July 24, 2020

De hoje em diante


Há uma imagem construída por Delacroix, pintor francês, em um pequeno ensaio que escreveu sobre Michelângelo: ''Cego, no final da vida, apalpava as estátuas para lembrar das idéias de beleza''.

Esta imagem provoca duas reflexões sobre uma suspensão no tempo: a primeira, a cegueira do escultor italiano; depois, o que a cegueira o leva a fazer como ato de redescoberta ou tentativa de sobrepor significados ao que lhe era tão familiar: a beleza vista a olhos nus.

Esta quebra, quase abrupta, pode ser tomada como uma geradora de ausências no sentido aparente e linear das coisas. Mas também como geradora de um outro movimento, um redirecionamento no que está posto como comum, como hábito. Um indicativo que podemos estar cegos, de fato e de todo.

São as pequenas migalhas de vida, o que quase não é notado, é que interessam. Estas coisas que aparentemente são nossas brincadeiras de armar, mas que armam ao contrário o nosso percurso neste mundo. É a partir desta infalibilidade da passagem do tempo que nos propõe parar um pouco e olhar o que não conseguimos identificar como beleza vista a olhos nus.

Viver é olhar para estas coisas quase invisíveis, tateá-las e enfim, construir alguma outra possibilidade.
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July 23, 2020

Oração da serenidade

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Senhor, dá-me:

  • serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar,
  • coragem para mudar as que estão ao meu alcance, e
  • sabedoria para distinguir umas das outras.
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                                                                         Reinhold Niebuhr
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    July 22, 2020

    Tempo de kairós e não de caos

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    - Vidar Maeland Bakke

    Estou convencido de que o tempo do corona é tempo de kairós. Sim, é tempo de kairós e não de caos. Na Bíblia, o Novo Testamento opera com duas distintas palavras para tempo: chronos e kairós.

    Veja por si mesmo: se desenhamos nossa vida como uma linha do tempo, começamos com um traço da esquerda para a direita. Muito da vida é lidar com dias comuns, conviver uns com os outros. Esse é o chronos, o qual é medido precisamente pelo relógio, encontrando seu rumo na palavra “cronológico”.

    Ocorre, porém, não muito raramente, que algo rompe o habitual, criando uma tensão, uma pequena ou grande crise. Talvez, seja por conta das circunstâncias externas e incontroláveis; talvez, seja por conta de um desentendimento ou conflito com outros; talvez, seja por conta de algo que ameaça nossa liberdade, nossa felicidade. É fácil pensar em coisas do tipo nesses dias. Contudo, de repente, uma alegria contagiante nos toma, surpreendendo-nos de uma boa maneira.

    Momentos assim que rompem com a banalidade e com a rotina são formas diferentes daquelas do chronos, é o tempo kairós. Um momento condensado, uma janela no tempo – grande ou pequena –, cheia de possibilidades, animadora e desafiadora, e isso para o bem e para o mal. 

    Enquanto chronos trata de quantidade de tempo, kairós trata de qualidade de tempo.


    Jesus apregoa o kairós assim que começa seu ministério: "O tempo é chegado", dizia ele. "O Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam nas boas novas!" (Marcos 1.15). Eis a expressão do kairós: a janela de possibilidades do Reino de Deus ofertada por Cristo!

    Quando o momento kairós ocorre, podemos até tentar nos forçar a permanecer como se nada tivesse ocorrido se acreditarmos que essa é a melhor e a mais fácil atitude. Mas, como frequentemente acontece, kairós nos tira dos trilhos retilineamente planejados, lança-nos para um círculo. Aqui estamos, queiramos ou não. 

    As questões são: vamos lidar com essa turbulência como um círculo de aprendizado, como uma ocasião para aprender mais sobre nós mesmos, para avaliar nossas ações, nossos padrões de reação, para conversar com alguém sobre o que se deu ou está se dando em nós ou ao nosso redor? Se assim for, podemos – lenta e assertivamente – esboçar um breve plano, fazer uma escolha. Quando, mais cedo ou mais tarde, retomar os planos traçados, o que vou levar comigo de bom e de ruim? Em que medida quero que essa situação me transforme ou reforce o que tenho em mim? O que ocorre a despeito de minha vontade e no que é que eu tenho de agir ou de corrigir? A quem posso procurar para me ajudar em minhas decisões?

    Por meio da reflexão a partir de questões como essas, você se dá a chance de fazer da turbulência do kairós um círculo de aprendizado para crescimento em meio para além de uma linha de tempo restrita.

    Estou convencido de que o tempo do corona é tempo de kairós. Podemos lidar com essa turbulência só com medo e preocupação ou podemos considerar esse tempo como uma janela de oportunidades por meio da qual Deus pode agir.

    Creio que o Reino de Deus se faz mais próximo em tempos de adversidade. 

    Muitos se voltarão para e crerão no Evangelho. Não significa, no entanto, que Deus só trabalhe nos tempos de crise. O ponto é que nós, seres humanos, temos, justamente nesses momentos, uma sensibilidade diferente para perceber o que Ele está tentando nos dizer. Estenderemos as mãos para receber? Ousemos nos questionar: o que podemos fazer agora que pode nos levar ao crescimento e às mudanças duradouras em nossas vidas e em nosso mundo? O que, nessa turbulência do kairós, pode ser aprendizado para você e para mim?

    Pelo menos ouso pensar nisso, só não sei até que ponto consigo compreender a extensão disso. Por essa razão é prudente que comece comigo mesmo antes de dizer o que esse tempo há de significar em sua vida. 

    Agora, porém, reconheço que o mais importante para voltar ao “normal” é não fingir que nada aconteceu. O mais importante para mim é aproveitar o dia e o momento kairós enquanto ele estiver por aqui.

    Afinal, o tempo do corona é kairós.

    Fonte: https://www.ultimato.com.br/conteudo/coronavirus-nao-e-tempo-de-caos-e-tempo-de-kairos

    July 21, 2020

    Be brave

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    - Elben Cesar

    Não há nada pior do que perder a coragem. 

    É a coragem que me faz viver, pois a vida como ela é, não vale a pena. É a coragem que me faz andar, pois o caminho a ser percorrido está cheio de buracos e bagulhos. É a coragem que me faz crer, pois “a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos” (Hb 11.1). É a coragem que me faz amar, pois o amor foi substituído pelo ódio. É a coragem que me faz me sacrificar por alguma causa, pois meu apego à vida, à comodidade e aos bens é entranhado.
    Sem coragem não me aproximo de Deus: não professo minha fé em Jesus, não perdoo o irmão que pecou contra mim, não contribuo para a causa do evangelho, não saio de Jerusalém, não renuncio aos desejos da carne, não faço promessas e não cumpro votos.
    A falta de coragem é paralisante. Daí o registro histórico do salmista a respeito dos povos que guerreavam contra Israel: “Todos eles perderam a coragem” (Sl 18.45). Porque perderam a coragem, saíram, tremendo, de suas fortalezas, fugiram, sumiram, aceitaram o fracasso, a derrota. O mesmo aconteceria, na profecia de Jeremias, ao próprio povo de Deus, por ocasião da invasão da Babilônia: “Naquele dia, o rei e os seus oficiais perderão a coragem, os sacerdotes ficarão horrorizados e os profetas, perplexos” (Jr 4.9).
    Em meio ao grande tumulto que a sua presença e palavra despertaram em Jerusalém, depois de sua terceira viagem missionária e em meio ao clamor da multidão que queria a sua morte, Paulo ouviu a voz do Senhor, que lhe dizia: “Coragem! Assim como você testemunhou a meu respeito em Jerusalém, deverá testemunhar também em Roma” (At 23.11). 

    Deus não tirou Paulo da prisão, mas alimentou a sua coragem.
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    Fonte: https://ultimato.com.br/sites/elbencesar/2020/07/03/coragem/

    PS- Força aí: https://www.youtube.com/watch?v=-nXFEnJOUb4
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    July 20, 2020

    Feliz dia do Amigo < 3

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    Chérie,

    Uma das coisas que eu acho fascinante em Jesus, é a capacidade que Ele tinha de encontrar no meio da multidão, pessoas. Ele era capaz de reconhecer em cima de uma árvore um homem e descobrir nele um amigo.

    É bonita uma amizade que nasce a partir da precariedade, quando você chega desprevenido, o outro viu o que você tem de pior, e mesmo assim, ele se apaixona por você.

    Amor concreto, cotidiano, diário.

    Jesus se apaixonava assim pelas pessoas e as tornava suas amigas. Ele as trazia para perto dEle. É fascinante olhar para a capacidade que esse homem tem, esse Deus, de investigar a miséria do outro e encontrar a pedra preciosa que está escondida.

    Isso é Páscoa, isso é ressurreição.

    É quando no sepulcro de nosso coração, alguém descobre um fio de vida e, ao puxar esse fio, vai fazendo com que a gente se torne melhor.

    Não há nada mais bonito do que você ser achado quando você está perdido. Não há nada mais bonito do que você ser encontrado, no momento que você não sabe para onde ir e não sabe nem onde está.

    O amor humano tem a capacidade de ser o amor de Deus na nossa vida por causa disso: porque Ele nos elege!

    Por isso que é bom termos amigos, porque na verdade, as pessoas amigas antecipam no tempo, aquilo que acreditamos ser eterno.

    Quando elas são capazes de olhar para nós e descobrir o que temos de bonito. Mesmo que isso, as vezes fique escondido por trás daquilo que é precário.

    Por isso agradeço a Deus pelos amigos que tenho.

    Pelas pessoas que descobriram no que eu tenho de pior, uma coisinha que eu tenho de bom e, mesmo assim, continuam ao meu lado, me ajudando a ser gente, me ajudando a ser mais de Deus, ajudando a buscar dentro de mim, a essência boa que acreditamos que Deus colocou em cada um de nós.

    Ter amigos é como arvorear: lançar galhos, lançar raízes. Para que o outro, ao olhar para a árvore, saiba que estamos ali. Que nós permaneçamos para fazer sombra ao outro e oferecer um pouco de aconchego, que às vezes é só o que ele precisa. 

    Muito obrigada pela sua vida!
    Muito obrigada pela sua amizade!

    Feliz dia do amigo ; )
    E que venham mais dias e anos juntos.

    Beijos,

    KT

    July 19, 2020

    Até onde vai nossa autonomia quando agimos em nossa vida?

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    - Luiz Felipe Pondé

    A filosofia sempre refletiu sobre os limites da ação humana para a realização do bem. O tema é vasto, mas podemos olhá-lo de perto num dos recortes mais claros desse problema, seguindo os passos da filósofa americana Martha C. Nussbaum, especializada nos gregos antigos.

    Uma das suas obras capitais é traduzida no Brasil pela editora Martins Fontes: “A Fragilidade da Bondade, Fortuna e Ética na Tragédia e na Filosofia Grega”.

    pandemia que vivemos é um exemplo pleno do que um grego trágico chamaria de ação da fortuna: ainda que tenhamos algum controle sobre ela (técnico, político, médico), a pandemia é cega, violenta, cruel, sem nenhuma intenção inteligente de sê-lo, portanto um caso clássico da fortuna cega dos trágicos. Fortuna aqui é acaso, contingência, nada a ver com o uso comum de fortuna como grana. 

    E, assim como veio, aparentemente, poderá desvanecer. E o furor interpretativo buscará manter-se de pé, depois de cientistas de ocasião terem jurado o apocalipse absoluto.

    A pergunta é: até onde vai nossa autossuficiência, ou autonomia, quando agimos em nossa vida? 

    E por “nossa vida” você pode entender o mundo, a sociedade, a política, o amor, a família, sua vida interior, enfim, tudo aquilo que compõe nossa existência concreta e diária.
    Até onde você pode agir racionalmente e livremente sem que a fortuna destrua ou limite essa sua ação racional e livre? 

    O problema pode ser resumido em três frentes.
    Primeiro, nossa ação no mundo depende de nosso investimento em coisas a que damos valor, tipo melhorar o mundo, cuidar de quem amamos, trabalhar em algo significativo, acumular bens materiais. Mas, para atingir tais realizações, ficamos à mercê da fortuna em várias frentes: outras pessoas, instituições, condições de trabalho, epidemias (!), herança genética, um universo gigantesco de variáveis exteriores fora de nosso controle, logo ficamos submetidos à fortuna cega, que é fruto das atitudes das pessoas em si, seus afetos, seus interesses e suas relações, além dos elementos naturais e históricos fora de controle. Por exemplo: vai tudo bem no trabalho e no amor, você pega coronavírus, a política nacional entra em surto, você fica com dificuldades respiratórias, se desespera, fica com medo, e sua autossuficiência vai para o espaço.
    Um segundo campo de problemas é quando dois bens (coisas que para você têm um valor positivo) entram em conflito e você não consegue evitar um embate destrutivo entre esses dois bens. Dinheiro ou amor? Filhos ou carreira? Ser corajoso e correr algum risco na pandemia ou ser covarde e preservar com mais segurança sua saúde e dos seus? Guardar dinheiro para uma velhice segura ou viver agora já que o futuro a Deus pertence, ou à fortuna? Aqui, a fortuna age fazendo com que não haja necessariamente harmonia entre os bens que você considera positivos e que merecem seu cuidado e investimento. Preservar um implica destruir o outro. Alexander Herzen no século 19 e Isaiah Berlin no 20 descreveram esse tipo específico de conflito como o mais trágico de todos: o conflito entre o bem e o bem.
    Um terceiro campo de problemas é a vida dos afetos humanos. Não os controlamos e eles contaminam nossa cognição, pensamento, vontade e razão. O “pathos” grego, traduzido comumente como doença ou paixão, revela esse vínculo entre afetos e desordem interna. O coração tem suas razões que a própria razão desconhece (Pascal, século 17). A vida interior é um palco para a devastação da fortuna constantemente.
    Pois bem. A busca de ser virtuoso, honesto, generoso, corajoso, prudente, tudo aquilo que os gregos chamavam de “aretê” (virtudes) é acossada, no mínimo, por esses três campos de agentes desagregadores da autonomia humana. E esse combate (“agon” em grego antigo) é eterno, circular, implacável e sem necessariamente trazer nada em troca pelo esforço empreendido. A fragilidade da bondade é justamente nossa vulnerabilidade à fortuna. Desde a queda do Muro de Berlim quase acreditamos que não seríamos mais vulneráveis a ela: o mundo seria uma festa. 

    Ledo engano.
    Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2020/07/ate-onde-vai-nossa-autonomia-quando-agimos-em-nossa-vida.shtml

    July 12, 2020

    A Minha Esperança

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    Será que todos nós chegaremos lá?

    Você crê realmente em Deus?

    Jesus é a pessoa mais importante da sua vida?

    Será que nós seremos encontrados dignos de passar pela porta estreita?

    A minha esperança é que você esteja lá ; )

    https://www.youtube.com/watch?v=IP9O4f6bzps
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    July 11, 2020

    O que criar no lugar de expectativas?

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    - Sarah Furtado

    Expectativas.

    Essa palavra me incomoda. Deve ser porque meu cérebro preenche o resto: “frustradas”.

    Parece que as expectativas foram feitas para isso mesmo. Sinto que elas não são nada além das ideias de realização que criamos e que nunca vão se concretizar. Pelo menos não daquele jeito.
    É como um quadro que a gente pinta do nosso futuro, só pra dizer que a gente tá no controle de tudo.
    Já reparou que quando você conhece uma pessoa interessante alguém sempre diz: “não crie expectativas”? Ou quando você faz uma entrevista de emprego, já sai falando: “Ah, mas tô sem expectativas”. Sabe por quê?
    A gente cansa de ver as coisas não saindo do jeito que a gente espera. Ou como parece que deveriam ser. É meio vergonhoso mesmo. Aquele sentimento de quando você (ainda) está desempregado e te perguntam como vai o trabalho. Ou aquela cobrança amigável de quando vem o namorado. Um sentimento de não agregar às conversas.
    Todos vão bem e eu aqui. Não sei se estou parada ou afundei.
    Aí aparece alguém, cheio de boa vontade, te incentivando a sonhar. “Apegue-se ao que você sempre quis fazer”. Mas, meu bem, eu nem sei mais se eu quero. Nem o que eu quero. Nem de mim eu sei.
    Tudo bem. Calma. Respire.
    Talvez você ainda não saiba como sair deste emaranhado de sensações. Não sabe em qual direção ir, nem qual passo dar. Mas, verdade seja dita, ninguém quer ficar preso aí. E este sentimento já é um movimento.
    Então faço uma proposta.
    Mudemos, que tal?
    Não falemos mais de expectativas. 

    Falemos de: E s p e r a n ç a s.

    Aquilo que esperamos no ato (ativo) de esperançar.
    O futuro aguardado em fé.
    O mais puro desejo de continuar.
    Não. Não proponho que não haja decepções.
    Proponho que haja menos cobrança.
    Menos medo.
    Menos tensão na caminhada da vida.
    Menos culpa por errar.
    Menos vergonha por ter que recomeçar.
    Menos dor em parar um pouco.
    Proponho a não condenação das crises existenciais.
    Da morte das expectativas.
    Proponho mais leitura do livro de Eclesiastes.
    Sim.
    O autor de Eclesiastes – quer seja Salomão, ou outro – geme porque cansou da vida. Testou de tudo e não vê sentido em nada. Expectativas frustradas, uma, duas, três, muitas vezes. Permite-se não entender nada.

    Mas, termina seu livro sem deixar de esperançar.
    “Alegre-se, jovem, na sua mocidade. Seja feliz o seu coração nos dias da sua juventude”.
    Quando nada mais fizer sentido, tudo bem. Ouça o sábio.

    “Tema a Deus e obedeça seus mandamentos porque isso é o essencial para o homem”.
    O resto, com o tempo se ajeita.

    Fonte: https://ultimato.com.br/sites/jovem/2019/09/03/o-que-criar-no-lugar-de-expectativas/

    July 07, 2020

    Para quem ama, a Eternidade já começou

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    - Osmar Ludovico

    É no chão da vida e no cotidiano que percebemos, na nossa vida frágil e efêmera, sinais concretos da eternidade, este outro tempo atemporal que desconhecemos.

    Jesus nos ensina que quem guardar a sua Palavra nunca verá a morte (Jo 8: 51-59). Ele não se refere à morte física, mas a morte como um poder irreversível e inevitável que nos conduz ao nada, ao vazio, ao aniquilamento completo da vida.
    A vida eterna na perspectiva cristã não evita a morte física, mas não fica presa nem refém dela, pois depois da morte vem à ressurreição. A obra que o Filho de Deus realizou em nosso favor inclui a vitória sobre o pecado e a morte.
    Guardar a Palavra não significa simplesmente crer numa reta doutrina,se bem que isto também seja importante. Vai mais longe, é guardar a Palavra no coração e praticá-la no cotidiano. O apóstolo recomenda que sejamos praticantes da Palavra e não somente ouvintes. Trata-se de uma fé relacional, afetiva, encarnada, isto é uma Palavra testada na vida, que se torna gesto e atitude no cotidiano.
    A Palavra deixa de ser um conceito ou uma informação verdadeira para ser explicada, argumentada, discursada, defendida e discutida para se tornar Palavra vivida, demonstrada através de uma vida que se assemelha à vida de Cristo, o homem como todo homem deveria ser. Palavra que acontece no chão da vida, que deixa de ser discurso correto e articulado para ser Palavra vivida nos embates e nas alegrias da vida humana.
    O homem perguntou, uma vez, a Jesus Cristo: O que farei para herdar a vida eterna. Ele responde com outra pergunta: Conheces os mandamentos? Sim, respondeu o homem, Amarás o teu Deus, o teu próximo como a ti mesmo. E Jesus arrematou: Sim, é isto mesmo: vai e faz isto, deixando implícito que a vida eterna é a prática do mandamento maior. O resumo de toda a Palavra, é amar, é se relacionar, é se vincular com laços de afeto e de intimidade com Deus, consigo mesmo e com o próximo. É amando que somos visitados pelo eternoA vida eterna já começou para aqueles que amam.
    Amamos, no entanto, de uma forma precária. Como ponto de partida somos todos analfabetos afetivos. Preferimos nos refugiar nas minucias da lei do que empreender o árduo aprendizado de amar quem não merece, perdoar quem nos fere, amar até o fim sem desistir. Na realidade não podemos dizer que amamos como Ele nos amou, amamos de forma imperfeita, mas prosseguimos tateando rumo à eternidade, na busca de sermos de tal forma acolhidos no seio da Trindade que nos tornemos um com ela. E, transbordantes deste amor, amemos uns aos outros,vivendo para servir o próximo. O amor que nos amamos nosso semelhante é sempre uma pálida resposta ao grande amor com que Deus nos amou. Se amamos é porque Ele nos amou primeiro. Um amor incondicional, imerecido, irretribuível, infinito e imutável. Percebemo-nos amados quando reconhecemos a maldade e o pecado no nosso coração e nos colocamos aos pés da cruz. Ali então vivenciamos este amor. Quem nunca chorou de arrependimento aos pés da cruz tampouco conhece a alegria indizível e cheia de glória que invade o nosso coração, quando somos acolhidos pelo amor e pelo perdão de Deus, e não somente por isto, mas também por contemplar a cruz vazia, sinal concreto da vitória do Senhor sobre a morte e o pecado.
    Amar não é categoria teológica para ser debatida por eruditos na academia. É oferta e convite de Deus a todos os homens, para se tornar experiência do coração e prática relacional e afetiva expressa no gesto simples do quotidiano, permeado de gentileza, doçura, bondade e ternura. Amar gratuitamente, sem cobrar, sem exigir, sem barganhar.
    Não podemos amar a Deus concretamente pois não o vemos. É quando amamos uns aos outros que o amor de Deu permanece em nós, nos ensina o apostolo João. E amar não é só declaração, intenção ou sentimento, amar é se relacionar, é servir, é ajudar, acontece nos vínculos humanos, pois se alguém disser que ama a Deus, mas não tem amigos é mentiroso conclui o discípulo amado. Só podemos amar a Deus através do nosso próximo, quando nos relacionamos com bondade, empatia, altruísmo, desejando e fazendo o bem especialmente a aqueles que não têm como retribuir: os pobres, os destituídos, os órfãos, as viúvas, os enfermos. Ao fazer isto nos conectamos com o Deus eterno, Pai de Jesus Cristo,a fonte e a origem de todo amor no Universo.
    Quando tangenciamos o amor, o eterno invade nossa frágil e efêmera existência. E suspiramos aliviados, nos sentimos amados e prontos para amar, e isto basta,a eternidade já começou, já não morreremos mais, o amor é mais forte do que os poderes destrutivos da morte.  
    Somos todos aprendizes, nos entregamos ao grande amor com que o Pai nos amou através do Filho e cheios do Espírito Santo. A vida se torna uma escola para amar. Somos todos peregrinos, no caminho com Cristo até Cristo,fazendo esta jornada que vai do homem caído e rebelde em direção a nos assemelhar a ele. Uma jornada da terra ao céu, uma jornada do efêmero à eternidade, uma jornada do egoísmo e do individualismo ao amor desinteressado e aos vínculos e afetos.
    E Paulo nos adverte em 1 Coríntios 13 que este aprendizado e esta peregrinação não é baseada em conhecimento ou desempenho religioso, mas sim em ser amado e amar.
    A eternidade já começou para estes aprendizes e peregrinos.
    Fonte: http://www.servodecristo.org.br/post/a-eternidade-ja-comecou

    July 06, 2020

    Um mundo menos sábio

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    "Levantem-se na presença dos idosos, honrem os anciãos, tema o seu Deus. Eu sou o Senhor” (Lv 19.32).

    “A beleza dos jovens está na sua força; a glória dos idosos, nos seus cabelos brancos” (Pv 20.29).

    - Luiz Fernando dos Santos

    Dias atrás li um texto que falava sobre as perdas e as consequências da Covid-19 e em dado momento o texto dizia “O mundo ficou menos sábio com a morte de tantos idosos”. Claro que isso provocou uma profunda reflexão. De fato, as estatísticas mostram, que os idosos são as vítimas ´preferidas’ desse vírus, embora não exclusivas. 

    Confesso que me emociono, mais especialmente, quando vejo a notícia de que um idoso de 90, 98, 102 anos sobreviveu à doença, lutou bravamente pela vida, passou dias numa UTI e de lá saiu para completar a sua longa peregrinação. Verdadeiramente a humanidade ficou um tanto mais pobre com essa extinção em massa de muitos idosos ao redor do planeta. Uma cota significativa de experiência acumulada se perdeu, parte de nossa reserva moral também se foi e muito do que significa ser humano também. 

    É uma triste realidade saber que na Itália, na Espanha e aqui no Brasil um dos critérios de avaliação para um paciente ser encaminhado para um respirador é a idade. Quanto mais idoso, menos chance de ser assistido e mais chance de ser abatido por essa pandemia. Longe de mim querer arbitrar esse dilema moral que seguramente vivem os nobilíssimos profissionais da saúde, mas não posso deixar de notar que um certo conceito que envolva utilidade, produtividade e lucratividade está presente, além de outros critérios filosóficos, econômicos, éticos e etc. 

    Ponho-me a pensar nos idosos da igreja que sirvo como pastor. Um contingente significativo de anciãos compõe essa expressão concreta do Corpo de Cristo. São homens e mulheres com uma extensa folha de serviços prestados à igreja local e à sociedade civil. Suas memórias, suas experiências, seus erros e acertos, seus pecados e suas experiências de conversão ou restauração são a memória vivente da graça e da misericórdia do Eterno no meio do seu povo. 

    Ouvindo as suas histórias, o modo afetivo e saudoso como se recordam dos idos dias do primeiro amor, sempre sou tomado de grande encorajamento para enfrentar as dificuldades do presente. Tendo o privilégio de recolher as suas memórias como ouvinte atento do quanto testemunharam da bondade e das provisões de Deus quando atravessaram dias sombrios contando apenas com a luz do Evangelho, me faz pensar que assim como o futuro chegou em suas vidas, assim também a esperança me conecta com o futuro que me aguarda, enquanto atravesso esses dias de nuvens escuras. 

    Os idosos da comunidade, os que trazem os seus cabelos brancos, recordam-me todos os dias por quais caminhos a comunidade passou até chegar aqui. A presença deles em cada culto, de certa maneira, me lembra de onde vim, quem eu sou e para onde devo caminhar. É uma temeridade uma igreja que só tenha idosos, sei disso, ela pode não se renovar e vir a deixar de existir. Todavia, não é menos perigoso para uma igreja não ter a presença de anciãos que costumam comunicar serenidade, equilíbrio, sobriedade e indicar os perigos e as armadilhas do caminho. 

    Nesses dias loucos de pandemia a igreja, mais do que nunca, precisa proteger, animar, consolar, encorajar e valorizar os seus irmãos mais experimentados na fé. Precisamos deles para não perder o rumo, para não nos tornar presas fáceis dos modismos vazios de uma sociedade em constante mudança, que perigosamente nos tentam a negociar os valores mais caros do Evangelho e do Reino, por gratificação imediata. Os nossos irmãos mais velhos nos servem de freios e contra-pesos para não excedermos os limites da prudência e da sabedoria, que não raras vezes a juventude parece ignorar. 

    A dinâmica da vida fraterna em comunidade é feita, sobretudo, de memórias e experiências vividas ao longo do tempo que atestam, acima de tudo, a veracidade das promessas, o caráter santo e justo de Deus, os benefícios da cruz e a recompensa que segue uma longa obediência numa mesma direção. 

    Os nossos “velhos” nos recordam e ensinam todos os dias: “Se da vida as vagas procelosas são, Se, com desalento, julgas tudo vão, Conta as muitas bênçãos, dize-as de uma vez, E verás, surpreso, quanto Deus já fez. Conta as bênçãos, dize quantas são, Recebidas da divina mão! Vem dizê-las, todas de uma vez, E verás, surpreso, quanto Deus já fez!” (Hinário Novo Cântico – Hino 63).

    Fonte: https://www.ultimato.com.br/conteudo/um-mundo-menos-sabio-depois-da-pandemia

    July 04, 2020

    E se o seu lugar no mundo for um 'não lugar'?

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    - Sarah Furtado

    Esse ano li o clássico infantil O Pequeno Príncipe. Talvez até tenha lido na infância, mas não guardou recordações.  Quando amadurecemos os livros e as palavras ganham novos sentidos e não foi diferente desta vez.
    O Pequeno Príncipe é uma criança que não cabe em si. Ele cria uma rosa com todo o carinho, mas tudo que recebe em troca é sarcasmo e espetos. Por isso, decide deixar seu planeta em busca de novidades. Mas, em cada planeta ou asteroide, a criança dourada se depara com realidades tristes e sem sentido.
    Aos poucos, ele sente falta de casa, mas lembra da rosa e das dores que ela lhe causa e repensa. No entanto, ao encontrar-se com uma sábia raposa, ele recebe um conselho que muda sua vida: “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante”.

    Spoiler - O Pequeno Príncipe volta ao seu planeta. Não porque ele era mais especial e correto que os outros, mas porque era onde estava a rosa. Ela, a rosa que o feriu, e que ele amava apesar.
    Apesar... O amor é apesar
    Essa frase desencaixou algumas coisas em mim. Desde pequena sabia que havia um fogo aqui dentro, uma força intensa contra injustiças, um desejo de que todos conhecessem a Jesus. É claro que, à medida que cresci e amadureci, o conceito de “injustiça” mudou. E a verdade é que nesse intento de mudar as coisas me machuquei. Em parte, por quem queria ajudar, em parte por quem eu admirava que ajudasse os outros. 

    E, assim como o Pequeno Príncipe, fui conhecer outros planetas em busca de novas experiências que trouxessem sentido àquilo que eu sentia. Sim, porque essa queimação na boca do estômago ao ver situações de opressão e violência nunca desapareceu.

    Assim como na história, encontrei realidades sem sentido incapazes de trazer significado a mim. Era um profundo sentimento de “não pertencimento”, desconexão. Mas, encontrei também sábias raposas capazes de me fazerem olhar ao meu objeto de amor e repensar tudo.

    É por isso que digo que meu lugar no mundo é um “não lugar”. Meu lugar no mundo é um jeito de estar.

    Não é raro conversar com amigas e amigos que não se sentem parte dos grandes grupos dominantes. Que discordam desses e daqueles. Que se sentem sozinhos e não sabem como agir para transformar realidades imersas na dor, no pecado, na violência e na opressão.

    Nesse “não lugar” há solidão, mas há sabedoria. Há dúvidas, mas há temperança. Há dor, mas há Cristo. Esse “não lugar” nos chama a não nos apegarmos a onde estamos, mas ao que fazemos, quem somos. E mesmo quando feridos, amamos.

    Meu ‘não’ lugar no mundo é serviço, doação, sacrifício. Porque meu lugar é aos pés da cruz. É logo atrás de Cristo. Seguindo seus passos e imitando seus movimentos.

    Meu ‘não’ lugar no mundo é o “reino aqui agora, mas ainda não”. É essa sensação de estar e não estar. De viver esperançando. Plantando, colhendo, construindo o lar eterno. Onde será nosso lugar, enfim.

    Fonte: http://ultimato.com.br/sites/jovem/2020/06/25/o-meu-lugar-no-mundo-e-um-nao-lugar/

    July 01, 2020

    Respeitai-vos uns aos outros

    .
    - Stephen Kanitz

    “Amai-vos uns aos outros” (João 13,34) é um comando religioso claro e inequívoco, mais conhecido do que os dez mandamentos.
    É um mandamento exigente, difícil de cumprir. Se a paz mundial depender da incorporação desse valor, o futuro não será muito otimista.
    Estamos nestes 2.000 anos caminhando no sentindo inverso, a cada dia que passa.
    Não sou estudioso de religião. Portanto, aceitem esses comentários com as devidas reservas.
    Minha singela observação é repetir o que todo administrador constata em sua vida secular: metas muito elevadas acabam tendo um efeito contrário ao que se deseja.
    Talvez seja isso o que está acontecendo no mundo cristão, a meta é ambiciosa demais.
    Ou, talvez, alguém há 2.000 anos inadvertidamente tenha errado na tradução do hebraico.
    Em vez de “Amai-vos uns aos outros”, a tradução correta deveria ter sido “Respeitai-vos uns aos outros”. Um mandamento mais brando, mais fácil, é um bom começo para voos mais altos.
    Respeitar as nossas diferenças como seres humanos, nossas culturas, nossas religiões e nossos tiques individuais é bem diferente de amar a cultura, a religião, e os tiques nervosos do próximo. Posso perfeitamente respeitar uma pessoa diferente e estranha, embora nunca pretenda amá-la.
    Não vejo como alguém criado com preconceitos possa passar a amar seu concidadão, um salto quântico impossível.
    Mas ensinar nossos jovens a pelo menos respeitar o negro, o oriental, o gay é uma meta mais factível do que amá-los.
    Nunca ouvi um líder negro exigir ou pedir o amor dos brancos. O que ouvimos das lideranças negras é um pedido de mais respeito, alguns chegam a exigir “um mínimo de respeito”.

    A que ponto chegamos! Por que não tentamos criar uma sociedade em que haja o “máximo” de respeito e deixamos o amor para os jovens apaixonados?
    Teólogos ortodoxos irão argumentar que ser cristão é para quem pode, não para quem quer.
    Padrões éticos e religiosos são para ser seguidos e não relaxados, só porque ninguém consegue cumpri-los.
    Seria um desastre reduzir o nível ético só para aumentar o número de devotos, algo que muitas religiões estão fazendo. Mas não deixa de ser um desastre a falta generalizada de respeito mútuo que o mundo atravessa hoje.
    Um dos empresários mais bem-sucedidos do Brasil, Rolim Amaro, um amigo de quem sinto uma enorme saudade, nasceu extremamente pobre.
    Ele me confessou que o pior da pobreza não era a fome, o frio nem as privações materiais.
    “O pior é o desrespeito. O desrespeito dos mais ricos, dos funcionários públicos, da classe média arrogante.”
    Ninguém é pobre porque quer.
    A pobreza já rebaixa muito a autoestima e reforça essa condição de pobreza.
    E a última coisa de que um pobre precisa é ter de aturar o desrespeito dos outros.
    Trate um pobre com respeito e você estará de imediato aumentando sua autoestima, o que é um início da solução de seus problemas.
    Pobres respeitam pessoas bem-sucedidas como Pelé e Roberto Carlos, que ganharam seu dinheiro honestamente.
    A riqueza, na ausência de penúria flagrante, é mais do que aceita pelos pobres, que no fundo almejam a mesma coisa.
    Quem não aceita acumular riqueza e poupança para a velhice é intelectual de universidade, que curiosamente tem um salário e aposentadoria integral garantidos.
    O Brasil vem sendo governado por oligarquias intolerantes e intelectuais arrogantes que não respeitam nem ouvem a opinião de ninguém.
    Não é por acaso que nossa autoestima como nação está lá embaixo e a arrogância dos donos do poder está lá em cima.
    Governos que não respeitam a opinião de seus cidadãos acabam com populações que não respeitam seus governos. É o fim da democracia.
    Vamos começar o ano com uma meta mais light, menos exigente. Vamos começar respeitando-nos uns aos outros.
    Feliz ano novo, com todo o respeito.
    Fonte: https://blog.kanitz.com.br/respeitai-uns-outros/