Extorsão x sacrifício: a verdadeira expressão do amor
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Jo 10: 17 e 18
Estes dois versículos, que fazem parte do contexto em que Jesus se apresenta como um Pastor que protege e dirige a vida de suas ovelhas e distingue com propriedade o evangelho de qualquer religião humana. A religião prevê o sacrifício de seus fiéis à divindade, seja nesta ou em outra vida. Tais sacrifícios se diferem em intensidade e qualidade. Dinheiro, tempo, vidas humanas e animais, qualificam um sacrifício. O evangelho, porém, é a notícia de que Deus se sacrificou pelo homem.
Além de afirmar que se sacrificou pela humanidade, Jesus descreve como foi seu sacrifício. Ele ofereceu sua vida pelos homens, nada lhe foi tirado. Ele não foi obrigado a morrer, morreu porque quis.
Equivocadamente temos interpretado e proclamado que a causa da morte de Cristo foram os pecados dos homens, como se Ele estivesse forçado a resolver um problema ocasionado após a Criação. Como se Deus tendo criado o Universo e colocado o homem como seu administrador na Terra fosse pego de surpresa pela rebelião humana e para resolver o problema se viu forçado a morrer na cruz. Tal compreensão é contrária à afirmação fundamental deste texto, de que Jesus entregou sua vida, sem que fosse forçado, sem que ela lhe fosse tirada.
Foi sua decisão entregar-se como sacrifício pela humanidade, antes mesmo de criar o Universo. Sabedor que é de tudo o que há, antes mesmo que seja manifesto na história, de acordo com seu poder como Deus, decidiu criar, mesmo sabendo que a humanidade se rebelaria e por isso, como já disse um profeta nosso contemporâneo, antes de dizer Haja Luz, Deus disse Haja Cruz. O cordeiro foi imolado antes da fundação do mundo, como nos diz João em apocalipse. Pedro, em sua carta, nos afirma que o sacrifício de Cristo é conhecido antes da fundação do mundo e manifesto na história. O fato do qual tomamos conhecimento na história da humanidade é apenas a manifestação concreta da realidade existencial que é a razão de todas as coisas, que Deus nos amou antes, se entregou antes, para que a criação fosse possível. Por isso é que Paulo afirma em Colossenses que tudo foi feito por Cristo, para Cristo, em Cristo.
Enfim, Cristo entregou-se por amor ao homem. Por isso que o evangelho padroniza o amor afirmando que Deus é amor. Amor é o que Ele é e a maneira como o expressou. Portanto, amar é entregar-se, é dar de si ao outro na expectativa de redimir o outro. Nada tem a ver com a versão caótica de amor que o prevê como uma troca, apenas sendo digno de nosso amor quem da mesma maneira nos ama. Na versão divina, amar é dar na expectativa de que a oferta torne digno o objeto do amor; não ama pela dignidade do ser, mas para dignificá-lo.
A resposta do seguidor de Jesus é amar como Ele amou. No entanto, o que poderia sugerir um caminho ainda mais utópico de prática cristã, se torna uma libertação. Porque poderíamos dizer que se devemos amar como Jesus amou então devemos entregar nossa vida pelas pessoas e literalmente morrer por elas. Tal sugestão nos levaria a trilhar ou o caminho do cinismo e dizer que já que é impossível então nem deve ser levado a sério, ou o caminho da tentativa de dar além de nossos limites. Aqui é que está a questão.
Porque no exemplo de Jesus, amar é dar tudo o que se tem. O que Ele tinha era sua vida. Nós não. Nós temos bem menos.
Acontece que geralmente somos forçados a dar além de nossas possibilidades, além de nossos limites. Somos violentados, furtados, invadidos por exigências e cobranças sem fim. E fazemos isso com os outros. Nossas relações se sustentam em um sem número de cobranças e exigências, de expectativas ora declaradas e ora veladas. Esperamos muito das pessoas e as cobramos se não satisfizerem-nos, depositamos sobre os outros nosso prazer e alegria. Sofremos com isso do mesmo modo e assim vamos criando um ambiente de relacionamento adoecido.
As pessoas invadem nossa privacidade, roubam nosso tempo, tiram nosso dinheiro, abusam de nossos favores e não se saciam. Fazemos as mesmas coisas. E achamos que isso tudo é amor. Mas não é este tipo de sacrifício que se assemelha ao amor de Jesus porque nestes casos nós estamos dando o que não temos, estamos sendo forçados a dar, alguma coisa nos está sendo tirada, configurando então não sacrifício, mas extorsão. Dar o que se tem já é o sacrifício e nunca nos diminiu, nunca nos deixa com menos, porque da mesma maneira que Jesus deu sua vida e a teve de volta, quando damos de nós, o que é nosso e o que fazemos, recebemos de volta a experiência de quem ama como Jesus ama. Quem dá de si, se sacrifica e sempre recebe de volta.
Este equivocado sacrifício que exige das pessoas além do que elas podem ser, dar ou produzir não é amor, é extorsão, adoece o ser. Então as pessoas passam a vida toda sacando de suas contas emocionais e físicas tudo aquilo que lhes é exigido e um dia seu corpo grita “não aguento mais”, um dia o coração avisa “estou parando, não vou aguentar”, um dia a mente diz “vou embora, não aguento mais”.
E por que permitimos que nos invadam e nos agridam? Porque temos medo de que se dissermos não, seremos mal interpretados e, consequentemente, rejeitados. Queremos ser aceitos e por isso aceitamos dar além do que podemos, colocando nossa saúde em risco. Algumas pessoas chegam a níveis patológicos de permissão ao abuso, se tornam escravas dos apetites alheios, servem a todos os fetiches do outro, por medo de serem abandonadas se submetem a todas as exigências.
Quando damos além do que podemos, esquecemos que damos não somente de nós mesmos, mas daqueles que convivem conosco. Esquecemos que nós não existimos sozinhos e que nossos atos afetam diretamente algumas pessoas muito próximas de nós. Por isso é que quando damos além da conta, passamos a dar o que é dos outros, o que é dos nossos queridos, que se vêem forçados a fazer parte de nossas aventuras de doação e mesmo não querendo fazer aquilo, passam a ser extorquidos também. Então os filhos sofrem com os atos dos pais, os cônjuges e por aí vai. E a situação piora quando o argumento usado é o amor e a bondade, porque aqueles que se sentem usados e invadidos pela oferta do outro passam a se sentir também culpados por não serem “tão dadivosos”.
Quem quiser amar como Jesus amou terá de aprender a dizer não. E em dizendo não terá de aprender a conviver com a rejeição. Porque nós jamais poderemos suprir todas as necessidades das pessoas, satisfazer todas as carências e expectativas, sequer conseguiremos atender a todas as pessoas, por isso precisaremos dizer não com regularidade.
Tal atitude convicta nos aliviará. Seremos libertos de uma vida de atendimento aos outros sem a permissão de nosso coração. Pensaremos primeiro em nós. E isso não é egoísmo, mas responsabilidade porque egoísmo não é pensar primeiro em si mesmo, mas pensar somente em si mesmo. Quem pensa primeiro nos outros, dá além do que pode, quem pensa primeiro em si mesmo, cuida de si mesmo e se descobre em si mesmo e está pronto para atender às outras pessoas dando de si, aquilo que tem e que pode dar, atendendo algumas necessidades e criando um ambiente de amor sacrificial verdadeiro, onde o sacrifício não usurpa ninguém. Egoísmo é poder dar de si e não dar, amor é dar apenas o que se tem pra dar, a religião, no entanto, cobra que demos além do que podemos dar.
Amar como Jesus amou é amar a Deus com todo o ser e ao próximo como a si mesmo. Podemos traduzir que cuidar como Jesus cuidou é cuidar do outro como se cuida de si mesmo. E por aí vai. Quem cuida de si mesmo, reconhece seus limites, não permite agressões e invasões, é mais saudável e tem mais saúde para transmitir às pessoas. Não dá para ser reconhecido e aplaudido porque não teme mais ser rejeitado quando não satisfaz todas as expectativas dos outros, portanto ama livremente, porque amar é dar o que se tem, livre e espontaneamente, sem pressão, sem agressão, sem roubo, apenas porque se quis dar.
Todo o evangelho se sustenta nisso. Dá a Deus quem dá com alegria o que propôs no coração e de nada vale dar a vida para ser queimada, todo dinheiro aos pobres ou oferecer todo o conhecimento para o bem da humanidade, se isso não for feito com amor, ou seja, se não for o que se tem e o que se pode dar.
Seja liberto dos roubos a que você foi submetido até hoje. Liberte as pessoas que você prende em suas armadilhas emocionais e agressivas, em suas chantagens e cobranças. E somente depois de se libertar, observe o que há em você, quem é você, o que você tem e aí então, com amor e gratidão, sacrifique o que tem para cooperar com Deus na redenção da humanidade.
Para a Glória dEle e para o bem de todos: de quem recebe e de quem dá, porque só é mais feliz quem dá do que quem recebe; se quem dá, dá aquilo que tem, só o que tem.
© 2005 Alexandre Robles
Fonte: http://www.alexandrerobles.com.br/extorsao-versus-sacrificio-a-verdadeira-expressao-do-amor/
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Por isto o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim, pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para entregar e também para reavê-la. Este mandato recebi de meu Pai.
Jo 10: 17 e 18
Estes dois versículos, que fazem parte do contexto em que Jesus se apresenta como um Pastor que protege e dirige a vida de suas ovelhas e distingue com propriedade o evangelho de qualquer religião humana. A religião prevê o sacrifício de seus fiéis à divindade, seja nesta ou em outra vida. Tais sacrifícios se diferem em intensidade e qualidade. Dinheiro, tempo, vidas humanas e animais, qualificam um sacrifício. O evangelho, porém, é a notícia de que Deus se sacrificou pelo homem.
Além de afirmar que se sacrificou pela humanidade, Jesus descreve como foi seu sacrifício. Ele ofereceu sua vida pelos homens, nada lhe foi tirado. Ele não foi obrigado a morrer, morreu porque quis.
Equivocadamente temos interpretado e proclamado que a causa da morte de Cristo foram os pecados dos homens, como se Ele estivesse forçado a resolver um problema ocasionado após a Criação. Como se Deus tendo criado o Universo e colocado o homem como seu administrador na Terra fosse pego de surpresa pela rebelião humana e para resolver o problema se viu forçado a morrer na cruz. Tal compreensão é contrária à afirmação fundamental deste texto, de que Jesus entregou sua vida, sem que fosse forçado, sem que ela lhe fosse tirada.
Foi sua decisão entregar-se como sacrifício pela humanidade, antes mesmo de criar o Universo. Sabedor que é de tudo o que há, antes mesmo que seja manifesto na história, de acordo com seu poder como Deus, decidiu criar, mesmo sabendo que a humanidade se rebelaria e por isso, como já disse um profeta nosso contemporâneo, antes de dizer Haja Luz, Deus disse Haja Cruz. O cordeiro foi imolado antes da fundação do mundo, como nos diz João em apocalipse. Pedro, em sua carta, nos afirma que o sacrifício de Cristo é conhecido antes da fundação do mundo e manifesto na história. O fato do qual tomamos conhecimento na história da humanidade é apenas a manifestação concreta da realidade existencial que é a razão de todas as coisas, que Deus nos amou antes, se entregou antes, para que a criação fosse possível. Por isso é que Paulo afirma em Colossenses que tudo foi feito por Cristo, para Cristo, em Cristo.
Enfim, Cristo entregou-se por amor ao homem. Por isso que o evangelho padroniza o amor afirmando que Deus é amor. Amor é o que Ele é e a maneira como o expressou. Portanto, amar é entregar-se, é dar de si ao outro na expectativa de redimir o outro. Nada tem a ver com a versão caótica de amor que o prevê como uma troca, apenas sendo digno de nosso amor quem da mesma maneira nos ama. Na versão divina, amar é dar na expectativa de que a oferta torne digno o objeto do amor; não ama pela dignidade do ser, mas para dignificá-lo.
A resposta do seguidor de Jesus é amar como Ele amou. No entanto, o que poderia sugerir um caminho ainda mais utópico de prática cristã, se torna uma libertação. Porque poderíamos dizer que se devemos amar como Jesus amou então devemos entregar nossa vida pelas pessoas e literalmente morrer por elas. Tal sugestão nos levaria a trilhar ou o caminho do cinismo e dizer que já que é impossível então nem deve ser levado a sério, ou o caminho da tentativa de dar além de nossos limites. Aqui é que está a questão.
Porque no exemplo de Jesus, amar é dar tudo o que se tem. O que Ele tinha era sua vida. Nós não. Nós temos bem menos.
Acontece que geralmente somos forçados a dar além de nossas possibilidades, além de nossos limites. Somos violentados, furtados, invadidos por exigências e cobranças sem fim. E fazemos isso com os outros. Nossas relações se sustentam em um sem número de cobranças e exigências, de expectativas ora declaradas e ora veladas. Esperamos muito das pessoas e as cobramos se não satisfizerem-nos, depositamos sobre os outros nosso prazer e alegria. Sofremos com isso do mesmo modo e assim vamos criando um ambiente de relacionamento adoecido.
As pessoas invadem nossa privacidade, roubam nosso tempo, tiram nosso dinheiro, abusam de nossos favores e não se saciam. Fazemos as mesmas coisas. E achamos que isso tudo é amor. Mas não é este tipo de sacrifício que se assemelha ao amor de Jesus porque nestes casos nós estamos dando o que não temos, estamos sendo forçados a dar, alguma coisa nos está sendo tirada, configurando então não sacrifício, mas extorsão. Dar o que se tem já é o sacrifício e nunca nos diminiu, nunca nos deixa com menos, porque da mesma maneira que Jesus deu sua vida e a teve de volta, quando damos de nós, o que é nosso e o que fazemos, recebemos de volta a experiência de quem ama como Jesus ama. Quem dá de si, se sacrifica e sempre recebe de volta.
Este equivocado sacrifício que exige das pessoas além do que elas podem ser, dar ou produzir não é amor, é extorsão, adoece o ser. Então as pessoas passam a vida toda sacando de suas contas emocionais e físicas tudo aquilo que lhes é exigido e um dia seu corpo grita “não aguento mais”, um dia o coração avisa “estou parando, não vou aguentar”, um dia a mente diz “vou embora, não aguento mais”.
E por que permitimos que nos invadam e nos agridam? Porque temos medo de que se dissermos não, seremos mal interpretados e, consequentemente, rejeitados. Queremos ser aceitos e por isso aceitamos dar além do que podemos, colocando nossa saúde em risco. Algumas pessoas chegam a níveis patológicos de permissão ao abuso, se tornam escravas dos apetites alheios, servem a todos os fetiches do outro, por medo de serem abandonadas se submetem a todas as exigências.
Quando damos além do que podemos, esquecemos que damos não somente de nós mesmos, mas daqueles que convivem conosco. Esquecemos que nós não existimos sozinhos e que nossos atos afetam diretamente algumas pessoas muito próximas de nós. Por isso é que quando damos além da conta, passamos a dar o que é dos outros, o que é dos nossos queridos, que se vêem forçados a fazer parte de nossas aventuras de doação e mesmo não querendo fazer aquilo, passam a ser extorquidos também. Então os filhos sofrem com os atos dos pais, os cônjuges e por aí vai. E a situação piora quando o argumento usado é o amor e a bondade, porque aqueles que se sentem usados e invadidos pela oferta do outro passam a se sentir também culpados por não serem “tão dadivosos”.
Quem quiser amar como Jesus amou terá de aprender a dizer não. E em dizendo não terá de aprender a conviver com a rejeição. Porque nós jamais poderemos suprir todas as necessidades das pessoas, satisfazer todas as carências e expectativas, sequer conseguiremos atender a todas as pessoas, por isso precisaremos dizer não com regularidade.
Tal atitude convicta nos aliviará. Seremos libertos de uma vida de atendimento aos outros sem a permissão de nosso coração. Pensaremos primeiro em nós. E isso não é egoísmo, mas responsabilidade porque egoísmo não é pensar primeiro em si mesmo, mas pensar somente em si mesmo. Quem pensa primeiro nos outros, dá além do que pode, quem pensa primeiro em si mesmo, cuida de si mesmo e se descobre em si mesmo e está pronto para atender às outras pessoas dando de si, aquilo que tem e que pode dar, atendendo algumas necessidades e criando um ambiente de amor sacrificial verdadeiro, onde o sacrifício não usurpa ninguém. Egoísmo é poder dar de si e não dar, amor é dar apenas o que se tem pra dar, a religião, no entanto, cobra que demos além do que podemos dar.
Amar como Jesus amou é amar a Deus com todo o ser e ao próximo como a si mesmo. Podemos traduzir que cuidar como Jesus cuidou é cuidar do outro como se cuida de si mesmo. E por aí vai. Quem cuida de si mesmo, reconhece seus limites, não permite agressões e invasões, é mais saudável e tem mais saúde para transmitir às pessoas. Não dá para ser reconhecido e aplaudido porque não teme mais ser rejeitado quando não satisfaz todas as expectativas dos outros, portanto ama livremente, porque amar é dar o que se tem, livre e espontaneamente, sem pressão, sem agressão, sem roubo, apenas porque se quis dar.
Todo o evangelho se sustenta nisso. Dá a Deus quem dá com alegria o que propôs no coração e de nada vale dar a vida para ser queimada, todo dinheiro aos pobres ou oferecer todo o conhecimento para o bem da humanidade, se isso não for feito com amor, ou seja, se não for o que se tem e o que se pode dar.
Seja liberto dos roubos a que você foi submetido até hoje. Liberte as pessoas que você prende em suas armadilhas emocionais e agressivas, em suas chantagens e cobranças. E somente depois de se libertar, observe o que há em você, quem é você, o que você tem e aí então, com amor e gratidão, sacrifique o que tem para cooperar com Deus na redenção da humanidade.
Para a Glória dEle e para o bem de todos: de quem recebe e de quem dá, porque só é mais feliz quem dá do que quem recebe; se quem dá, dá aquilo que tem, só o que tem.
© 2005 Alexandre Robles
Fonte: http://www.alexandrerobles.com.br/extorsao-versus-sacrificio-a-verdadeira-expressao-do-amor/
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