May 23, 2007

Casamento: a harmonia conquistada

Casamento: A harmonia conquistada
- Isabelle Ludovico

Iludidos pelo “Casaram e viveram felizes para sempre!” dos contos de fada e pelos filmes de Hollywood, muitos jovens aguardam “sua cara metade”. A paixão os leva a crer que o sonho finalmente se realizou. Casam com a expectativa de preencher totalmente as necessidades um do outro e se complementar em todas as áreas. No dia-a-dia, a realidade é outra. Deus não faz pessoas pela metade, mas pessoas inteiras com personalidades, histórias e heranças bem diferentes. Cada um de nós é uma obra-prima única. Harmonizar completamente as diferenças é um projeto utópico ou restritivo: só ocorre com a anulação de um dos dois.

Antigamente, o casamento bem-sucedido era aquele em que tanto o homem quanto a mulher desempenhavam estritamente o seu papel, predeterminado de forma detalhada pela sociedade. A harmonia era conseguida à custa da mulher que abdicava de qualquer projeto pessoal para se dedicar exclusivamente ao marido, aos filhos e ao bom andamento da casa. O marido era o protetor e provedor da família e, por isso, tinha o direito de exercer toda a autoridade e determinar as regras que os outros tratavam de cumprir. Viver à sombra do marido não era para a mulher apenas uma alternativa cômoda para não assumir responsabilidade, era uma obrigação inquestionável.

Contando com o apoio do movimento feminista, a mulher virou a mesa, foi estudar e trabalhar fora, tomou o volante da própria vida. Ela reivindica dividir com o homem, não somente o poder de decisão, mas o cuidado com os filhos e os afazeres da casa. O casamento não é mais um casulo onde ela se esconde do mundo, mas uma parceria, uma aventura compartilhada onde cada um assume a responsabilidade pela sua felicidade e realização pessoal. Nesse contexto, os conflitos vão se multiplicar. A harmonia que anulava a mulher não é mais possível nem almejada. O equilíbrio pode ser alcançado, mas apenas como fruto de muito diálogo e muita negociação.

Quando a paixão cega começa a ceder espaço para a rotina, os conflitos tendem a aparecer. Algumas diferenças de personalidade vão se complementar. Uma pessoa tímida pode encontrar no extrovertido um incentivo para se expor mais, enquanto o extrovertido aprende a ouvir e dar espaço para o outro. O sonhador se sentirá mais seguro perto de uma pessoa mais realista e ponderada que, por sua vez, será atraída pelo desafio de ampliar seu horizonte e dar passos mais ousados.

Outras diferenças vão tender a se polarizar e gerar cada vez mais tensão. A desordem de um pode ameaçar a necessidade de organização do outro, por exemplo. A cada cobrança, cada um se sentirá impelido a reforçar o seu jeito de ser para não ser invadido e despersonalizado pelo outro. Quanto mais um bagunça, mais o outro tende a arrumar e organizar. Em vez de encontrar um meio termo satisfatório para ambos, cada um reforça sua tendência com tanto exagero que acaba provocando muitas brigas e aborrecimentos, muita tensão e desgaste para a relação.

Importante, nessa hora, é lembrar que não existe certo e errado, mas apenas maneiras diferentes de encarar a vida. É preciso ter a disposição de se colocar no lugar do outro e tentar enxergar do ponto de vista dele. Para isso, é necessário desenvolver uma grande capacidade de ouvir e entender o outro. Em vez de considerar os conflitos e as diferenças como ameaças, é melhor percebê-los como oportunidade de crescimento e aprofundamento da relação. O desejo de fazer do outro um espelho, alguém moldado à nossa imagem, deve ser superado para acolher uma pessoa contrastante que nos desafia e amplia nossa perspectiva da vida.

É somente quando desistimos de tentar mudar o outro para que corresponda aos nossos anseios que o casamento se realiza de fato. Casar é aceitar o outro com suas qualidades e defeitos e reconhecer a sua individualidade. Os conflitos, quando encarados e superados, geram uma harmonia que não é um ponto de partida imposto por uma rígida distribuição de papéis, mas a conseqüência de uma relação onde cada um tem voz ativa e ambos aprendem a compartilhar suas emoções e respeitar suas diferenças.

Isabelle Ludovico da Silva é psicóloga com especialização em Terapia Familiar Sistêmica. E-mail:
isabelle@ludovicosilva.com.br

Fonte:
http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=53&materia=211

May 21, 2007

Mudanças na relação homem e mulher

Mudanças na relação homem/mulher
- Isabelle Ludovico


A médica e terapeuta, Ago Burki, analisa esta mudança no livro “Não sou mais a mulher com quem você se casou” (Ed Paulus), fruto de uma pesquisa com mais de 100 mulheres. O modelo patriarcal de casamento, ancorado no nosso inconsciente, está fundamentado num ideal de harmonia que só pode existir quando a mulher se anula e deixa o homem decidir pelos dois. Aos poucos, surge um novo modelo, mais democrático, que resgata o valor de cada um.

Esta busca de uma relação igualitária pode também gerar harmonia, mas somente quando os dois aprendem a lidar com os conflitos numa perspectiva de respeito mútuo. O desencontro será superado como resultado do amadurecimento da relação. Neste caso, a harmonia não é um ponto de partida, imposto por uma rígida distribuição de papéis, mas a conseqüência de uma relação, onde cada um tem voz ativa e ambos aprendem a compartilhar suas emoções e respeitar suas diferenças.

Geralmente é a mulher que inicia o processo de transformação quando ela questiona o lugar que lhe é reservado. Ao se sentir usada, machucada, desvalorizada, ela fica irritada e até indignada. Momentos de depressão e agressão se alternam. Ela se considera ao mesmo tempo vítima e culpada por transgredir a ordem vigente. O homem apóia a mulher enquanto ela continua dependente, mas se assusta quando ela passa a tomar iniciativas. Ele se sente traído. O esfacelamento do seu poder desencadeia uma crise de identidade, que o leva a se fechar ou agredir de volta. Cada um perde o seu lugar e o seu papel. Os dois sofrem e estão cobertos de razão. Chegaram num impasse. Quem é acusado se defende e quem se sente culpado não consegue mudar.

Enquanto a gente acusa o outro, não há progresso, mesmo se as queixas são legítimas. Um momento chave ocorre quando a mulher toma consciência de que ela ajudou a construir o modelo que hoje odeia. Ela não é vítima do marido, mas assumiu o papel de vítima. A única forma de sair do círculo vicioso de acusações e cobranças é reconhecer sua participação no conflito. A crise pode desembocar em separação física ou emocional (mesmo continuando debaixo do mesmo teto). Mas ela pode ser construtiva se cada um assume a responsabilidade por si mesmo, desenvolve a capacidade de estar só e se dispõe a iniciar um processo de diálogo, reconciliação e aceitação mútua.

Nenhum casamento pode preencher totalmente alguém. Cada um deve ter vida própria para se livrar da co-dependência e iniciar uma relação de interdependência. Os medos, fantasias, mágoas precisam ser identificados e expressos para sair do esconderijo do inconsciente onde eles assumem proporções cada vez maiores. Às vezes, as feridas são tão profundas e as defesas tão rígidas que é preciso recorrer a um terapeuta familiar para encontrar o caminho da restauração.

Os casais precisam escolher um ao outro, novamente, várias vezes no decorrer da vida. O casamento requer uma grande flexibilidade e disposição para a mudança. Os dois precisam aprender a ouvir para entender a perspectiva do outro. A vida é um processo contínuo de transformação. O passado não pode ser mudado, mas mesmo o fracasso pode servir de alavanca para o futuro. Na crise, o importante é não desistir, nem fugir na depressão. Ela é uma oportunidade de descobrir a própria força, de crescer.

Cada nova etapa começa com perda. É assim, por exemplo, com a saída dos filhos. Se os filhos não forem capazes de se tornar independentes, os pais falharam. Quando eles conseguem, o relacionamento com eles tende a se transformar numa grande amizade que leva tempo para ser construída. Da mesma forma, o casal que passa por esta crise de paradigmas pode experimentar novas maneiras de ser e de se relacionar.

Escreve-se muito sobre a mudança da mulher, mas muitas mulheres continuam à mercê do homem. Precisaremos de várias gerações para desenvolver uma linguagem própria e redescobrir valores que não sejam apenas reflexo, invertido ou não, do masculino. Homens e mulheres têm hoje a oportunidade de descortinar novos horizontes e desenvolver um potencial até então inibido pela definição estereotipada do que significa ser homem ou mulher.

Isabelle Ludovico da Silva é psicóloga clínica, com especialização em Terapia Familiar Sistêmica. E-mail: isabelle@ludovicosilva.com.br

Fonte: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=58&materia=405

May 18, 2007

A jornada rumo à cura interior

A jornada rumo à cura interior

Os vazios que só Deus preenche

- por Isabelle Ludovico

Existe em nós um vazio tão grande que somente o Deus infinito pode preencher. Somente a experiência do amor incondicional de Deus pode curar nossas feridas de rejeição. Para isso, é preciso enxergar Deus como um Pai acolhedor que nos criou e resgatou para construir conosco um relacionamento tão íntimo quanto o que o une ao seu próprio Filho. Esta verdade, quando assimilada no mais profundo do nosso ser, supre o desejo vital de sermos amados de forma plena e irrestrita. A qualidade de amor pela qual ansiamos é humanamente impossível, pois nossa capacidade de amar é limitada.

Assim, desde o ventre, esta expectativa é frustrada e gera feridas que vão se acumulando e nos deformando. O primeiro passo para a cura é reconhecer o mal que nos fizeram. Pois nossa tendência é negar este mal para tentar nos proteger do sofrimento ou assumir a culpa por ele de forma a proteger os outros. Em vez de reconhecer as limitações dos nossos pais, preferimos arcar com o ônus deste amor incompleto. Por não recebermos o amor que almejamos, passamos a nos sentir indignos dele. Como comenta Lya Luft no seu livro O Rio do Meio ao lembrar a experiência de ter sido internada num colégio: “Se me castigaram tanto, e são pessoas boas, e me amam como dizem, com certeza devo ser muito má”.

A jornada rumo à cura passa pela própria dor. Enquanto negamos essas feridas, a criança dentro de nós não pode crescer, pois permanece aprisionada, à espera de alimento e consolo. Sem tomar consciência desta realidade, reagimos diante das situações da vida a partir da nossa sofrida e negligenciada criança interior. Buscamos confirmar as hipóteses que minam nossa auto-estima ou esperamos que alguém preencha os buracos, aos quais somente nós temos acesso.

O segundo passo é reconhecer o mal que fizemos a nós mesmos com o mal que nos fizeram. Quando negamos a nossa dor, rejeitamos esta criança interior que irá tentar chamar nossa atenção através do mecanismo de somatização. A dor emocional que ignoramos irá se transformar em dor física, pois estaremos adoecendo. Em vez de novamente amordaçar esta dor com remédios para conseguir um alívio imediato, precisamos dar ouvidos a ela para tentar decifrar o que está querendo nos ensinar. O sintoma é um sinal de alerta que, se for suprimido, pode provocar um mal ainda maior até ser finalmente levado em consideração.

Quando assumimos a falha do outro, vamos desenvolver uma auto-imagem deturpada ou nos punir, em que nos tornamos nossos próprios carrascos. O atalho oposto consiste em alimentar uma autocomiseração que nos transforma em vítima inocente e passiva. Na maturidade, percebe-se que não importa tanto o que fizeram conosco, mas o que fizemos com o que realmente nos aconteceu.

Identificar os mecanismos de defesa que nos aprisionam é uma tarefa árdua. Com o intuito de nos proteger do sofrimento, acabamos provocando um mal maior, pois vamos limitando nosso espaço interior e exterior. Adoecemos, fugimos através do ativismo que nos leva ao estresse, desenvolvemos armadilhas contra nós mesmos provenientes dos sentimentos de autodepreciação, autopunição e auto-sabotagem. Em vez de repetir este mal, alimentá-lo e multiplicá-lo, a Bíblia nos convida a “vencer o mal com o bem” (Rm 12.21). O amor de Deus é o único antídoto para o veneno do desamor. Este amor é manifesto e acessível aos homens em Cristo, que se identificou conosco e levou sobre si todas as nossas feridas.

Às vezes precisamos que alguém nos acompanhe neste caminho em direção à Verdade, pois tememos ser destruídos por descobertas avassaladoras ou emoções incontroláveis. Um terapeuta pode ser um guia seguro nesta empreitada.

Encarar o nosso mundo interior, as nossas dores, mágoas, decepções, é a única forma de nos reconciliarmos conosco mesmos e com a nossa história. Resgatar esta criança abandonada, dar-lhe colo, sendo pai e mãe de nós próprios, nos liberta da dependência dos outros e nos capacita a construir relações maduras e equilibradas.

Fonte: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=64&materia=580

May 17, 2007

Da simbiose à autonomia

Da simbiose à autonomia
- Isabelle Ludovico

A maioria das relações afetivas começa de uma forma simbiótica. É assim entre a mãe e seu bebê. Há uma dependência física, mas também emocional. A mãe se doa e a autonomia do filho se manifesta quando recusa o leite ou dorme. Mas dependência não significa amor. A dependência confere poder sobre o outro e elimina limites, enquanto o amor requer limites. A mãe e o bebê precisam aprender a dizer “não” para construir sua autonomia. Dar demais ou receber demais faz adoecer. Basta ser uma mãe boa o suficiente.

A relação amorosa começa igualmente com uma forma simbiótica de paixão romântica. A terapeuta familiar Ago Bürki considera esta co-dependência necessária, pois gera unidade. Mas a paixão se transforma em amor quando as diferenças são respeitadas. Não podemos nos dar completamente. Há um certo grau de solidão existencial que não pode ser eliminada, mesmo na relação sexual. A autonomia se manifesta estabelecendo fronteiras, dando espaço para dar e receber afeto conforme a capacidade de cada um. A relação se constrói numa dinâmica de aproximação e distanciamento que visa consolidar a intimidade sem prejudicar a individualidade. Desenvolver uma relação madura depende do equilíbrio delicado entre dar e receber afeto.

A relação é saudável quando existe mutualidade. Ambos ganham ou perdem juntos. Uma ponte é construída quando há reciprocidade, mesmo que alguns conflitos sejam insolúveis. Os parceiros precisam aprender a dizer “não”, em vez de apenas reagir ao sentimento de invasão ou desrespeito, acusando ou desqualificando o outro. Este equilíbrio não pode ser rígido nem estático. Pelo contrário, ele precisa de muita flexibilidade para adaptar-se às necessidades de cada um.

Desejamos e, ao mesmo tempo, temos medo de dar e receber. Existe o risco de ser usado ou rejeitado, de tornar-se vulnerável ou dependente. Muitos parceiros, por se sentirem lesados, retêm seu afeto e ficam cada vez mais carentes. Aqueles que recebem demais acabam rejeitando o excesso e se fecham, em vez de serem gratos. O parceiro pode tentar superar essa rejeição doando-se ainda mais, aumentando, assim, o desequilíbrio afetivo. Mas, em geral, a pessoa que se doa demais irá fazer cobranças. Uma forma de sair da co-dependência é aprender a ouvir a sua própria voz interior. Será que estou dando o que eu posso? Por que retenho o que o outro me pede? Estou punindo-o ou estou no meu limite?

Numa relação madura, cada um procura entender o que é importante para o outro e atender às suas necessidades. Não se trata de quantidade, mas de qualidade, e os casais costumam ter critérios de avaliação diferentes. Alguns precisam ser ouvidos, enquanto outros se sentem amados com expressões físicas de carinho. Assim, é preciso aprender a linguagem do outro e ensinar-lhe nossa própria linguagem, em vez de cobrar dele que sinta como nós. Há formas de dar que, em vez de suprir o outro, o oprimem: a imposição, a super-proteção, a condescendência.

Além de dar e receber afeto, é importante dar a nós mesmos o direito de recusar o que não nos faz bem, bem como pedir e tomar aquilo que desejamos, em vez de apenas esperar passivamente que o outro adivinhe nossas necessidades e nos supra. Dar ao outro o direito de recusar significa não interpretar sua recusa como rejeição, mas apenas como expressão da sua individualidade. Conhecer e respeitar seus limites e os do outro é o segredo da intimidade.

A Bíblia nos encoraja a dar o respeito, a atenção, o perdão que queremos receber. Isto significa descobrir como o outro se sente respeitado e acatar nossas diferenças, ou seja, aceitar discordar. Ser cristão é procurar ampliar nossa capacidade de doação e a qualidade dos nossos vínculos, aprendendo a amar de forma incondicional, deixando o outro livre para retribuir ou não, livre de cobranças e expectativas. Se for uma ação genuína, irei me sentir feliz e realizada, caso contrário me sentirei esvaziada e frustrada. Neste processo, é essencial valorizar o que é possível, mesmo que seja aquém das nossas expectativas, sendo pacientes conosco e com o outro. Basta saber que estamos progredindo.

Fonte: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=61&materia=469

May 16, 2007

De indivíduo à pessoa

De indivíduo à pessoa
- Isabelle Ludovico

A palavra indivíduo define um elemento da espécie, mas significa também que este elemento é uma unidade que não pode ser dividida. Este é um bom ponto de partida: perceber que o ser humano é uma totalidade formada de corpo, alma e espírito interligados e inseparáveis. Assim, não existem almas desencarnadas. Vamos ressuscitar com um novo corpo incorruptível. O corpo nos delimita em relação ao meio ambiente. Deus nos tece no útero da nossa mãe, dando-nos consistência. O corpo é a plataforma sobre a qual se constrói a nossa identidade. Ele registra a nossa história e emite sinais que, se não forem atendidos, se transformam em sintomas. Assim, a pele se arrepia quando a temperatura do corpo cai. Se não for aquecido, logo virão espirros seguidos de febre, anunciando um resfriado.

A sociedade faz do corpo apenas uma vitrine que precisa ser mantida nas medidas certas para se tornar objeto de desejo sexual. Algumas pessoas tratam o corpo com desconfiança permanente como se fosse uma armadilha prestes a derrubá-las. Os intelectuais olham para o corpo com um certo desprezo em relação à mente. A maioria das pessoas só presta atenção ao corpo quando este gera dor. Não percebem que o corpo é a nossa casa, um presente maravilhoso, fonte de prazeres variados através dos sentidos. Reconciliar-se com o seu corpo, compreender a sua linguagem, desenvolver e desfrutar de seus recursos, ampliar os seus movimentos, cuidar bem de suas necessidades, são vias de acesso a uma vida mais harmoniosa e mais saudável.

A alma permite esta consciência de si mesmo que nos distingue dos animais. Aventurar-se no nosso mundo interior é um desafio que nos revela tesouros escondidos e nos ajuda a liberar fantasmas reprimidos que sugam nossa energia. Aprofundar o autoconhecimento, entrar em contato com as nossas emoções e filtrá-las através da razão possibilita um desenvolvimento equilibrado. Não basta alimentar-se fisicamente, é importante selecionar aquilo que vai alimentar a nossa alma. Ser adulto significa assumir a responsabilidade de ser pai e mãe de nós mesmos, proporcionando-nos proteção, limite, direção, encorajamento, conhecimento, afeto. Identificar e modificar padrões de comportamento distorcidos nos permite adotar uma postura e ações coerentes com o nosso sistema de valores. Cada um precisa avaliar como sente e faz sentido no mundo.

Cada um de nós possui, dentro de si, um núcleo saudável que podemos chamar self e testifica a nossa criação à imagem de um Deus perfeito. O self tem um caráter transcendente que possibilita o acesso à vida espiritual através da reconciliação com Deus por meio do sacrifício de Cristo. O desenvolvimento integral só acontece quando construímos um vínculo cada vez mais profundo e amoroso com nosso Criador. Somos todos filhos pródigos chamados a voltar para casa. A casa é o lugar em nós onde Deus escolheu fazer sua morada e onde Ele nos espera de braços abertos para nos consolar, confortar e curar.

Tornar-se pessoa significa perceber-se como um ser humano único, dotado de recursos e limites, de luz e sombra, chamado a crescer de forma harmoniosa. Cada um precisa desenvolver o seu potencial equilibrando e integrando o sentir, o pensar e o agir. O sentimento de ser e pertencer depende da qualidade do nosso relacionamento com Deus e irá influenciar todos os outros vínculos. Aprender a dar e receber carinho, bem como oferecer um ao outro um espaço de acolhimento e respeito são condições para a construção de relações maduras que integrem compromisso e liberdade.

Harmonizar corpo, alma e espírito se manifesta na coerência entre sentimentos, pensamentos, palavras, posturas e ações. Isto é também um dos objetivos centrais da terapia. O terapeuta serve de espelho para que o paciente tome consciência das várias facetas de sua personalidade e enxergue as suas ambigüidades. Trata-se de um olhar amoroso para que o paciente possa reconhecer as suas falhas e corrigir os seus erros, em vez de levá-lo a levantar mais defesas por medo de se sentir rejeitado. Neste processo, os aspectos luminosos também têm mais espaço para se desenvolverem. Através de uma atitude mais compreensiva consigo mesmo, cada um se torna também mais paciente em relação ao outro.

Fonte: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=69&materia=710

May 15, 2007

Solitude

Solitude
- Isabelle Ludovico

Um sinal de maturidade diz respeito à capacidade de transformar a solidão em solitude. No entanto, desenvolvemos várias artimanhas para fugir desse encontro conosco, pois achamos que precisamos estar fazendo alguma coisa para merecer algum tipo de reconhecimento. Assim, somos movidos pelo desejo de agradar e procuramos nos tornar aquilo que as pessoas esperam de nós. Neste processo, vamos nos distanciando do nosso verdadeiro eu e construímos uma identidade fictícia à qual nos agarramos para garantir nosso lugar no mundo. Parar seria defrontar-nos com esta máscara que esconde um grande vazio interior, o que desperta em nós um verdadeiro pânico.

Num artigo muito interessante intitulado “A capacidade de estar só”, o famoso psicanalista Winnicott pontua que esta depende da experiência de estar só na presença de alguém que me ama como sou. É muito raro encontrar este tipo de amor nos nossos relacionamentos. Por mais que nossas mães nos tenham amado, elas sempre tiveram alguma expectativa e carência que tentaram preencher através de nós. Ou seja, é praticamente apenas em Deus que podemos encontrar este amor que não exige nada de nós. Na solidão, o desamparo gerado por nosso vazio interior nos leva a clamar por este amor que lança fora o medo da rejeição e nos dá a coragem de descobrir e assumir quem somos. Verdade sem amor é devastador, mas verdade com amor é libertador.

Estarmos sós diante do “Eu sou” nos permite ser nós mesmos, nos ajuda a ir nos libertando do falso self que construímos para sermos amados. A contemplação é este estado de inteireza na presença de Deus. Não precisamos fazer nada, dizer nada, pedir nada. Basta sermos sinceros, sem artifícios, sem manipulação, desarmados e maltrapilhos, mas também reverentes e gratos. O pânico vem do sentimento de não merecer este amor. E não merecemos mesmo. Como diz Philip Yancey, não há nada que possamos fazer para Deus nos amar mais e nada que tenhamos feito que faça Deus nos amar menos. Nossa relação não se sustenta no nosso desempenho, mas na sua escolha de nos amar, apesar de nós, a ponto de morrer na cruz por nós.

Deus já provou o seu amor, por isto podemos confiar nEle. Na solidão, descobrimos nossa fragilidade e carência, mas também a consistência do seu amor. A nossa sombra é desmascarada, mas também a luz que herdamos dEle vem à tona. “Contemplando Deus... somos transformados à sua imagem...” ou seja, vamos nos apaixonando por Ele e desejando nos tornar cada vez mais parecidos com Ele. O Senhor nos inspira, nos atrai e mobiliza o que há de melhor em nós, de modo que nos aproximemos cada vez mais da obra-prima única que Ele projetou ao nos criar.

Neste processo, vamos nos despojando do falso self e descobrindo nossa verdadeira identidade. Como descreve muito bem Fernando Pessoa num poema citado por Rubem Alves:

Procuro despir-me do que aprendi.
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos.
Desencaixotar minhas emoções verdadeiras.
Desembrulhar-me e ser eu...
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
isso exige um estudo profundo,
uma aprendizagem de desaprender...

Assim, na solidão, podemos nos reconciliar com nosso eu verdadeiro. Ele carrega as marcas do pecado, mas são elas que nos permitem experimentar a graça de Deus. Elas nos ajudam a abrir mão do desejo onipotente de perfeição, do orgulho de querer ser “como Deus”. Elas nos mantêm humildes e conscientes das nossas limitações, mas também nos abrem para o poder restaurador de Deus.

A solidão não é uma inimiga, mas um espelho que nos revela nossa verdade interior. Somente aqueles que se reconciliaram consigo podem construir uma relação madura com alguém. Pois eles não precisam mais usar o outro para fugir de si ou para se valorizar. Pelo contrário, eles sabem respeitar a distância que possibilita a cada um ver o outro inteiro.

Fonte: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=65&materia=603

May 14, 2007

Viver o presente

Viver o presente
- Isabelle Ludovico


Uma síndrome típica da modernidade é essa necessidade de correr atrás do tempo. Nós nos achamos na obrigação de estarmos sempre muito ocupados porque, na nossa sociedade, “estar ocupado” é sinônimo de “ser importante”. Assim, caímos num ativismo desenfreado que gera estresse e nos impede de desfrutar a vida. Essa atitude revela a dificuldade de lidar com a nossa finitude. Para fugir da consciência da nossa morte, enchemos nossa agenda sem perceber que estamos confundindo quantidade e qualidade, privando-nos assim de apreciar a riqueza de cada instante. O ativismo também diminui a nossa produtividade, pois acabamos atropelando a nós mesmos e minando nossa eficiência. Ele funciona como uma droga: num primeiro momento, produz uma certa euforia, mas esta emoção é passageira. Para consegui-la novamente, precisamos aumentar a dose, isto é, acelerar cada vez mais. Paulatinamente, ficamos viciados em ativismo, incapazes de parar e sossegar.

Existe um paradoxo que nos leva a só perceber o valor da saúde quando ficamos doentes e só valorizar a vida quando somos confrontados com o seu limite. Pacientes terminais ou pessoas que viram a morte de perto – que foram seqüestradas, por exemplo – passam por um processo em que tendem a refazer o seu projeto de vida. Eles descobrem que se deixaram envolver por necessidades periféricas e não deram ouvidos a seus anseios básicos: o desejo de pertencer, de fazer parte, de ser acolhido; o desejo de transcendência, que os leva a buscar se reconciliar com Deus; e o desejo de sentido existencial, ligado à qualidade dos nossos relacionamentos e à nossa contribuição no Reino de Deus. Eles geralmente chegam à conclusão de que, se conseguirem escapar, vão mudar sua escala de valores e dar prioridade a alguns vínculos significativos.

Aprofundar a nossa conversão significa transformar esse ativismo em quietude e serenidade – “Porque assim diz o Senhor Deus, o Santo de Israel: Em vos converterdes e em sossegardes está a vossa salvação; na tranqüilidade e na confiança a vossa força” (Is 30.15).

É um convite para pessoas que não querem mais ser levadas pelas pressões, internas e externas, e decidem escolher o seu caminho a partir de uma relação mais íntima com Deus. A experiência profunda do amor incondicional do Pai fundamenta nossa identidade em Deus e não em desempenho e sucesso. Ela possibilita uma acolhida amorosa de nós mesmos e desperta um desejo de desfrutar mais plenamente a vida, desenvolvendo o nosso próprio potencial, pois nos liberta do medo da rejeição e da crítica. Ao assumir o risco de sair dos padrões estereotipados que herdamos, podemos trilhar novas picadas.

Somente uma relação apaziguada com nós mesmos permite estarmos totalmente presentes – corpo, alma e espírito –, usufruindo cada instante. Caso contrário, tendemos a fugir de nós próprios e de nossos conflitos internos, correndo de uma atividade para outra e usando o controle de nossas mentes para sufocar as emoções. É preciso coragem para nos aventurar em nosso espaço interior e enfrentar os fantasmas da nossa alma. As mágoas, carências e decepções que escondemos em nosso porão nos impedem de ter acesso à nossa força vital e criativa. Ao tentar nos proteger do sofrimento, acabamos nos privando da alegria. Quando encarados, os fantasmas tendem a diminuir, porque eles se nutrem do nosso medo.

Aceitar a nós mesmos com nossa luz, mas também com nossa sombra, é a porta de entrada para viver com intensidade e gozo cada dia que nos é dado como um presente e que, geralmente, desperdiçamos. Esta é a única maneira de poder nos despedir do passado e acolher com confiança e gratidão o futuro, a partir da convicção de que soubemos aproveitar aquilo que a vida nos proporcionou. Dessa forma, as boas lembranças do passado são nosso tesouro e nutrem a nossa alma em vez de desembocar na dor da saudade, que provém muitas vezes da sensação de perda por algo que não fomos capazes de vivenciar plenamente. Assim, podemos dizer de coração: “Este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Sl 118.24)

Fonte: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=63&materia=553

May 11, 2007

Cuide do seu coração

Cuide do seu coração
Depositando as feridas aos pés da cruz

- Isabelle Ludovico

É muito difícil olhar para dentro de si e reconhecer que há feridas de rejeição, abandono, incompreensão, negligência, eventualmente até maus tratos e abusos. É dolorido perceber que estas feridas foram feitas pelas pessoas mais próximas: pais, parentes, pessoas que deveriam ter cuidado de nós, nos acolhido e protegido. No entanto, Jesus traz uma boa notícia quando afirma que “... Nada há, fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar. Mas é o que sai dele que o contamina... Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, e a loucura. Todos estes males procedem de dentro, e contaminam o homem” (Mc 7.1-23).

Cristo nos afirma que este mal não precisa nos contaminar. Em primeiro lugar, não somos responsáveis pelo que o outro fez, mas apenas pelo que fazemos com o mal que nos fizeram. Podemos tentar fazer de conta que não existe, negar que tenha nos machucado, justificar aqueles que nos feriram e assumir a culpa deles. Neste caso, somos candidatos a doenças físicas, dor de estômago, enxaqueca e outros distúrbios que não passam de somatizações das emoções reprimidas. Ou nos tornamos extremamente perfeccionistas para garantir o reconhecimento do outro e tentar evitar novas agressões.

Outra alternativa destrutiva é abrigar este mal, remoê-lo, perpetuá-lo, ou seja, alimentar a ferida para punir o outro ou para que tenham pena de nós. É a atitude do deficiente que acentua sua deformação para pedir dinheiro na rua. Podemos ainda revidar e, com isto, nos assemelhar justamente àquilo que repudiamos. Tornamo-nos pessoas amargas, críticas e agressivas. Nestas três hipóteses, o mal venceu, pois conseguiu nos contagiar. Nós nos machucamos e machucamos o outro a partir destas feridas não curadas. Desenvolvemos mecanismos de defesa e ataque que fazem de nós pessoas perigosas, como o terrorista que mata para vingar a morte de amigos e parentes.

Mas existe um caminho de cura que passa pelo reconhecimento da amplitude do mal e o perdão fundamentado na atitude de Jesus na cruz. Vencer o mal com o bem é resistir ao mal, recusar-se a deixar que ele tome conta do nosso coração, deforme nossa auto-imagem e nos leve a desistir de amar e ser amado. Deus nos capacita a digerir os pensamentos e as emoções que nos assaltam quando depositamos todas estas feridas aos pés da cruz. A vitória que Ele já conquistou também é nossa se escolhemos o bálsamo e o antídoto do seu amor.

É importante reconhecer no nosso íntimo a tentação de sucumbir ao mal, de deixar-nos abater e até destruir por ele. Somos tentados a desconfiar do amor de Deus por ter deixado acontecer aquele sofrimento. A vida nos parece absurda e perdemos o desejo de viver. Mas quando consideramos que até Cristo foi alvo da maldade humana e não fugiu, nem cedeu ao ódio, mas, pelo contrário, reafirmou o seu amor incondicional, somos encorajados a seguir suas pegadas e atravessar o vale da sombra da morte porque encontramos nEle esta fonte inesgotável de amor. Assim, levantamos a cabeça e nos dispomos a encarar a vida de peito aberto, com sua porção de sofrimento, mas também de alegria, de realizações, de presentes a serem desfrutados.

Entrar em contato com nossas feridas requer muita coragem, mas permite perdoar-nos pelas tentativas equivocadas de lidar com a situação. Indo ao encontro desta criança envergonhada, cada pessoa pode reconciliar-se consigo mesma, resgatar a espontaneidade e criatividade perdidas, descortinar novos horizontes, amar e ser amada.

Isabelle Ludovico da Silva, psicóloga com especialização em Terapia Familiar Sistêmica. E-mail: isabelle@ludovicosilva.com.br

Fonte: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=67&materia=661

May 10, 2007

26/5 (sábado) - vamos, vamos?

Recursos do Deserto
Chérie,

Convido você para passar um dia especial "olhando para dentro".

Garanto que não vai se arrepender ao descobrir um novo olhar sobre os desertos que aparecem em nossas vidas.

Espero vc lá,

KT
RECURSOS DO DESERTO

JORNADA MEDITATIVA

Fugimos do deserto em vez de perceber que é justamente o lugar da nossa libertação: das nossas máscaras e esquemas de fuga, das nossas ilusões, das nossas falsas seguranças...

O caminho da maturidade espiritual passa impreterivelmente pelo deserto onde podemos assimilar mais profundamente o amor incondicional de Deus.

Vamos separar este dia para entrar no nosso mundo interior e descobrir os recursos surpreendentes que nos esperam no deserto.

PARA QUEM: homens e mulheres cristãos

QUANDO: sábado, dia 26 de Maio de 2007, das 9h às 17h

ONDE: Rua Dr. Franco da Rocha 215 - Perdizes (travessa da João Ramalho, perto da PUC e Colégio Batista - salão do prédio da Renira: 3873 4853).

INVESTIMENTO: 110,00 reais (almoço incluído)

COORDENAÇÃO: Isabelle Ludovico da Silva, psicóloga clínica com especialização em Terapia Familiar Sistêmica.

INSCRIÇÃO com Isabelle: isabelle@ludovicosilva.com.br


* * *

Um convite para ser

- Isabelle Ludovico

A Bíblia nos encoraja a usar os nossos talentos e trabalhar com dedicação. No entanto, somos chamados a separar um dia para descansar em Deus (Deuteronômio 5:12). Esse mandamento foi totalmente mal-interpretado e desvirtuado. Muitos aproveitam esse dia, garantido por lei, para atividades de lazer que não incluem Deus e são justamente chamadas de diversão ou distração, denunciando assim o seu caráter alienante. Outros acham suficiente reservar duas horas para um culto que, muitas vezes, tem se tornado um show, um espetáculo destinado muito mais ao público que a Deus. É comum ouvir os participantes comentarem se gostaram ou não do evento, sem perceber que deveriam se perguntar se Deus gostou ou não.

Numa sociedade onde a pessoa é valorizada pelo que tem, muitos preferem trocar o descanso por mais trabalho, no intuito de ganhar mais. Reservar um dia para Deus soa como perda de tempo, algo anacrônico e incompatível com nossa sociedade de consumo onde até o lazer virou mercadoria. Olhamos para esse mandamento com reserva porque não percebemos o seu caráter libertador. Sair da correria e do ativismo para se perceber na presença de Deus permite descobrir quem somos quando não estamos fazendo nada. O que sobra de nós quando deixamos de lado nossos múltiplos papéis e quando ninguém precisa de nós.

Perceber a nossa pequenez diante de um Deus soberano agride o nosso narcisismo onipotente. Mas somente quando reconhecemos que não merecemos o acolhimento amoroso de Deus somos tomados por uma alegria sem par por nos saber amados incondicionalmente. Nosso valor não depende mais dos nossos esforços para atender expectativas alheias. Ele se fundamenta na nossa identidade de filhos criados e perdoados por Deus. A Bíblia nos lembra que nada pode nos separar desse amor, apenas nós mesmos quando nos afastamos dessa identidade para buscar outras fontes de reconhecimento que nos colocam novamente numa relação escravizante. Temos o desejo de sermos amados de forma absoluta e incondicional, de pertencer, de transcendência que só Deus pode preencher. Todo êxito humano, toda tentativa de preencher este desejo sem Deus se acompanha de um sentimento de frustração e vazio.

Santificar o tempo é passar a viver numa dimensão que nos liberta da tirania do desempenho e nos conecta com a eternidade. Em vez de correr atrás do tempo e encher o nosso tempo para fugir da morte, somos convidados a fazer parte de um Reino eterno que começa aqui e acontece onde a vontade de Deus é respeitada. Deus abençoou o sétimo dia e fê-lo santo (Gênesis 2:3). No sétimo dia foi criada a tranqüilidade, serenidade, quietude, harmonia e paz.

Mais que uma pausa, é uma restauração. Deus não descansou porque estava exausto ou sem inspiração para criar. Ele se deu este tempo para desfrutar o que existia. Significa dizer basta à nossa voracidade e experimentar a nossa suficiência em Deus. É a nossa vocação: não apenas um interlúdio, mas o clímax do viver. É uma prévia das bodas do Cordeiro, uma iniciação à apreciação da vida eterna. As coisas criadas nos seis primeiros dias são boas e muito boas; o sétimo dia é santo. Nos seis primeiros dias focamos a natureza, no sétimo dia o Criador da natureza.

O que somos depende do que o schabat é para nós1. O schabat nos ajuda a passar da mentalidade de escravo para a de filho. Ele reforça nossa identidade espiritual que nos livra do domínio das coisas e das pessoas. Supridos por essa comunhão, podemos ir ao encontro das pessoas e usufruir as coisas sem dependência. No lugar em nós onde Deus habita, estamos sãos e salvos, livres da pressão dos outros, livres da compulsão do ter e do fazer, livres para ser nós mesmos.

O anelo pelo schabat revela o anelo pela vida eterna. Deseje a intimidade com Deus em vez de cobiçar os bens do próximo. A Verdade em que acreditamos não é um dogma ou uma relação de preceitos, mas é Cristo que nos convida a conhecer o Seu Pai por meio dEle. Nessa relação, vamos desenvolvendo a Imagem de Deus em nós. Esse é o processo de santificação que ocorre a partir do schabat e permeia toda a nossa existência. A consciência da presença acolhedora de Deus passa a nos acompanhar nos outros dias da semana, nos capacitando a enxergar as nossas circunstâncias na perspectiva da eternidade e saborear a vida abundante que Cristo veio nos dar.

1 Heschel, Abraham Joshua. O Schabat, seu significado para o homem moderno. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000

Fonte:
http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=52&materia=243