44' do 2o. tempo - de volta para o 1o. Amor
Data: Mon, 7 Nov 2005
Chérie, tudo bem com vc?
Estava com saudades! Olha, apesar de não estar dando sinal de vida, continuo orando por vc, viu?
Desculpe o sumiço, é que consegui 2 dias de férias (na verdade pedi 1 semana mas não liberaram), não sei se por causa de uns medicamentos que venho tomando ou por causa da pressão no trabalho, mas a verdade é que estava num estágio que corria o risco de perder a alma... Claro que 2 dias não dá nem para começar a descansar, mas foi bom ter esta pausa e Deus usou grandemente estas micro-férias para ministrar no meu coração e consolidar algumas verdades.
Por exemplo, percebi que andava num ritmo tão alucinado que não conseguia mais diferenciar o ritmo dos outros do meu pp ritmo. Sabe quando parece que vc está num redemoinho tão grande de exigências (dos outros e suas tb) que acabam te arrastando? E de repente, nem vc mesmo sabe para onde está indo? Pois é, nesta hora é preciso desacelerar (em alguns casos parar mesmo) e refletir, separar o teu respirar do respirar dos outros. Porque muitas vezes a gente vive pelos outros e não por uma escolha sua (por exemplo, convivo num ambiente repleto de expectativas, prazos, cobranças por resultados... e a ansiedade acaba virando rotina sem me dar conta e isto acaba se infiltrando não só na área profissional como tb na vida pessoal e até na espiritual).
Outra coisa bacana foi prestar atenção em detalhes que estavam passando desapercebidos, por exemplo, ver as pequenas gentilezas do dia-a-dia: uma pessoa simples ajudando outra idosa a atravessar a rua, coisas assim.
Mais outra pérola (muito medo nesta hora): não estava sendo gentil comigo mesma. Estava deixando de fazer coisas legais e bobas como almoçar direitinho, passear ao cinema (heheh). Em compensação, me acabei pois fui ver 3 filmes maravilhosos (aliás, se der para vc ir, vá correndo) rs: Crash, A Fantástica Fábrica de Chocolates e Hotel Ruanda.
Estes 3 filmes mexeram demais comigo... vamos pelo mais ameno (rs): A Fantástica Fábrica de Chocolates mostra a infância pós-moderna. Há tempos li o excelente Mitos e Neuroses em que Paul Tournier pede perdão aos jovens por terem herdado uma sociedade doente. Crash me fez refletir sobre aquele artigo da Isabelle Ludovico que fala sobre feridos (existem machucados e feridas – os machucados saram, mas as feridas muitas vezes persistem. Somos todos seres feridos, mas temos a opção de escolher entre sermos ‘feridos que curam’ ou ‘feridos que machucam os outros da mesma forma que foram feridos’). Ninguém é melhor que ninguém por isto não temos o direito de julgar os outros. Quando caímos nesta armadilha, podemos até nos julgar superiores mas na verdade nos tornamos piores do que as pessoas que julgamos! Agora, para arrebentar de vez (rs) vá ver Hotel Ruanda. Nem preciso dizer que do começo ao fim chorei cântaros. Porque me fez refletir até que ponto vai a fidelidade de alguém. Falar que vc ama, que vc defende uma causa é muito fácil; difícil é vc ficar do lado e ir até o fim, até as últimas conseqüências. E a postura de um líder é esta: é vc servir, é vc assumir a responsabilidade porque uma atitude tua pode abençoar ou não outras vidas. E isto independente de vc ser traído, abandonado ou não ter recursos. Ser líder e ser fiel é uma escolha, assim como viver.
Depois de tantos recadinhos do Pai (ahá, tá vendo como tô deixando de ser cega) rs, Ele ainda me pegou no colo e sussurrou ao pé do ouvido que me ama demais (ei, não precisa ficar com ciúmes, Ele também te ama, mas primeiro vc precisa perder o medo de sentar no colo dEle) rs. Ele me ama do jeito que sou, mas que por me amar tanto, não vai permitir que eu continue do jeito que estou e sim que eu esteja cada dia mais aperfeiçoada no amor dEle.
Na sexta fui à Mairiporã no acampamento Boas-Novas. Foi lá que aceitei Jesus aos 5 anos de idade. Recebi o convite da Satie, amiga de meus pais. Confesso que fiquei ressabiada (tipo: E o Kiko – e o que é que eu tenho a ver com isto) rs mas foi tão bom que não tenho palavras para descrever o que aconteceu, bênção pura mesmo! A 1ª. sensação foi de redescoberta, pois vivi 3 meses de minha vida ali quando meus pais fizeram o instituto de liderança da APEC; foi emocionante estar lá novamente depois de tantos anos. Depois quase caí dura porque reencontrei a Eny, a moça que fez o apelo para eu aceitar Jesus (olha a manteiga derretida aqui chorando de novo só de lembrar a cena). E depois o reverendo Vassilios contando que meu pai que fez aqueles bancos e mesas do acampamento em 1973 (a 'desnaturada' aqui nem sabia) rs... Chorei ao pensar que estas pessoas tão queridas intercederam por mim mesmo sem eu saber. Que continuam ali, firmes na obra, orando por outras crianças que como eu estão adultas, com aquela mesma alegria, afeto e carinho genuínos... e que o Senhor tem usado grandemente a vida deles para abençoar outras tantas!
As mensagens foram alimento direto ao coração... Na 1ª. noite o pastor Daniel falou sobre Jonas, um missionário que perdeu a perspectiva divina (quantas vezes isto não acontece com a gente?), no 2º. dia o reverendo Vassilios falou sobre compromisso (calma, depois conto tudo com maiores detalhes), o pastor Elias falou sobre relacionamentos interpessoais (a importância de sermos humildes como nosso Senhor Jesus foi). À noite o reverendo Vassilios comentou sobre as recompensas no ministério e os participantes compartilharam suas experiências ao longo dos 40 anos de trabalho voluntário evangelizando crianças nas escolas públicas. Fiquei tocada porque todas eram pessoas muito simples (quebrou um paradigma que vinha se formando em minha mente: que o papel dos fortes é de servir aos fracos... não é nada disto, assim como o vento sopra para onde quiser, o Espírito Santo é criativo e trabalha de muitas maneiras, uma pessoa pobre pode e tem muito a ensinar - confesso que isto mexeu demais comigo porque nestes 3 dias de retiro, a 'orgulhosa-de-plantão' aqui só recebeu) rs. No 3º. dia a pedagoga Gislene falou sobre a pedagogia da infância (a importância do lúdico) e o pastor Daniel encerrou com Jonas (o nosso chamado é para abençoar outras vidas, mas qdo queremos fazer a nossa vontade e não a do Pai, até os 'perdidos' acabam intercedendo pela gente). Interessante foi tb me dar conta que ser alfabetizado é diferente de ser letrado. Ser alfabetizado é vc reconhecer os signos, mas ser letrado significa que aquilo que vc aprende faz sentido na tua vida e gera transformação. Ou seja, assim deve ser o nosso relacionamento com Deus: não basta só conhecê-Lo, é preciso ter intimidade com Ele, experimentar o Seu amor na pp vida. Depois de tantos chacoalhões de amor e desafios, saí de lá renovada e com a certeza de que devo apoiar a APEC (estou orando para ver como) e a minha oração é para que todas aquelas 68 pessoas que participaram do retiro saiam de lá desafiadas e restauradas como eu (já sei, não precisa lembrar... vou ter de abrir mão de alguma coisa) rs!
Uma coisa linda linda (voltando ao artigo da Isabelle Ludovico) foi perceber que todos que estiveram no acampamento Boas-Novas eram pessoas feridas como vc e eu, passíveis de defeitos e imperfeições, mas que ao invés de machucarem os outros (como no filme Crash) eram pessoas feridas que curavam. Que desafio!
Está em nós escolher todos os dias vida ou morte (Dt 30: 19), que possamos escolher vida!
Bem, deixa eu ir nesta porque a semana promete ser bem corrida (amanhã à noite vou trabalhar num evento e na quarta tenho uma premiação)... mas na medida do possível vou contando mais coisas. Por favor, continue orando por mim.
A minha oração de hoje é para que vc e eu possamos estar com os olhos abertos para o mover de Deus em nossas vidas. Para que possamos perceber Sua doce presença nos pequenos detalhes. E para que tenhamos serenidade para aceitar as coisas que não podemos mudar, coragem para mudar aquelas que estiverem ao nosso alcance e sabedoria para distinguir umas das outras.
Bjs e que Deus derrame toda sorte de bênçãos sobre a sua vida!
Com carinho,
KT
- por Isabelle Ludovico
Provérbios de Salomão, na Bíblia, nos convidam a “entender o nosso próprio caminho” (Pv 14:8) e “estar atentos para os nossos passos” (Pv 14:15). De fato, a maturidade provém da capacidade de compreender a nossa história e integrar as peças esparsas do quebra cabeça que é a nossa existência para enxergar o quadro completo. As experiências marcantes da nossa vida precisam ser consideradas com reverência para encontrar o seu sentido mais profundo e aprender com elas. Tempo e atenção são necessários se queremos evitar a superficialidade.
Fomos criados à imagem de Deus que é Luz. Assim, quanto mais nos aproximamos dele numa atitude contemplativa, mais enxergamos a nossa própria realidade. O olhar amoroso de Deus nos permite superar o medo da rejeição e tirar as nossas máscaras para reconhecer tanto a nossa luz quanto a nossa sombra. Percebemos nossos limites, feridas, mecanismos de defesa e incoerências, mas também nossa aspiração por amor, alegria e paz, nossa capacidade criativa e relacional, nossa busca de sentido existencial.
Identificamos, perplexos, a coexistência simultânea e sistêmica de alegria e tristeza, prazer e dor, sofrimento e paz, amor e solidão. Perceber esta condição da nossa humanidade entra em choque com o desejo de nos apegar a um estado mental dominante e obsessivo como a busca da felicidade permanente. Nossa sociedade a define como a ausência de dor e, para isto, construímos um castelo forte onde estamos protegidos, mas também enclausurados. Poupar-nos do sofrimento acaba nos privando da alegria, pois estes dois sentimentos são parceiros inseparáveis nesta vida. Nossa cultura prega uma felicidade artificial mantida com pílulas que anestesiam a dor camuflando nossa inescapável condição de mortalidade e fragilidade. Solitários e carentes, buscamos compensar o nosso vazio interior mediante um consumismo compulsivo.
O desejo mais profundo de amar e ser amado requer a disposição de baixar as defesas e nos torna vulneráveis. Como diz uma música popular: “Quem quiser aprender a amar, vai ter que chorar, vai ter que sofrer...”. As feridas mais profundas e dolorosas não provêm de acidentes que nos aconteceram, mas do amor. O amor transforma nossa personalidade e nossa percepção. Ele nos arranca de um mundo unidimensional em preto e branco para nos transportar num universo de cores brilhantes e paisagens sempre renovadas. Quando o amor se retrai, sofremos a dor da perda. A alegria do encontro é proporcional à dor do desencontro.
Como diz o teólogo John Main, precisamos diferenciar feridas e machucados. Os machucados como o fracasso num teste, uma derrota financeira, uma expectativa frustrada, são sofrimentos provisórios e superáveis. As feridas nos marcam para sempre. Elas modificam nossa percepção íntima e o fundamento da nossa identidade. Uma ferida significa que nada será como antes. O tempo apaga os machucados, não cura as feridas. Somente a imersão no amor absoluto de Deus pode curar nossas feridas. É preciso mergulhar na morte de Cristo para experimentar a sua ressurreição. O significado das nossas feridas emerge quando as vivenciamos na sua relação com outros eventos e padrões da nossa vida.
Conforme a maneira como lidamos com as nossas feridas, podemos nos tornar feridos que ferem ou feridos que curam. A Bíblia fala de dois tipos de tristeza: uma tristeza ”mundana” que leva à auto comiseração nos faz assumir o papel de vítima e “produz morte”; uma tristeza na perspectiva de Deus que gera transformação e vida (2 Coríntios 7:10). Mergulhando na história da nossa vida, encontramos momentos dramáticos em que tivemos que fazer a escolha crucial de nos tornarmos amargurados por nossas feridas ou feridos que curam. O filme recente “Patch Adams: o amor é contagioso” fala de um homem que fez a escolha de ser um ferido que cura e quase desistiu quando uma nova ferida o empurrou na beira do precipício. Para seu próprio bem e o bem das pessoas à sua volta, ele finalmente escolheu seguir o princípio bíblico de “vencer o mal com o bem”(Romanos 12:21). Na maioria das vezes, optamos por uma solução intermediária mesclando sentimentos de magoa e desejo de superar, passando alternativamente de vítima à protagonista.
Nossa experiência pessoal de feridos curados pelo amor incondicional de Deus é que nos permite aliviar o sofrimento de outros. Enquanto perseguimos nossa felicidade como prioridade absoluta, iremos fazer isto às custas do bem estar do outro. Mas ao buscar minorar a dor do nosso próximo, encontraremos a plenitude de alegria para a qual fomos criados. Ao acolher a realidade com todas as suas facetas, não podemos deixar de perceber o próprio Deus. Cristo é a Verdade e a Vida. Por isto, ao optarmos pela verdade encontraremos a Cristo, assim como através das coisas bonitas podemos enxergar a própria beleza.
A cruz de Cristo proclama que a vida não se preserva negando a morte, mas acolhendo o ciclo de morte e renascimento. Por isto, somos chamados a “levar sempre nos corpo o morrer de Jesus para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo”( 2 Coríntios 4:10). Assim, em vez de fugir do sofrimento através de uma vida artificial, podemos superá-lo com o bálsamo do amor de Deus que transforma o mal em bem. Precisamos olhar para os retalhos espalhados da nossa vida na perspectiva de Cristo que venceu o mal e a morte. Assim podemos costurá-los para formar uma colcha que reflete a obra de arte única que é a nossa existência à luz do amor de Deus e na dependência do Espírito Santo.
Isabelle Ludovico da Silva, psicóloga com especialização em Terapia Familiar Sistêmica. Tel. Clínica Bio-Care: 339-6969. isabelle@onda.com.br