1 Senhor,
o meu coração não se elevou nem os meus olhos se levantaram; não me
exercito em grandes matérias, nem em coisas muito elevadas para mim.
2 Certamente que me tenho portado e sossegado como uma criança desmamada de sua mãe; a minha alma está como uma criança desmamada.
3 Espere Israel no Senhor, desde agora e para sempre.
Salmo 131
- Jonathan Simões Freitas
O
tema deste pequeno salmo é a postura da alma. Seu porte, sua atitude,
seu sentimento, seu ânimo. Os dois primeiros versos contrastam duas
posturas pessoais: uma negada, outra afirmada. Por fim, o último
versículo exorta à postura correta.
A postura negada: procurar se elevar
Os
termos utilizados no primeiro verso remetem à imagem de altura,
grandeza: “elevar”, “levantar”, “grandes”. Essa imagem, por sua vez,
está associada à maravilhamento – Deus, por exemplo, é louvado como
“Altíssimo” e “grandioso” em diversos textos. Portanto, a postura negada
é a de querer ser maior e, assim, mais admirado – o que corresponderia a
um “coração soberbo” e “olho altivo”.
A questão-chave, nesse
contexto, é: “maior em relação a quem?”. Para o salmista, o parâmetro de
referência é quem se é: “para mim”. Ou seja, não quem os outros são,
pois este tipo de comparação produz orgulho ou inveja. A postura negada é
procurar ser quem você não é. Como Paulo disse: “Porque, se quiser
gloriar-me, não serei néscio, porque direi a verdade; mas deixo isto,
para que ninguém cuide de mim [pense a meu respeito] mais do que em mim
vê ou de mim ouve” (1Co 12.6). Em outras palavras: “não quero parecer
quem eu não sou de fato”.
O
sentimento do salmista não é de comodismo consigo mesmo; o título do
salmo indica autoria do engajado rei Davi. Antes, a atitude que o
inspira é de auto-rebaixamento, humilhação – ou, mais precisamente,
“humildade”. Como ele próprio disse em outra passagem, “me rebaixarei
ainda mais, e me humilharei aos meus próprios olhos” (2Sm 6.22a).
Isso
não significa tentar ser menor do que quem você é; quem escreve o salmo
é o glorioso rei de Israel. Pelo contrário, significa se fazer menor
para com os outros – ou, para usar uma antítese, “o maior servo”.
Davi,
sendo rei, demonstra, nesse salmo, “o mesmo sentimento que houve também
em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser
igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,
fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem,
humilhou-se a si mesmo (…)” (Fp 2.5-8).
As dádivas de Deus
Um
capítulo que lembra muito essa mensagem é Romanos 12. No versículo 16,
Paulo diz: “sede unânimes entre vós [tenham uma mesma atitude uns para
com os outros]; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às
humildes; não sejais sábios em vós mesmos [aos seus próprios olhos]”.
Sendo que, no verso 3, o apóstolo já tinha dito: “Porque, pela graça que
me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além
do que convém; antes, pense com moderação, conforme a medida da fé que
Deus repartiu a cada um”. Em outra tradução: “Ninguém tenha de si mesmo
um conceito mais elevado do que deve ter; mas, ao contrário, tenha um
conceito equilibrado”.
O contexto aqui é o dos “dons”, que também
podem ser vistos como o “lugar” , que nos são dados (!) por Deus no
corpo de Cristo. Esse cenário alinha-se perfeitamente com a aplicação
desse princípio feita por Paulo a si mesmo em 1Co 4.6–7: “E eu, irmãos,
apliquei estas coisas, por semelhança, a mim e a Apolo, por amor de vós;
para que em nós aprendais a não ir além do que está escrito, não vos
ensoberbecendo a favor de um contra outro. Pois, quem torna você
diferente de qualquer outra pessoa? O que você tem que não tenha
recebido? E se o recebeu, por que se orgulha, como se assim não fosse?”.
Portanto, para o apóstolo, o que cura o orgulho é um senso claro da
dádiva.
Ainda
para os coríntios, ele reafirma: “Porque não ousamos [temos a pretensão
de] classificar-nos, ou comparar-nos com alguns, que se louvam
[recomendam] a si mesmos; mas estes que se medem a si mesmos, e se
comparam consigo mesmos [para se louvarem/recomendarem], estão sem
entendimento. Porém, não nos gloriamos fora da medida [limite], mas
conforme a reta medida que Deus nos deu [a esfera de ação que Deus nos
confiou], para chegarmos até vós; Porque não nos estendemos além do que
convém (…). Aquele, porém, que se gloria, glorie-se no Senhor. Porque
não é aprovado quem a si mesmo se louva [recomenda], mas, sim, aquele a
quem o Senhor louva [recomenda]” (2Co 10.12–18).
Nesse sentido, o que
conta não é a quantidade relativa de dons que você tem, mas ser um
mordomo fiel no “lugar” que Deus confiou a você – como na famosa
parábola dos talentos.
A postura afirmada: sossegar no Senhor
Em
contraposição à postura da alma, de procurar se elevar, o segundo verso
aponta o sossego no Senhor como a atitude apropriada do coração. Mais
que isso, esse versículo associa o sossegar a uma verdadeira humildade.
Afinal, o modelo dado para essa postura é o da criança recém-nascida –
o ser humano mais baixinho, “pequenino”, não altivo nem grandioso (como
Davi, autor do salmo e o caçulinha da sua família).
Essa forma
de ver a questão faz lembrar algumas palavras do próprio Jesus, como
quando respondeu aos discípulos: “Quem é o maior no reino dos céus?
Aqueles que se tornam humildes como uma criança!” (cf. Mt 18.1-15). De
fato, ele os encorajou nesse sentido: “Vinde a mim, todos os que estais
cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e
aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis
descanso para as vossas almas (...)” (Mt 11.28-30).
Encontre o que procura
Além
de humildade, satisfação e contentamento também estão associados ao
sossego no Senhor. O salmista especifica a criança-modelo como aquela
“recém-amamentada”. Ou seja, aquela satisfeita com o leite materno que
acabou de saciá-la.
Definitivamente, essa não é a postura de alma
típica da nossa cultura. Como os Rolling Stones gritam por décadas
(aludindo a Ec 12.1b?): I can’t get no satisfaction! Ou, como o U2
expressou tão claramente o sentimento de muitos: I still haven´t found
what I´m looking for.
A criança do salmo 131, pelo contrário,
ficou satisfeita; encontrou o que estava buscando. E o fez no peito de
sua mãe — o que aponta para um descanso confiante: “minha mãe é bondosa;
cuida de mim”.
Um
exemplo que ecoa a convocação de outro salmo: “Retorne ao seu descanso,
ó minha alma, porque o Senhor tem sido bom para você!” (Sl 116.7). De
fato, esse é um chamado ressonante com o alvo cristão do contentamento
no Senhor: “(…) já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar
abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as
coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a
ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas
naquele que me fortalece.” (Fp 4.11b-13).
Alguém contente assim
recebe as circunstâncias, pela fé, como perfeitas ordenanças de Deus
para a vida (cf. Jó 1.21) - ainda que muitas vezes incompreensíveis.
Se circunstâncias boas: como uma graça, uma dádiva, um presente. Se más:
como um lembrete (gracioso!) de que não somos Deus.
Com expectativa, mas sem desespero
Assim,
o último verso do salmo exorta os filhos de Deus ao cultivo do sossego
no Senhor. “Espere no Senhor”; sossegue no Senhor. Com expectativa, mas
sem desespero; com atividade, mas sem inquietude; com ânsia, mas sem
ansiedade. Como a corça e a terra seca anseiam pela água , que sempre
vem (Sl 42.1–2; 63.1). O Senhor é o seu bom pastor, que cuida de você
(Sl 23)!
Por
isso: “Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite
espiritual puro, para que por meio dele cresçam para a salvação; se é
que já provastes que o Senhor é benigno” (1Pe 2.2–3).“Israel”, filhos, crianças do Senhor: “espere no Senhor”, cultivando o contentamento nele, “desde agora e para sempre”.
Amém.