Coração compungido e contrito
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- pr. Ricardo Barbosa
Uma das marcas do nosso tempo é o abandono do temor a Deus. Temor é uma palavra que a cultura contemporânea excluiu do seu dicionário. No lugar dela cresce a busca pela autoconfiança. Uma vez que não temos nenhum referencial fora de nós, assumimos que somos nosso próprio deus. Num mundo assim, não existem limites ou fronteiras. Tudo é possível, tudo é permitido, tudo é aceitável. Surge aqui um desequilíbrio perigoso.
A oração do rei Davi no Salmo 51 é uma das grandes pérolas da Bíblia. Não posso imaginar a vida sem esta oração. Ela nos conduz às profundezas da alma humana. Encontramos aqui o espelho dos movimentos mais profundos de nossas emoções. Ela descreve a anatomia da alma humana e demonstra um equilíbrio maduro entre o temor a Deus e uma autoestima saudável.
O contexto é bem conhecido. Trata-se do terrível adultério do rei Davi com Bateseba, seguido da trama para matar seu marido Urias. O plano perverso de Davi acontece. Depois da morte de Urias, ele se casa com Bateseba, o filho nasce, porém Davi não consegue conviver em paz com seu pecado. Graças a Deus por isto. Ele tentou esquecer, remendar, mas nada disto adiantou. Seu corpo começou a sentir o peso do pecado. Por mais que a cultura moderna nos tente convencer que o pecado não existe, os sinais dele estão por toda a parte.
Não havia sacrifício para o pecado de Davi, uma vez que o crime que cometeu foi premeditado. É por isto que ele diz “pois não te comprazes em sacrifícios, do contrário, eu tos daria; e não te agradas de holocaustos.” Davi então entende que o sacrifício com o qual Deus se agrada é um espírito quebrantado e um coração compungido e contrito. Pouca coisa descreve melhor a necessidade humana do que esta declaração de Davi.
Um espírito quebrantado e um coração contrito nos conduzem à realidade sobre quem somos. Observem os pronomes usados por ele: “minhas transgressões; minha iniqüidade; meu pecado; eu pequei contra ti; eu fiz o que é mal, eu nasci na iniqüidade”. Davi tem consciência de quem ele é. Isto nos ajuda a parar de jogar e brincar com a vida, nossa e dos outros. Por causa deste coração e espírito ele assume seu erro e pecado. Não busca justificar seu erro com o erro dos outros, com aquelas conhecidas desculpas: "todo mundo faz a mesma coisa", "não tive escolha", "fui pressionado". Ele não diz que foi "consensual". Adultério é adultério, mesmo sendo consensual. Ele sabe que sua ofensa atinge primeiramente a Deus: “pequei contra ti, contra ti somente, fiz o que é mal perante os teus olhos; esconde o rosto dos meus pecados; não me repulses da tua presença, nem me retires teu santo Espírito”. É a Deus que ele ofendeu, antes de ofender Bateseba e Urias. Isto é o que o temor a Deus produz.
Esta oração nos conduz também a uma compreensão real sobre Deus. Vejam a forma como ele se refere a Deus: compaixão, benignidade, misericórdia, amor, justiça, santidade. Quando Moisés pediu para ver a glória de Deus, ouviu a seguinte resposta: “farei passar toda a minha bondade diante de ti… terei misericórdia e compaixão”. Davi volta-se para esta revelação, para o amor eterno, amor da aliança. É neste amor que ele se apega. É nesta compaixão que ele deposita sua confiança.
É uma oração que nos conduz a um milagre. Encontramos nela afirmações bem enfáticas: “Purifica-me, lava-me, faze-me ouvir júbilo e alegria, cria em mim um coração puro, renova dentro em mim um espírito inabalável, apaga as minhas transgressões, restitui-me a alegria da salvação, sustenta-me com um espírito voluntário, livra-me dos crimes, abre meus lábios”. Quando ele suplica pelo milagre de um coração puro, ele usa a mesma palavra do primeiro versículo de Genesis: Deus criando a partir do nada. Somente Deus pode criar uma nova realidade, uma nova criação. É exatamente o que Jesus veio fazer: “Eis que faço novas todas as coisas”.
Um espírito quebrantado e um coração contrito, Deus não despreza. É somente com um temor sincero para com Deus que podemos desenvolver uma compreensão clara sobre nós. É esta atitude que torna possível ao ser humano construir uma autoconfiança saudável.
Fonte: http://www.ippdf.com.br/ipp/node/583
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