Como lidar com a dor
.
É preciso acolher a dor para viver a alegria
- Isabelle Ludovico
Vivemos numa sociedade que foge da dor e que toma um analgésico ou ansiolítico ao primeiro sinal de dor física ou emocional. No entanto, a dor física é um sintoma, um sinal de alerta que indica uma situação de risco.
Como a maioria de nossas dores provém de somatizações, elas revelam que algumas emoções foram reprimidas. Para não sofrer, nós nos trancamos emocionalmente, mantendo as pessoas à distância e nos alienando de nós mesmos.
Distantes do nosso coração, ficamos também impossibilitados de nos identificar com o outro nas suas dores ou alegrias. Evitar a dor é evitar a vida. É preciso acolher a dor para também desfrutar plenamente da alegria.
A dor emocional é fruto do mal social que é inerente à condição humana num mundo que jaz no maligno – assaltos, acidentes, desemprego. Pode ser ainda de origem relacional (rejeição, abuso, perdas, crises) ou espiritual (perseguição). É gerado pelo mal que me fazem, pelo mal que faço a mim mesma ou ao outro em resposta, ou pela compaixão diante do mal que sofre meu próximo, principalmente quando se trata de um filho, mas também quando me identifico com os excluídos e injustiçados. Curiosamente, existe ainda um sofrimento que acompanha algo bom, como as dores de parto, as dores do crescimento (desmame), vacinas, limites, saída dos filhos etc.
O grande desafio é encontrar Deus na dor, em vez de fugir dela ou duvidar do Seu amor. A Bíblia nos alerta que a tristeza pode gerar vida ou morte (2 Co 7.10), pode ser estéril e até destrutiva ou então fértil.
A questão não é a dor em si, mas como a gente lida com ela. O grande risco é sofrer por razões erradas: pela expectativa irreal de uma vida sem sofrimento e por achar que Deus nos abandonou. No livro Transforma meu Pranto em Dança, Henri Nouwen afirma: “O consolo vem quando nos dispomos a sofrer nossas perdas em vez de negá-las. A cura começa quando saímos do isolamento diabólico para fazer uma conexão entre o nosso sofrimento e o sofrimento de Deus, enxergando o nosso sofrimento como parte de uma grande batalha contra o poder das trevas.
Não temos controle sobre a maioria das nossas circunstâncias. Nossa escolha tem mais a ver com nossa reação face às situações que a vida apresenta: com ressentimento ou gratidão?
Em vez de tentar fugir do sofrimento evitando situações de risco, precisamos reconhecer que a vida não inclui só perdas, mas que todos iremos perder tudo porque iremos, inevitavelmente, morrer. Ao encarnar, Cristo veio plantar neste mundo efêmero a semente da vida eterna. Nessa perspectiva, podemos enxergar nosso sofrimento como temporário. Esperança é muito diferente de resignação passiva, é fé pessoal e íntima naquEle que já venceu a morte e o mal”.
É necessário, primeiro, reconhecer a dor para ser consolado (Mt 5.4). Tendemos a negar a dor ou negar a Deus. Um sinal de maturidade é ser capaz de assumir todas as emoções sem censura e, ao mesmo tempo, reafirmar nossa confiança em Deus. Isso nos ajuda a desmontar o ídolo que construímos através de nossas projeções e expectativas, como podemos ver em muitas teologias distorcidas que colocam na boca de Jesus a promessa de Satanás: “Tudo te darei se prostrado me adorares”.
Quem duvida do amor de Deus se priva de seu consolo e perdão. Até Jesus foi tentado: “Pai, por que me abandonaste?”, mas logo depois entregou-se incondicionalmente. De fato, Cristo nunca prometeu nos poupar do sofrimento. Pelo contrário, Ele nos avisou que passaríamos por provações, mas prometeu estar conosco.
A aceitação do sofrimento me leva de uma fé utilitária baseada nas bênçãos de Deus a uma fé madura que anseia pelo próprio Deus. Não é mais fundamentada nas minhas experiências, mas em quem Deus é. Cristo tomou sobre si nossas enfermidades e dores e foi traspassado pelas nossas transgressões e iniqüidades (Is 53.4,5). Ele lidou com o mal que nos fizeram e o mal que nós fizemos. Ele nos consola e nos capacita a vencer o mal com o bem.
A resiliência diz respeito à capacidade de transformar a dor em crescimento. Passar com honestidade pela dor nos fortalece. Gera, entre outras coisas, maior sensibilidade com os que sofrem, gratidão por sabermos apreciar o que temos, generosidade, capacidade de consolar outros com o consolo que recebemos de Deus.
Fonte: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=76&materia=894
.
0 Comments:
Post a Comment
Note: Only a member of this blog may post a comment.
<< Home