A lição do turista (ou como não se arrepender de não ter tido tempo para o que importa)
.
Quanto mais importante um relacionamento, mais nós achamos que ele é
para sempre. E por isso deixamos de aproveitá-lo como poderíamos
- Daniel Martins de Barros
Acho
que o arrependimento mais comum que as pessoas apresentam, seja perto
da morte, seja num momento de balanço da vida, tem a ver com a forma
como investiram o tempo nos relacionamentos. A frase “Gostaria de ter
uma segunda chance para…” é quase sempre completada por coisas como “dar
mais tempo aos filhos antes que eles crescessem”, “gastar mais tempo
com a esposa antes que o casamento acabasse” e assim por diante. Por que
será?
Tenho
uma teoria. Comecemos por uma analogia: já reparou que ninguém é
turista na sua própria cidade? Geralmente no lugar em que moramos nós
não separamos tempo para visitar pontos históricos, não fotografamos as
estátuas públicas, mal conhecemos os teatros municipais. Quando
viajamos, no entanto, dá-se exatamente o contrário – queremos
visitar dezenas de lugares em poucos dias, tiramos fotografia até das
sombras, sacrificamos horas de descanso para ir ao maior número de
lugares possível.
No
papel de turistas temos a sensação que é a única chance de ver aquilo, e
por isso saímos afobadamente tentando conhecer tudo – nos arriscando a
não conhecer realmente nada. E quando somos moradores desdenhamos das
preciosidades que nos cercam, porque cremos que elas sempre estarão por
ali quando quisermos vê-las – e muitas vezes não as conhecemos nunca.
O paralelo com nossos relacionamentos, se não é perfeito, pode ser esclarecedor.
Os
começos de relacionamento tendem a ser intensos: seja numa grande
amizade, num namoro, nos pais de primeiro filho, a busca pela presença
do outro é contínua, quer-se fazer tudo junto, as conversas são longas,
os encontros nunca longos o bastante. São situações em que o risco é de
um sufocar o outro, privá-lo de seu espaço privado necessário. Não é
muito agradável, mas não é a causa dos grandes arrependimentos da vida.
O
problema maior está na outra ponta, nos vínculos que estabelecemos com
pessoas que, de tão presentes e constantes, simplesmente contamos que
estarão ali no dia seguinte. Pais, filhos, esposa, avós, amigos íntimos –
quanto mais próximo o relacionamento, mais ele corre o risco de ser
classificado como permanente. É aí que, como fazemos no dilema morador x
turista, investimos mais energia em coisas passageiras do que nas
pessoas próximas, porque afinal estas sempre estarão disponíveis,
qualquer dia a gente senta com calma. Até que a separação – fim
inevitável de todo relacionamento bem sucedido – acaba com a
possibilidade do amanhã. E surge o arrependimento.
Mas
não se trata de uma conclusão pessimista. A mensagem principal aqui não
é a de que todo relacionamento um dia vai acabar (embora vá. Essa é a
mensagem secundária). O mais importante é saber que, assim como as
cidades, as pessoas que nos cercam escondem tesouros especiais para quem
procurar, e o tempo gasto nessa busca rende as melhores experiências de
nossas vidas.
Fonte: http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/daniel-martins-de-barros/a-licao-do-turista-como-nao-se-arrepender-de-nao-ter-tido-tempo-para-o-que-importa/
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