A simplicidade do evangelho e a sofisticação da igreja
.
- Ricardo Barbosa
- Ricardo Barbosa
O evangelho de Jesus Cristo é simples. Simples na forma e simples no
conteúdo. A vida e o ministério de Jesus acontecem num cenário simples. Ele
anunciou as boas novas do reino de Deus, demonstrou a presença do reino através
de palavras, exemplos e ações. Convidou pessoas para estarem e aprenderem com
ele. Sofreu as incompreensões do sistema religioso e político do seu tempo.
Morreu e ressuscitou.
Após a ressurreição, encontrou-se com seus discípulos e
comunicou-lhes que recebera toda autoridade no céu e na terra, e que, como Rei e
Senhor, enviou seus discípulos para anunciarem as boas novas, levando homens e
mulheres a guardarem tudo o que ele ensinou, integrando-os numa comunidade
trinitária por meio do batismo, e prometeu estar com eles todos os dias, até o
fim.
Alguns dias depois, no meio da festa de Pentecostes, 120 discípulos estavam
reunidos em Jerusalém, e a promessa de Jesus se cumpriu. Todos foram cheios do
Espírito Santo, começaram a viver a nova realidade anunciada por Jesus, saíram
alegremente, por todo canto, pregando a boa notícia de que Deus visitou seu povo
e trouxe salvação, justiça e liberdade.
A história seguiu e os cristãos foram se multiplicando, organizando
igrejas, criando instituições, formas e ritos. Porém, as instituições cresceram
e suas estruturas se tornaram mais complexas e sofisticadas. Transformaram-se
num fim em si mesma. A simplicidade do evangelho foi substituída pela
complexidade institucional.
C. S. Lewis, na carta 17 do livro “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”,
aborda o tema da glutonaria e afirma que uma das grandes realizações do maligno
no último século foi retirar da consciência dos homens qualquer preocupação
sobre o assunto, e isso aconteceu quando ele transformou a “gula do excesso na
gula da delicadeza”. Para C. S. Lewis, o problema da gula, muitas vezes, não
está no excesso de comida, mas na sofisticação, na exigência de detalhes em
relação ao vinho, ao ponto do filé ou ao cozimento da massa. Fica impossível
atender a um paladar tão sofisticado. A simplicidade do ato de comer dá lugar à
sofisticação gastronômica. Pessoas assim, segundo o autor inglês, demitem
cozinheiras, destratam garçons, abandonam restaurantes, cultivam relacionamentos
falsos e terminam a vida numa solidão amarga.
Como igreja, corremos o mesmo risco. A simplicidade e pureza do evangelho
já não provocam prazer na maioria dos cristãos ocidentais. A sofisticação da
igreja, sim. É o vaso tornando-se mais valioso que o tesouro contido nele. Se a
música não estiver no volume perfeito, o ar condicionado no ponto exato, a
pregação no tempo apropriado, com conteúdo que agrade a todos os paladares e com
o bom uso dos aparatos tecnológicos, talvez eu não me agrade desta
igreja.
Justificamos a sofisticação com expressões como “busca por excelência”,
“relevância”, “qualidade”. Parece justo. O problema é que a excelência ou a
relevância do evangelho está exatamente na sua simplicidade. É cada vez mais
fácil encontrar cristãos que acharam a “igreja certa” do que os que simplesmente
encontraram o evangelho. A sofisticação da igreja mantém o cristão num estado de
espiritualidade falsa e superficial. A maior deficiência do cristianismo não
está na forma, mas no conteúdo.
A verdadeira experiência espiritual requer um coração aquecido e não
sentidos aguçados. Precisamos elevar nossos afetos por Cristo, seu reino, sua
Palavra e seu povo, e não os níveis de sofisticação e exigências institucionais. O vaso deve ser de barro, sempre. O tesouro que ele guarda, o evangelho simples
de Jesus Cristo, é que tem grande valor.
A sofisticação produz queixas,
impaciência, falta de caridade e egoísmo. A simplicidade sempre nos conduz a
compaixão, sinceridade, devoção e auto-doação.
Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/340/a-simplicidade-do-evangelho-e-a-sofisticacao-da-igreja
0 Comments:
Post a Comment
Note: Only a member of this blog may post a comment.
<< Home