May 17, 2007

Da simbiose à autonomia

Da simbiose à autonomia
- Isabelle Ludovico

A maioria das relações afetivas começa de uma forma simbiótica. É assim entre a mãe e seu bebê. Há uma dependência física, mas também emocional. A mãe se doa e a autonomia do filho se manifesta quando recusa o leite ou dorme. Mas dependência não significa amor. A dependência confere poder sobre o outro e elimina limites, enquanto o amor requer limites. A mãe e o bebê precisam aprender a dizer “não” para construir sua autonomia. Dar demais ou receber demais faz adoecer. Basta ser uma mãe boa o suficiente.

A relação amorosa começa igualmente com uma forma simbiótica de paixão romântica. A terapeuta familiar Ago Bürki considera esta co-dependência necessária, pois gera unidade. Mas a paixão se transforma em amor quando as diferenças são respeitadas. Não podemos nos dar completamente. Há um certo grau de solidão existencial que não pode ser eliminada, mesmo na relação sexual. A autonomia se manifesta estabelecendo fronteiras, dando espaço para dar e receber afeto conforme a capacidade de cada um. A relação se constrói numa dinâmica de aproximação e distanciamento que visa consolidar a intimidade sem prejudicar a individualidade. Desenvolver uma relação madura depende do equilíbrio delicado entre dar e receber afeto.

A relação é saudável quando existe mutualidade. Ambos ganham ou perdem juntos. Uma ponte é construída quando há reciprocidade, mesmo que alguns conflitos sejam insolúveis. Os parceiros precisam aprender a dizer “não”, em vez de apenas reagir ao sentimento de invasão ou desrespeito, acusando ou desqualificando o outro. Este equilíbrio não pode ser rígido nem estático. Pelo contrário, ele precisa de muita flexibilidade para adaptar-se às necessidades de cada um.

Desejamos e, ao mesmo tempo, temos medo de dar e receber. Existe o risco de ser usado ou rejeitado, de tornar-se vulnerável ou dependente. Muitos parceiros, por se sentirem lesados, retêm seu afeto e ficam cada vez mais carentes. Aqueles que recebem demais acabam rejeitando o excesso e se fecham, em vez de serem gratos. O parceiro pode tentar superar essa rejeição doando-se ainda mais, aumentando, assim, o desequilíbrio afetivo. Mas, em geral, a pessoa que se doa demais irá fazer cobranças. Uma forma de sair da co-dependência é aprender a ouvir a sua própria voz interior. Será que estou dando o que eu posso? Por que retenho o que o outro me pede? Estou punindo-o ou estou no meu limite?

Numa relação madura, cada um procura entender o que é importante para o outro e atender às suas necessidades. Não se trata de quantidade, mas de qualidade, e os casais costumam ter critérios de avaliação diferentes. Alguns precisam ser ouvidos, enquanto outros se sentem amados com expressões físicas de carinho. Assim, é preciso aprender a linguagem do outro e ensinar-lhe nossa própria linguagem, em vez de cobrar dele que sinta como nós. Há formas de dar que, em vez de suprir o outro, o oprimem: a imposição, a super-proteção, a condescendência.

Além de dar e receber afeto, é importante dar a nós mesmos o direito de recusar o que não nos faz bem, bem como pedir e tomar aquilo que desejamos, em vez de apenas esperar passivamente que o outro adivinhe nossas necessidades e nos supra. Dar ao outro o direito de recusar significa não interpretar sua recusa como rejeição, mas apenas como expressão da sua individualidade. Conhecer e respeitar seus limites e os do outro é o segredo da intimidade.

A Bíblia nos encoraja a dar o respeito, a atenção, o perdão que queremos receber. Isto significa descobrir como o outro se sente respeitado e acatar nossas diferenças, ou seja, aceitar discordar. Ser cristão é procurar ampliar nossa capacidade de doação e a qualidade dos nossos vínculos, aprendendo a amar de forma incondicional, deixando o outro livre para retribuir ou não, livre de cobranças e expectativas. Se for uma ação genuína, irei me sentir feliz e realizada, caso contrário me sentirei esvaziada e frustrada. Neste processo, é essencial valorizar o que é possível, mesmo que seja aquém das nossas expectativas, sendo pacientes conosco e com o outro. Basta saber que estamos progredindo.

Fonte: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=61&materia=469

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