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Quanto é necessário para se sentir pleno, realizado? O que precisamos para
vivermos contentes? Por que vivemos num estado crônico de descontentamento? O
casamento nunca é bom o suficiente, o salário está sempre aquém das nossas
necessidades, o corpo sempre tem uns quilinhos a mais, e por aí vai. Porém, a
pergunta que sempre fazemos e que não temos resposta é: Qual o limite? Quanto é
necessário para estar contente?
- Ricardo Barbosa
Somos incapazes de lidar com o
sucesso e o fracasso, com as conquistas e derrotas. Não compreendemos o
significado da espera, o valor da frustração. Temos grande dificuldade de nos
ajustar às mudanças, principalmente quando elas nos colocam, mesmo que
temporariamente, em situações difíceis.
A carta que Paulo escreve aos
cristãos de Filipos apresenta um dos testemunhos mais eloquentes sobre paz do
contentamento. Sua experiência em Filipos não foi nada agradável. Apesar da
conversão de Lídia e a libertação de uma jovem que era abusada comercialmente
por homens inescrupulosos, Paulo foi preso e açoitado. Algum tempo depois, preso
em Roma, ele escreve esta carta de gratidão. No entanto, o espírito de Paulo não
encontrava-se preso.
Muitas vezes, é de dentro de uma prisão que descobrimos
nossa verdadeira liberdade.
Paulo era um homem livre. Não apenas livre,
ele era um homem contente, realizado e em paz. A declaração que demonstra a
liberdade que ele gozava é de uma grandeza sem precedentes: “Digo isto, não por
causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação.
Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as
circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de
abundância como de escassez” (Fp 4.11 e 12). Viver contente em qualquer situação
é uma realidade possível.
É interessante notar que várias palavras tomam
outro significado quando incluímos Deus nelas. A palavra que Paulo usa para
contentamento é “autarkeia”, da mesma raiz da palavra “autarquia”, que significa
“suficiência própria”, “autossatisfação”. Um amigo meu da Marinha disse que
quando uma esquadra sai para uma missão, eles chamam de “autarquia” -
eles têm
tudo o que necessitam para aquela missão. Para Paulo, a autossuficiência, ou
autossatisfação, não diz respeito a algum estado de independência, mas uma
consciência de que Deus sempre provê o necessário. Ele tem o que precisa, nem
mais, nem menos.
Para Paulo, o contentamento (autarkeia) era esta
capacidade dada por Deus de ter uma cosmovisão que incluía Deus e seus caminhos
misteriosos; uma flexibilidade que o tornava mais aberto para aceitar novas
dimensões da realidade. Este estado constante de contentamento veio através de
um longo processo de aprendizado. Ele mesmo diz que “aprendeu a viver contente
em toda e qualquer situação”. Como? Parece-me que duas disciplinas espirituais
foram fundamentais neste longo caminho de aprendizado: oração e
meditação.
A ansiedade sempre foi um grande obstáculo ao contentamento.
Muitos encontram-se
presos nas memórias do passado e nas incertezas do futuro.
Enquanto nos d
ebatemos com o passado e o futuro, o presente é dominado pela
ansiedade. Como Paulo lida com isto? Ele ora. “Não andeis ansiosos de coisa
alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições,
pela oração e pela súplica, com ações de graças. E a paz de Deus, que excede
todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus”
(Fp 4.6 e 7). Em suas orações, Paulo suplica e agradece. A preposição “com”
(súplica com ações de graças) une estes dois aspectos da oração.
Somos
levados a ser
gratos por aquilo que julgamos que é bom e
suplicar por aquilo que
julgamos não ser bom. Suplicamos por uma coisa e agradecemos por outra. Paulo
não separa. Este é um princípio do contentamento:
entrega confiante e
gratidão
constante. O contentamento nasce da
certeza de que Deus sempre ouve e responde
nossas súplicas. Teremos sempre o suficiente. Paulo estava privado de liberdade,
mas tinha ampla suficiência em tudo. Suas experiências com
a humilhação e
pobreza não limitaram sua gratidão nem sua consciência de que Deus sempre provê
tudo o que é necessário.
O resultado do longo exercício espiritual da
súplica com gratidão fez com que Paulo experimentasse uma paz divina que é maior
do que a lógica humana. Uma paz interior que envolve coração e mente em Cristo.
Suas
emoções, sentimentos, valores e conceitos estavam seguros em
Cristo.
A prática da meditação foi outro recurso espiritual na formação
de um espírito contente em Paulo. “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro,
tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é
amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe,
seja isso o que ocupe o vosso pensamento. O que também aprendestes, e
recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai; e o Deus da paz será
convosco” (Fp 4.8 e 9). Paulo procurava
ocupar sua mente com aquilo que é
verdadeiro, justo, amável.
Uma das causas do
descontentamento vem das
mentiras que nossa mente abraça. Estamos cercados por elas. Estão presentes nos
programas e propagandas na TV, nos debates políticos, nos outdoors. A mente de
Paulo não se ocupava com estas coisas. O contentamento é fruto de um longo
processo no qual nossas mentes são envolvidas num outro
cenário de verdade,
justiça e graça.
Além de meditar nas gloriosas e libertadoras verdades de
Deus, ele também incentivava seus leitores a meditar e observar a vida dos
santos. Convidava seus leitores a observarem suas palavras e seu comportamento.
Em nossa cultura somos levados todos os dias a ouvir e aprender com celebridades
fúteis, políticos inescrupulosos, religiosos vazios e vaidosos. Temos uma lista
enorme de mulheres e homens que nos deixaram exemplos e palavras de grande
inspiração e valor.
Este é o testemunho eloquente de Paulo: “aprendi a
viver contente em toda e qualquer situação”. Noutras palavras: “
aprendi a
encontrar, dentro de mim, uma satisfação intensa e real no meio de qualquer
situação”. Não era a riqueza ou a pobreza, nem a honra ou a humilhação que iriam
determinar o estado do seu espírito, mas a
consciência da suficiência da graça
de Deus nele.
Fonte: http://www.ultimato.com.br/conteudo/a-paz-do-contentamento-1
PS- Para ouvir a trilha do dia, vai lá: https://www.youtube.com/watch?v=s_6aB6S2aOA
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