metabolismo do sangue que pode levar a quadros de agitação) do Rei Jorge III na Inglaterra – cujo médico também tratou da rainha D. Maria I, conhecida como “a louca” – atravessa os tempos contemporâneos, na inevitável contestação da sanidade dos ditadores sanguinários, e ao que parece se dirige ao futuro – há um episódio de Star Trek no qual consideram a possibilidade de afastar o capitão da Enterprise (não lembro se o Kirk ou o Picard) por instabilidade mental. Ou seja, a questão sempre existiu e sempre existirá.

Em segundo lugar, o problema é complexo porque, a não ser em casos flagrantes de um rei andando de quatro e uivando pela floresta ou saindo sem roupa pela rua – casos em que o diagnóstico fica mais evidente, justificando a intervenção – estabelecer se determinados comportamentos são patológicos depende do impacto na vida da pessoa. Se o sujeito tem uma característica rara na população – digamos, uma inteligência extremamente elevada – ele não é normal no sentido estatístico. Mas não pode ser considerado doente – tal anormalidade é mais uma vantagem do que um sintoma. E mesmo se pensarmos num sintoma negativo, que supostamente seria desvantajoso para o paciente, ele eventualmente será usado a favor de um povo. Um presidente cronicamente ansioso poderia, por conta disso, tomar atitudes mais precavidas, expondo a população a menos riscos.

Por isso estou decretando moratória à avaliação de normalidade de possíveis candidatos a cargos eletivos. Não me perguntem mais se fulano é anormal. Perguntem se é competente. Mas não para os psiquiatras e sim para todo mundo. 

Perguntem nas urnas. 

Afinal, como diz Jerry Seinfeld numa piada que já citei antes, se fosse normal mesmo a pessoa nem cogitaria ser presidente para começo de conversa. Faz todo sentido. Para se lançar candidata a pessoa precisa logo de saída de uma autoconfiança acima da média. Tem de ser capaz de tolerar conversa fiada com uma paciência fora do comum. E ter uma lábia que também não é normal.

Pensando bem, eu quero mais candidatos anormais

Um presidente normal seguiria a norma vigente do conformismo político, por exemplo, se envolvendo em acordos e negociatas que só alguém anormal teria a coragem de não fazer

Um presidente normal estaria sujeito às mesmas reservas com relação à tecnologia e à ciência que vemos na população geral – precisaríamos de alguém com inteligência acima da média para aceitar inovações, compreender e tentar implementar avanços científicos na nação. 

Um presidente normal seria seduzido por respostas fáceis e superficiais – poderia pensar, por exemplo, que armar a população é uma forma eficaz de diminuir a violência. Seria preciso um presidente fora do normal para ser capaz de se aprofundar no assunto e compreender que a realidade é mais complexa.

Solicito, então, aos candidatos de todos os tipos, seja a síndico ou a prefeito, a presidente do grêmio estudantil ou da República, que apresentem suas credenciais para comprovar que estão fora do normal

Porque pelo visto políticos na média só produzem resultados medíocres.

Fonte: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,ser-normal-significa-tantas-coisas-diferentes,70003832303