January 31, 2015

Este ano vai ser diferente

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- Rubem Amorese

Este vai ser o ano da contrição, do joelho dobrado e do coração quebrantado. Vai ser o ano em que buscarei me despir de todos os “poderes” que penso ter e dos recursos que amealhei na vida, como a educação, o dinheiro, a esperteza, a influência, os amigos poderosos, o prestígio, o cargo etc. Será o ano da mão estendida, que pede misericórdia, que se condói por si e pelos outros; da alma que chora e se assenta à mesa da comunhão para ser consolada.

Quero aprender quando admoestado. Quero um encontro sério com meus temores e fraquezas. Quero gente comum se metendo na minha vida; quero o último recurso do fraco: a oração.

Este ano serei menor. Se possível, o menor de todos.

Vou voltar para casa, mesmo que isso me custe o emprego ou me prejudique nos negócios. Vou me encontrar com minha esposa e ficar muito tempo com ela e com os meus filhos. Vou redescobrir a alegria de ouvir os meus pais, até que se cansem de falar. E se houver outros pais os ouvirei também.

Nesse tempo juntos, vamos renovar nossa aliança e retomar nossa amizade. Entre uma cambalhota e outra, vamos abrir a Palavra e lê-la juntos. Muito. Sobre ela, vamos falar de nós mesmos. De coisas íntimas e caras. De coisas sobre as quais já não falamos porque não interessam. Vamos nos confessar uns aos outros, abrindo-nos as vidas para que nelas entre luz do céu (eu pretendo chorar muito, já vou avisando). E vamos orar, contritos por não sermos o que nele poderíamos ser. Pediremos poder para matar esses gigantes.

Quero voltar para a minha igreja. Chega de proximidade de ano-luz. Já não quero essa armadura que vesti para tornar-me invulnerável ao ataque fraterno. Descobri que com ela fiz-me também impenetrável ao seu amor. Buscarei um retorno à amizade espiritual, com irmãos com quem possa abrir a minha alma. Sem medo de parecer menos homem por isso.

Quero tempo para aqueles que riam à toa comigo e se alegrem na singeleza de um corinho ou de uma boa pizza com guaraná (celebrados por nós como pão e vinho). Com eles, quero voltar a pisar em terra santa: tirar as sandálias ao encontrar-me com Deus no espaço de corações hospitaleiros, sinceros e amorosos.

Cantaremos juntos. Um cântico novo. Um canto de liberdade.

Senhor, este ano eu gostaria de ser “mais que vencedor”, um leão. Mesmo que, por olhos globalizados, eu seja visto como uma ovelha para o matadouro (Rm 8.36, 37).

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/274/resolucoes-de-ano-novo

January 30, 2015

Seguindo em frente

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Sentado aqui agora, horas que se vão ao relógio: tempo.

Tempo que nos conduz para mais uma mudança rumo a um caminho que ainda reservará novos desafios, encontros e a inspiração que dará o tom, a continuidade de uma história e suas pinceladas em tons de cinza e cores vibrantes.

As emoções e sentimentos vão e vem trazendo lembranças, reavivando sonhos e enchendo o coração pulsante de esperança.

O tempo tem se permitido abrir momentos onde experimentei alegrias de celebrações que uniram amigos queridos, encontros com uma juventude engajada no servir e desejando viver um Cristianismo de dentro para fora, visitas de pessoas queridas, amizades que apenas iniciaram uma construção duradoura e o mais importante palavras inspiradoras e cheias de uma força bem desenhadas em pequenos pedaços de papel.

A cada término e novo início é tempo de parar, se autoanalisar, reafirmar convicções, desconstruir e perceber que a obra em nossa vida continuará sendo edificada em uma base sólida: o amor.

Amor que me guia, entende, respeita e impulsiona afinal de contas a vida continua. Continuar por continuar seria diminuir a vida a uma insignificante contagem de dias esperando o fim.

Não me permito dar um ponto final, no máximo umas interrogações frente às perguntas respondendo com coragem, humildade e significância.

Significado ao chamado que nos enxerga como peças importantes nesse tabuleiro onde caminhar e enfrentar adversários é alcançar não a outra extremidade e a vitória pessoal, mas sim o cumprir do resgate pessoal e coletivo.

Por fim, opa não seria recomeço?

A vida tem me ensinado e me levado a me entender melhor a cada dia, a lutar contra meus próprios planos e construções, percebendo o quanto fraco sou.

Não se intimide, não corra de você mesmo, a coragem está no ato de se desarmar, se reconhecer e se lançar a cada novo dia nesse tempo e nessa história, um mundo que precisa dos “fracos” para mostrar a fonte de todo poder.

Quero e buscarei isso todos os dias até que as cortinas sejam fechadas, as luzes se apaguem e o amanhã não me acorde com um novo desafio.

- Jeverton Magrão Ledo

Fonte: http://ultimato.com.br/sites/jovem/2015/01/16/seguindo-em-frente/?__akacao=2248599&__akcnt=649ec17b&__akvkey=cdbf&utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=Ultimato+Jovem+%2377

January 29, 2015

Dois mandamentos em doze passos

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Hoje é cada vez mais comum a busca pelo prazer - seja ele qual for. Quando essa busca se torna obsessiva e ultrapassa limites morais, chamamos isso de “vício”. 

Os objetos de vício podem ser o álcool, a pornografia, as drogas, a comida, o trabalho, o tabaco, o sexo etc. Porém, esse comportamento obsessivo é só a ponta do “iceberg”.

O que há por trás dele?

Em Mateus 22.35-37, Jesus nos ensina que existem dois principais mandamentos que se resumem neste: amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo. 


Para cumpri-lo, são necessários três tipos de relacionamento: do homem com Deus, do homem consigo mesmo e do homem com o seu próximo. 

Repare que Deus coloca as coisas no lugar em que elas devem estar - ele acima e os homens iguais, sem diferenças. 

disso, ele vincula o mandamento a uma ação: amar o próximo como a si mesmo.

Desde a entrada do pecado, essas três relações estão sempre precisando de uma restauração. E para obedecermos aos mandamentos, precisamos que elas estejam em perfeito estado. 


Não é fácil - e quando as relações não vão bem, os principais indicativos são os comportamentos viciados.

Então, como obedecer aos mandamentos, se os relacionamentos estão quebrados ou em vias de falir? 


Os doze passos dos alcoólicos anônimos foram criados por dois alcoólatras. Ao contrário do que muitos pensam, os passos não tratam do alcoolismo em si, mas de restaurar os relacionamentos descritos anteriormente.

Para restaurar o relacionamento “com Deus”, preciso:


1) Admitir que sou impotente perante os efeitos da minha separação de Deus (a saber: pornografia, álcool etc.), que perdi o domínio sobre minha vida. 

2) Vir a acreditar que um poder superior a mim mesmo pode devolver-me a sanidade. 

3) Decidir entregar minha vontade e minha vida aos cuidados de Deus.

Para restaurar o relacionamento “comigo mesmo”, preciso: 


4) Fazer um minucioso inventário moral de mim mesmo.

5) Admitir perante Deus, eu mesmo e outro ser humano a natureza exata de minhas falhas. 

6) Prontificar-me inteiramente a deixar que Deus remova todos esses defeitos de caráter. 

7) Humildemente rogar a ele que me livre de minhas imperfeições.

Para restaurar o relacionamento “com o próximo”, preciso: 


8) Fazer uma relação de todas as pessoas a quem prejudiquei e me dispor a reparar os danos a elas causados. 

9) Fazer a reparação direta dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando isso signifique prejudicá-las ou a outrem. 

10) Continuar a fazer o inventário pessoal e, quando estiver errado, admiti-lo prontamente.

Os dois últimos passos existem para manter os relacionamentos saudáveis: 


11) Procurar, por meio da oração e meditação, melhorar meu contato consciente com Deus. Pedir apenas o conhecimento de sua vontade e forças para realizá-la. 

12) Procurar transmitir essa mensagem e praticar estes princípios.

Os doze passos fazem parte da minha caminhada diária com Deus, comigo mesmo e com o próximo. Possibilita-me abandonar comportamentos destrutivos e viver uma vida de maturidade espiritual e emocional.


- Jonatas Almeida

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/325/dois-mandamentos-em-doze-passos/

January 28, 2015

Quem tem medo de dizer 'eu te amo'?

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- Ruth Manus

São só sete letras.

Há quem diga que falta amor no mundo. Há quem diga que “eu te amo” virou “bom dia”. Não sei. Há quem diga todo tipo de coisa.

Eu sou do time do “eu te amo” sincero, mas nunca econômico. Do time que fala quando dá vontade, quando bate na aorta, como diria Drummond. Talvez por isso nunca tenha entendido bem essa história de medo de “eu te amo”.

Medo de amar, sim, desse eu compartilho. Djavan já bem disse uma vez “não existe amor sem medo, boa noite”. Amar dá medo. Medo de se dar demais, de não ser um amor reflexo, de perder o rumo, de perder as rédeas.

Mas depois que a gente ama… já tá feito. E o medo de extravasar o amor é que eu custo a entender. O medo de dar o amor de bandeja, de colocar em palavras o que já está mais do que evidente no brilho dos olhos e no suor das mãos.

Acredito que o problema tenha sido essa história que alguém inventou de que “eu te amo” precisa ter como resposta única e obrigatória, “eu também”. Aí complica mesmo. Não faz sentido a gente dizer uma coisa que sente, impondo que o outro sinta o mesmo ou que, ao menos, tenha vontade de declarar amor exatamente na mesma hora. Às vezes você vai estar pensando em amor e o outro em calabresa acebolada, é assim mesmo.

Por isso, a deliciosa resposta a um “eu te amo” pode ser só um sorriso. Um beijo demorado. Podem ser olhos marejados. Pode até ser um “que bom” suspirado e sentido de quem realmente está sentindo o quão prazeroso é ouvir tais palavras. Um “eu também” pode ser uma delícia sincera. Ou pode ser uma simples forma de acabar com o assunto sem maiores polêmicas.

Acho que ficamos mais serenos quando entendemos que dizer “eu te amo” é quase como uma vontade de chorar ou de fazer xixi. Os limites do corpo - ou da alma - não mais bastam para o que lá dentro reside. Os olhos, a bexiga e o peito não têm mais a capacidade de suportar tamanho contingente. Ele precisa sair, ganhar o mundo, seguir seu rumo. E então, sentimos aquele maravilhoso alívio.

“Eu te amo” pode ser um presente para quem ouve, mas é uma necessidade vital para quem diz. E talvez a gente precise parar de depender do presente de volta e começar a sentir que dizer “eu te amo” já é bom por si só. Desse jeito a vida fica mais fácil. E o medo começa a ir embora.

Aos 18 anos, na véspera da morte da minha melhor amiga, saí do seu quarto dizendo “te amo, preta, durma bem”. Foi a última vez em que a vi. E o desfecho só poderia ser melhor se ela não tivesse partido. Mas, se era hora de partir, que partisse levando meu amor. E assim foi.

Essa consciência de que os caminhos são muito volúveis e de que a linha da vida é muito tênue talvez seja um dos maiores incentivos para eliminarmos o péssimo hábito de guardar sentimentos só para nós ou de achar que aqueles que amamos sempre “já sabem” .

E tudo isso só reforça a certeza de que o medo que devemos ter de “eu te amo” não tem a ver com orgulho, autopreservação ou jogos. Aliás, acho que nada disso tem a ver com amor.

O medo que devemos ter de “eu te amo” é apenas um: o medo de não dizer e de um dia ser tarde demais.

Fonte: http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/quem-tem-medo-de-eu-te-amo/

January 27, 2015

Confiança e confiabilidade

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Crente é gente que confia, que acredita. Entretanto, se Deus é fiel, nem sempre nós também somos. E a “desconfiança” pode contaminar gerações. Explico.

Em geral, gostamos de confiar uns nos outros. A confiança torna a vida mais fácil, mais prazerosa. Na Bíblia, esse valor aparece como “fidelidade”: Deus é fiel; Deus é confiável. Assim também as recomendações quanto à família cristã ou quanto aos candidatos a cargos na igreja sempre requerem homens e mulheres fiéis, que criaram filhos fiéis. No grego, “pistóis”: confiáveis, de confiança (2Tm 2.2).

De fato, temos dificuldade em confiar em pessoas instáveis, fracas ou volúveis. Ou seja, só confiamos em pessoas confiáveis.

Na família, há pais que têm problemas para confiar. São desconfiados. Então, como ensinarão seus filhos a ser confiáveis? Se aquela criança não tem o exemplo e, ao errar, não tem “votos de confiança” por parte do próprio pai, é provável que desenvolva uma personalidade cínica, pusilânime. Nem sempre -- pensará você, com algum exemplo em mente. Concordo.

As causas e origens desse hábito familiar me parecem muito complexas; contento-me em chamar atenção para o fenômeno. O leitor atento poderá perceber-se descrito aqui e buscará ajuda. Um conselheiro experimentado poderá caminhar com ele e com sua família, na busca da quebra dessa cilada do diabo (Ef 6.11).

Esse conselheiro poderá encontrar um pai crente, mas de personalidade manipuladora, que usa segredos e meias verdades como expediente de controle. Sim, mesmo entre crentes, porque esse “expediente” pode ter sido um meio de sobrevivência, por gerações.

Poderá encontrar pais que não se percebem autoritários, mas que não dão espaço para diálogo e transparência, nem liberdade de decisões autônomas, instituindo, ao contrário, a relação “gato e rato”. Os ratinhos, talvez por necessidade de sobrevivência, desobedecerão e sabotarão no que puderem e se tornarão “infiéis”, aos olhos de seus pais. Talvez infiéis por formação e personalidade. O autoritarismo produz separação, “esperteza”. Isso é mais comum entre crentes do que gostaríamos de admitir.

Naquelas famílias em que o evangelho chega transformando tudo -- salvação, em seu sentido mais glorioso --, esse tipo de problema pode passar despercebido e permanecer “ativo” por gerações, reproduzindo-se como conduta normal. Entretanto, o “ministério da reconciliação” pode estender pontes sobre esses abismos. Tudo começa com a revelação do problema pelo Espírito de Deus e com a percepção dele por corações piedosos. Imediatamente saem em busca de ajuda para romper o esquema.

Entretanto, como poderão esses fossos ser transpostos? Penso, entre outras coisas, em “confissão”. Tiago fala, em sua carta, de confissão e cura (Tg 5.15-16). Sim, é o caso de cura, pois já estamos no terreno da enfermidade.

No momento em que a família se debruça sobre um fenômeno como esse e, em oração, o identifica e renega diante de Deus, ela entra em convalescença. Cristo salva.

Agora é vigiar e orar, porque hábitos familiares são persistentes. Agora é cultivar a paz e a alegria da “fidelidade presumida” em cada gesto e em cada circunstância.


- Rubem Amorese

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/346/confianca-e-confiabilidade

January 26, 2015

Entrega

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Deixe pra lá! Releve! Perdoe!
 
Tenho percebido que essas são palavras difíceis para algumas pessoas, e fáceis para outras. E o que está por trás dessas atitudes me intriga.
 
Parece que algumas pessoas têm uma grande capacidade de “deixar pra lá”, de relevar uma ofensa, de esquecer um agravo. É como se não se apegassem às coisas. Na hora da perda, não sofrem muito. Porém, não lutam tanto pelo que acham importante. Sem luta, não há vitória.
 
Outras parecem incapazes de abrir mão. Então, tudo o que a vida lhes tira, produz a dor de um assalto, de uma violência.
 
Entre estas últimas, as que mais me chamam atenção são aquelas que não “abrem mão” de suas razões. Seja em uma simples conversa, que acaba em discussão, seja em uma questão de direito, apegam-se às suas razões até às lágrimas. E se, após muitas lutas, essas coisas lhes são “tomadas”, entram em desespero de morte.
 
As pessoas do primeiro grupo sofrem menos, por não se apegarem demasiadamente. Não lutam tanto, não retêm tanto. Não perdem muito, mesmo quando são abusadas.
 
Entretanto, conheço gente que é capaz de se lembrar de todas as violências sofridas ao longo da vida. Coisas que lhes foram tiradas, batalhas perdidas, conversas encerradas, desconsiderações, injustiças, votos vencidos, estão todos lá, no depósito de passivos, de haveres, aguardando ressarcimento.
 
Sim, a vida (que acaba assumindo nomes de pessoas) lhes deve. Se algo nunca foi entregue, então lhes foi tomado. Se nunca foi perdoado, ainda é “dívida ativa”. Se nunca foi esquecido, está registrado para oportuna cobrança.
 
Talvez uma pessoa assim considere aquele que “deixa pra lá” um leviano. E talvez o que releva e esquece considere aquele que não “abre mão” um infeliz briguento.
 
Lembro-me de ter “deixado pra lá” direitos de consumidor, só para não arranjar briga. Porém, lembro-me de ter “pendurado” ofensas, aguardando o pedido de desculpas. Recordo-me de ter dado razão a quem não a tinha, para preservar a amizade, e de ter “aberto mão” da amizade por não achar justo “deixar barato”.
 
Certa vez, deparei-me com uma frase usada em um curso para noivos: “O que você prefere: ter razão ou ser feliz?” - como que a dizer que, se eu quisesse ter sempre razão, seria infeliz! Será que essa pergunta não nos ajudaria a definir melhor a qual grupo pertencemos?
 
Eu confesso: naquele exato momento me descobri preferindo ter razão. E argumentei para mim mesmo que a felicidade, à custa do que é certo, não vale a pena. Senti-me como a formiga invejosa, criticando a alegria “irresponsável” da cigarra.
 
Nesse momento, ouvi a palavra de Paulo aos coríntios conflagrados: “[...] por que não sofreis, antes, a injustiça? Por que não sofreis, antes, o dano?” (1Co 6.7).
 
Ocorre-me então que talvez a atitude correta não seja o “deixar pra lá”, mas a entrega. Em vez de esquecer, entrego meus direitos, bens e razões ao reto Juiz. Assim, as coisas não ficarão sem consequência, sem julgamento, sem resposta
Contudo, estarei “deixando pra lá”, em um ato de fé, para ser feliz.
 
Imagino que, por esse caminho, Deus me acrescentará o orar pelos meus inimigos e me alegrará ao vê-los abençoados. 

- Rubem Amorese

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/336/entrega

January 25, 2015

Ilhas de resistência

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Ainda bem que a Bíblia situa a história de Rute na época em que Israel era governado por juízes (Rt 1.1). 

Nesse período, por falta de um governo forte e central, cada um fazia o que queria, o que achava certo aos seus próprios olhos (Jz 21.25). Era o governo sem governo, o regime da permissividade. 

Por isso, os rapazes bissexuais de Gibeá, na tribo de Benjamim, não podendo abusar do levita em trânsito pela cidade, estupraram sua mulher até a morte, a noite inteira (Jz 19.22-30). 

Por isso, as autoridades de Gibeá não puniram os rapazes, provocando assim uma guerra civil que matou mais de 40 mil israelitas e mais de 25 mil benjamitas, o que resultou na extinção de uma das doze tribos de Israel (Jz 20.1-48).

É incrível que a história de Rute esteja inserida neste espaço temporal e geográfico (tanto o primeiro como o segundo marido de Rute eram de Belém, uma cidade quase encostada a Gibeá, onde se deram os crimes envolvendo os tais rapazes bissexuais). 


A vida de Rute e Boaz era um verdadeiro oásis no meio de um deserto de lama. 

Outra família igualmente especial e do mesmo período era a de Elcana e Ana, pais de Samuel, o último dos juízes (1Sm 1.1-3).

Tanto na história do Antigo Testamento como em toda a história da Igreja, Deus nunca se deixa sozinho no panorama mundial


Aqui e ali, ontem e hoje, sempre há ilhas de resistência no mar de corrupção, por meio das quais Deus fala e sustenta a verdade e a justiça

A figueira é sempre teimosa e sabe resistir à seca. Os galhos podem ser cortados, mas o tronco e a raiz sempre ficam e tornam a florescer e frutificar. 

Por ter Cristo como a pedra principal, que sustenta todo o edifício, a Igreja é “tão exuberante e tão cheia de energia que nem as portas do inferno serão capazes de obstruir seu avanço” (Mt 16.18).

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/344/ilhas-de-resistencia

January 24, 2015

Cantil de lágrimas

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Tanta gente chora por aí afora. Mais as mulheres do que os homens, mais as crianças do que as mulheres.

O salmista se diz cansado de chorar e informa que todas as noites a sua cama se molha de lágrimas e o seu choro encharca o travesseiro (Sl 6.6). A tradução de Almeida é mais dramática: “Todas as noites faço nadar o meu leito, de minhas lágrimas o alago”. Exagerada também é a paráfrase de Eugene Peterson: “Minha cama está inundada, há quarenta dias e quarenta noites, no dilúvio das minhas lágrimas”.

Em outro salmo, o mesmo Davi usa outra metáfora para falar de seu choro. O que ele diz é de uma beleza incrível: “[Deus] contou e recolheu num jarro todas as minhas lágrimas e anotou cada lágrima no seu livro” (Sl 56.8, NBV).

Quantas gotas de lágrimas são necessárias para encher um jarro, um odre, um cantil? Quantas páginas são necessárias para registrar cada momento de choro, cada lágrima derramada por uma pessoa emocionalmente abalada? 


A figura de linguagem do salmista tem o propósito de mostrar a simpatia de Deus pela tristeza humana.

A metáfora deixa de ser metáfora na experiência de muitas pessoas. Ao tomar conhecimento de que sua enfermidade era incurável e que morreria em poucos dias, o rei Ezequias chorou amargamente. Tão amargamente que Deus se comoveu e mandou o profeta dizer-lhe: “Eu, o Senhor, o Deus do seu antepassado Davi, escutei a sua oração e “vi as suas lágrimas”. Eu vou curá-lo, e daqui a três dias você irá até o Templo. Vou deixar que você viva mais quinze anos” (2Rs 20.5-6; Is 38.4-5).

Os que choram - o homem, a mulher, a criança, o idoso - precisam saber que Deus não é insensível às suas lágrimas. Ele toma conhecimento delas, ele observa atentamente cada lágrima, ele as recolhe num cantil e as registra num livro, de acordo com a metáfora do Salmo 56.

O Evangelho de João anota que Jesus, “ao ver” Maria e Marta chorando por causa da morte do irmão, “ficou muito comovido e aflito” e também chorou (Jo 11.33-35). O Senhor chorou não por causa de Lázaro, mas por causa das lágrimas de suas duas irmãs.

Os diversos cantis de lágrimas, um dia, serão derramados e se misturarão com a água salgada das profundezas do mar. Está escrito, está prometido, está garantido: “O Senhor Deus acabará para sempre com a morte. Ele enxugará as lágrimas dos olhos de todos” (Is 25.8).

Essa profecia aparece mais uma vez numa das últimas páginas da Bíblia: “Ele enxugará dos olhos deles [os seres humanos] todas as lágrimas. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor. As coisas velhas já passaram” (Ap 21.4).

O que talvez fique na memória coletiva dos salvos lá na eternidade é aquela cena de encantadora beleza que mostra o gesto totalmente original de uma mulher de má fama perdoada por Jesus e por ele restaurada. 


Ela chorava e suas lágrimas molhavam os pés de Jesus, e, para enxugá-las, ela não usou lenço algum, toalha alguma, nem as abas de seu manto, mas os próprios cabelos (Lc 7.38).

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/351/cantil-de-lagrimas

January 23, 2015

Eu gostaria que você me amasse

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Eu gostaria que você me amasse, embora você diga que já me ama. 

Talvez você não perceba os sinais que emite, quando as coisas não estão bem entre nós. É por isso que aproveito esse início de ano para externar os sonhos que tenho sobre nós dois, na forma de esperanças de Ano-Novo. 

Quem sabe você os transforma em resoluções pessoais, íntimas, para o ano que entra? Eu gostaria muito. 

Se, em algum ponto, você achar que estou sendo injusto, desconsidere; estou falando genericamente, para toda a família. Leia isto com um coração generoso.

Eu gostaria de sentir segurança no seu amor; que você fosse só minha, que você quisesse ficar o tempo todo comigo, mas você tem tantos compromissos...

Eu gostaria que você amasse as coisas simples que criei para sua alegria; conversas, cheiros, sensações que falam de mim.

Eu gostaria que você sentisse saudades de mim, dos meus lugares, dos meus altares, das minhas coisas, da minha gente.

Eu gostaria que você fosse carinhosa, e que não ficasse olhando o relógio, quando estamos juntos, mas você prefere ser litúrgica.

Eu gostaria que você desligasse o celular quando eu estou lhe falando do meu amor ou fazendo planos com você.

Eu gostaria que a doce expectativa de nosso encontro dominical a levasse para a cama mais cedo no sábado — e que as festas, bailes, filmes, namoros perdessem a graça.

Eu gostaria que você quisesse me levar em suas viagens, em suas reuniões de negócio, ao cinema, às rodinhas de amigos, e que isso não fosse “coisa só sua”.

Eu gostaria que você se indignasse por mim, ao presenciar algo que abomino; ao ver a injustiça, a mentira, a opressão, a pobreza, a vida desregrada, o alcoolismo, as drogas.

Eu gostaria que você não achasse graça em piadas indecentes (que sempre banalizam as coisas boas e santas que criei, como o sexo, o casamento, a fidelidade), que não gostasse de falar palavrões, que abominasse filmes pornográficos, que não flertasse com incrédulos, que não invejasse sua violência, suas mentiras, suas taras.

Eu gostaria que você procurasse nos bolsos e encontrasse os presentes que lhe tenho dado – meus dons para você – e que os usasse com orgulho e carinho, como se fossem colares e pingentes de valor sentimental.

Eu gostaria que você me servisse sem precisar de cargos ou funções oficiais – sem esperar outra recompensa que meu olhar de aprovação.

***

Você ainda é tão menina! Só sabe me chamar de pai, pedir e agradecer coisas – a maioria das quais eu já lhe dei mais de uma vez, e estão espalhadas no seu quarto de brinquedos.

A insegurança do seu amor por mim transforma-se em insegurança sua, a respeito do meu amor; não sabendo amar, você não se deixa amar inteiramente por mim.

Mas eu tenho esperado por você. E quando estiver crescida, talvez venha a ter olhos para mim. Então, quem sabe, queira e possa corresponder a essa forma integral, passional, desmedida, com que você é amada.

Quando isso acontecer, você passará a ver a vida com os olhos de uma adolescente apaixonada: sem temores, sem medos, sem inseguranças ou desânimos (porque o amor lança fora o medo). Ao contrário, você terá a energia da alegria, a força e o desassombro da certeza; e os sonhos da esperança – os sonhos dos meus sonhos. Você será indestrutível, e prevalecerá contra as portas do inferno.

E quando a dor vier (porque virá), você a enfrentará com os olhos sempre nos meus; sabendo que essa leve e momentânea tribulação não se compara com o que temos construído juntos, aqui e no porvir – e entenderá, finalmente, sobre alegria na tribulação.

Idosa e vivida, você ainda dará frutos; e falará aos seus filhos e netos sobre a minha paz. A paz incompreensível que terá encontrado no meu amor.


- Rubem Amorese 

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/280/eu-gostaria-que-voce-me-amasse

January 22, 2015

Aliança, memória e espiritualidade

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- Ricardo Barbosa

Muitos acreditam que aquilo que pode dar algum significado e alguma satisfação para a vida encontra-se no futuro, quando finalmente conseguirão realizar aquele sonho ou projeto ou, quem sabe, alcançar aquele nível de felicidade e paz tão desejados. Olhamos sempre para frente, nunca para trás. Assim a humanidade caminha, ansiosa e insegura, na esperança de que alguma coisa que ainda não aconteceu nos traga aquela felicidade e realização tão sonhadas. No entanto, a segurança e a felicidade dependem muito mais do passado do que imaginamos.
 
Os primeiros três capítulos da Carta de Paulo aos Efésios apresentam uma longa lista de “bençãos já realizadas”. Todos os verbos estão no passado: “Nos tem abençoado”; “nos escolheu”; “nos predestinou”; “nos concedeu”; “nos deu vida”; “nos ressuscitou” etc. Paulo lembra seus leitores daquilo que já aconteceu. A resposta ao que eles buscavam não estava no futuro, mas no passado.
 
O problema é que agimos como se tudo o que importa estivesse por vir. Nossa experiência espiritual é frágil porque não tem memória. Por isso, os profetas e escritores bíblicos procuravam sempre lembrar o povo do passado, porque, como disse C. S. Lewis, “é mais sábio refrescar a memória das pessoas do que enchê-las com novidades”. O conceito de aliança na Bíblia apresenta um princípio de relacionamento em que o presente e o futuro são definidos pelo passado. Aliança não diz respeito a algo novo que podemos receber, mas à certeza daquilo que já recebemos.
 
O princípio da aliança que Deus fez com o seu povo no Sinai é resumido na declaração divina: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”. Este é o fato, o princípio. Isso não pode ser esquecido. Tudo o mais é construído sobre este fato. Jesus disse: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue”. Algo foi realizado na cruz de uma vez por todas. Todo o relacionamento com Deus e com o próximo nasce e se sustenta sobre este alicerce.
 
Toda vez em que celebramos a eucaristia reafirmamos um fato e vivemos a partir dele. Não criamos nada, não há nada a acrescentar. A iniciativa é de Deus e sustentada por ele. Deus não nos impõe condições para entrarmos nessa vida abençoada. Precisamos apenas crer nela, aceitá-la e participar da realidade para a qual ela nos convida.
 
A memória preserva a aliança. A memória que tenho do dia do meu casamento e das promessas que fizemos a Deus, como expressão do nosso amor, definiram o nosso futuro. Nossa identidade conjugal foi definida ali. Passamos por momentos difíceis, crises, ajustes, mudanças, mas nunca duvidamos de que a aliança que fizemos foi para toda a vida. Éramos jovens, não tínhamos a menor ideia do que iria acontecer conosco no futuro. No entanto, não olhávamos para o futuro com ansiedade. Nossa aliança não dependia dele. Ela já estava feita. Foi ela que nos ofereceu um ambiente seguro para vivermos nossas experiências e crescermos juntos.
 
A experiência espiritual não é diferente. Paulo não tinha a menor ideia do que iria acontecer com ele depois que ouviu a voz de Cristo no caminho para Damasco. No entanto, ele nunca deixou de se lembrar daquela voz. O que Cristo fez na cruz o trouxe para dentro de uma realidade completamente nova. A vida, os interesses, os valores e os projetos de Paulo foram reorientados a partir dessa nova realidade

O futuro dele estava seguro. 

Pouco antes de morrer ele escreveu a Timóteo, seu filho na fé: “Porque sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia”.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/351/alianca-memoria-e-espiritualidade

January 21, 2015

Estive no vale de ossos secos e voltei com muita esperança

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Eu estive no quarto onde a viúva de Sarepta hospedava Elias. De repente, vi o profeta subir as escadas e entrar no aposento carregando nos braços um menino que não respirava mais. Elias colocou a criança na cama e deitou-se sobre ela três vezes, clamando: “Ó Senhor, meu Deus, faze voltar a vida a este menino!”. E ele viveu (1 Rs 17.17-24).

Eu estava no quarto daquela mulher rica de Suném, onde Eliseu se hospedava. Na cama do profeta estava estendido o corpo de um menino de pouca idade que tinha acabado de morrer. De repente, vi Eliseu entrar no quarto, fechar a porta, orar ao Senhor e deitar-se sobre a criança, boca a boca, olhos com olhos, mãos com mãos. Enquanto isso, o corpo do morto ia se aquecendo. Então, Eliseu levantou-se, andou de um lado para o outro do quarto, voltou e deitou-se de novo sobre o garoto. Em seguida, o menino espirrou sete vezes, abriu os olhos e voltou a viver (2 Rs 4.32-37).

Eu estava no quarto da casa de Jairo e vi sua filha de apenas 12 anos morta e estendida na cama. Ao redor dela estavam o pai, a mãe, Pedro, Tiago, João e Jesus. De repente, o Senhor pegou-a pela mão e gritou para ela: “Menina, levante-se”. Em seguida, ela tornou a viver e levantou-se imediatamente (Lc 8.51-56).

Eu estava junto ao portão da entrada da cidade de Naim e vi Jesus parar o enterro que saía da cidade em direção ao cemitério. O morto era um rapaz, filho único de uma viúva, que chorava muito. Jesus chegou bem perto, tocou no caixão e disse ao morto: “Moço, eu ordeno a você: levante-se!”. O jovem assentou-se no caixão e começou a falar. Então, todo mundo voltou para casa (Lc 7.11-17).

Eu estava no cemitério diante do túmulo de um homem chamado Lázaro, irmão de Maria e Marta, morto há quatro dias. O corpo, já em estado de putrefação, cheirava mal. A mando de Jesus, alguém tirou a pedra e o Senhor gritou para o morto: “Lázaro, venha para fora”. E ele saiu! (Jo 11.38-44).

Eu estava no quarto do andar de cima da casa de Dorcas, na cidade de Jope. Ela havia adoecido e morrido. Várias viúvas, beneficiadas por ela, estavam ao seu redor e choravam. Pedro, que acabara de chegar de Lida, entrou no quarto e pediu que todos descessem para o andar de baixo. Em seguida, ele ajoelhou-se e orou. Depois, virou-se para o corpo de Dorcas e disse: “Tabita, levante-se”. A mulher abriu os olhos, sentou-se e, com a ajuda de Pedro, ficou de pé, viva (At 9.36-41).

Eu estava no chamado vale dos ossos secos. Ele era enorme e estava coberto de ossos humanos, todos secos. O espetáculo era sombrio demais, melancólico demais, deprimente demais. Pela enorme quantidade de ossos bagunçados por ali, percebia-se toda a feiura da morte. Só havia uma pessoa viva naquele espaço todo: era o profeta Ezequiel, que andava para lá e para cá. De repente, ouvi o profeta dar um recado de Deus aos ossos: “Eu porei respiração dentro de vocês e os farei viver de novo. Eu lhes darei tendões e músculos e os cobrirei de pele. Porei respiração dentro de vocês e os farei viver de novo. Aí vocês ficarão sabendo que eu sou o Senhor”.

Ato contínuo, vi o impossível tornar-se possível. Enquanto o profeta falava, ouvi uma barulhada enorme. Eram os 208 ossos do esqueleto humano se arrumando, cada um em seu próprio lugar, tanto os maiores - como o fêmur - como os menores - como as falanges. Se isso não bastasse, vi também que os ossos se cobriam de tendões e músculos e depois de pele.

Não eram mais apenas esqueletos deitados, mas corpos humanos inteiros e perfeitos, porém imóveis como belas estátuas. Tinham bocas, olhos, ouvidos, mãos, pés, mas não falavam, não viam, não ouviam, não apalpavam nem andavam. Isso me incomodou muito.

Até que ouvi o profeta falar outra vez, agora ao espírito, para que entrasse naqueles corpos e lhes transmitisse vida. Foi o que aconteceu: a respiração entrou neles e aqueles incontáveis corpos viveram de novo e ficaram de pé.

Ali mesmo ouvi a voz de Deus dirigida a Ezequiel: “Homem mortal, o povo de Israel é como esses ossos. Dizem que estão secos, sem esperança e sem futuro. Por isso, profetize para o meu povo de Israel e diga-lhes que eu, o Senhor Deus, abrirei as sepulturas deles, e os tirarei para fora, e os levarei de volta para a terra de Israel” (Ez 37.1-14).

Dou graças a Deus por ter estado nesses lugares todos, principalmente no vale de ossos secos. Pude enxergar as duas ressurreições que Deus opera: a ressurreição da morte psicossomática e a ressurreição da morte espiritual; o despertar do sono da morte e o despertar do sono do pecado.

Voltei menos pessimista, menos derrotista e menos frustrado. Reintroduzi-me na arena mais animado, mais crente e mais vigoroso.

Troquei a tímida esperança pela grande esperança, posta não em nós, mas nAquele que tem expediente, que dá ordens aos ossos, aos tendões, aos músculos, à carne e à respiração, e todos eles O obedecem.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/344/eu-estive-no-vale-de-ossos-secos-e-voltei-com-muita-esperanca

January 20, 2015

Trazer à memória o que dá esperança

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É verdade. A partir de hoje vou me lembrar de tudo de bom que penetrou em minha memória, tanto pela visão e audição quanto pela consciência.

Vou me lembrar daquele que me criou, meu mais remoto ponto de partida, pois me fez para ele e meu coração não descansa enquanto não repouso nele.

Quero me lembrar de Deus antes de descobrir que tudo é um eterno correr atrás do vento, antes que o processo inescapável da decadência física tome conta de mim, antes que o corpo volte ao pó da terra, de onde tudo veio, e o espírito volte a Deus, que o deu.

Vou me lembrar das minhas obrigações morais, dos Dez Mandamentos, das bem-aventuranças, do paradigma que Deus coloca diante de mim, do processo contínuo da santificação.

Vou me lembrar de Jesus morto e ressuscitado, que tomou sobre si meu pecado, que removeu minha culpa e minha mancha, que me reconduziu ao Pai e que ainda é o meu defensor diante de Deus.

Vou me lembrar das promessas de Deus: a segunda vinda de Jesus, a ressurreição, o novo corpo, o juízo final e o novo céu e a nova terra.

Vou me lembrar de agradecer a Deus pela vida, pela saúde, por aquele toque misterioso do Espírito que abriu os meus olhos e me fez enxergar minha miserabilidade e a misericórdia de Deus.

Vou contar e agradecer as bênçãos recebidas da divina mão e de mãos humanas.

Vou me lembrar dos meus pais e dos meus irmãos, do meu cônjuge, dos meus filhos, dos meus amigos e da família da fé. Assim nunca me esquecerei de que sou casado, sou filho e sou pai.

Vou me lembrar dos outros, dos que precisam do pão de cada dia, de trabalho, saúde, paz e salvação.

Graças a essas lembranças, deixarei de lembrar-me apenas de mim, como se eu fosse o único ser vivente.

Que Deus me ajude a permanecer nesse mar de lembranças saudáveis, de hoje em diante!

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/333/nao-quero-me-esquecer-de-tudo-que-devo-lembrar

January 19, 2015

Obediência, uma questão de atitude

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“De tardinha, os discípulos de Jesus desceram até o lago. Subiram num barco e começaram a atravessar o lago na direção da cidade de Cafarnaum. Quando já estava escuro, Jesus ainda não tinha vindo se encontrar com eles. De repente, um vento forte começou a soprar e a levantar as ondas.”
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Jo 6: 16-18

- Jeverton Magrão Ledo
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Não é verdade que a paz sempre acompanha a obediência?

Essa pode ter sido a expectativa dos discípulos. Eles obedeceram à ordem dada pelo Mestre, e em nenhum momento questionaram, simplesmente obedeceram.

A narrativa de João nos mostra o resultado de tal atitude.

“Jesus ainda não tinha vindo se encontrar com eles.”

Tal como os discípulos, muitas vezes somos pegos no meio de uma tempestade do “ainda”: ainda não é a sua vez ou ainda não tenho seu resultado. São tantos “ainda” que muitas vezes pensamos que a nossa hora nunca vai chegar.

Eles obedeceram, e vejamos o que aconteceu: Uma noite de mar tempestuoso, e Jesus na praia. Uma coisa é sofrer por fazer coisas erradas, outra bem diferente é sofrer por fazer o que é certo.

As tempestades em nossa vida levam para longe a idéia de que se fizermos o correto não sofreremos. Os ventos sopram e nos perguntamos: - Por quê? Não paramos de perguntar: - Onde está Jesus? 


Quantas perguntas ainda faremos durante a caminhada?

É ruim enfrentar uma tempestade, ainda mais quando nos sentimos sós. A Bíblia relata que os discípulos já estavam no mar havia quase nove horas. Imaginem quantas vezes olharam tentando avistar o Mestre! Quantas vezes gritaram seu nome! Uma pergunta devia estar no ar: - “por que demorava tanto?”

O Evangelho de Marcos (6.48) conta que durante a tempestade Jesus viu que os discípulos “se fatigavam”. Jesus esperou o momento certo, até perceber que era hora de chegar.

Tempo!

Mesmo que você nada ouça, Ele está falando. Mesmo que você nada veja, Ele está agindo.

É tempo de crer e lembrar que nada foge ao controle de Deus


O episódio da rota do Egito para Canaã nos ensina uma preciosa lição. O que teria feito uma viagem curta se estender por anos? Será que Deus não queria que seus filhos chegassem? Em Deuteronômio 8.2-5 temos a resposta. No deserto Deus removeu o orgulho do povo, pôs à prova o coração filhos de Israel. É claro que Deus queria que todos chegassem. Mas o desejo maior era que chegassem preparados.

Certas lições só são aprendidas por meio da dor. O que Jesus está fazendo enquanto enfrentamos a dor? Ele vela por nós. Durante a tempestade Jesus estava orando, e mesmo diante do sofrimento dos seus, não interrompeu a oração. Por quê? Ou Ele não se importava ou confiava na oração!

Assim como os discípulos, nós temos de ter a mesma atitude, remar. Remamos boa parte de nossa vida. Mais luta que descanso.

Existem dias de celebração, temos nossa cota de festas, mas também nossa cota de negras nuvens. Para ter a primeira precisamos suportar a segunda. Portanto, não pule fora, não desista.

Quando não conseguir vê-lo, confie nEle.

Jesus está fazendo uma oração que Ele mesmo responderá.
 
Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/311/obediencia-uma-questao-de-atitude

January 18, 2015

Humildade

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- Ricardo Barbosa

Assisti ao filme "Meu nome não é Johnny", a história da triste trajetória de João Guilherme Estrela, jovem de classe média alta, preso por tráfico de drogas nos anos 90. O filme chega numa hora em que a sociedade acompanha, assustada, o crescimento do tráfico e do consumo de drogas entre jovens que freqüentam boas faculdades, criados em famílias com recursos financeiros e em ambientes sociais aparentemente protegidos do submundo do crime.

A pergunta que todos se fazem, diante de um drama assim, é a mesma: o que leva um jovem que, aparentemente tem tudo, a chegar onde João Estrela chegou?

Bem, certamente existem muitas respostas, teses e opiniões a respeito, mas, fica uma pergunta que tem me levado a refletir nestes últimos dias:

Quão verdadeiros somos?

Parece-me que a sociedade, particularmente a juventude, enfrenta uma enorme resistência a tudo aquilo que é normal. A normalidade que, no passado era o que todos desejavam, não agrada mais ao ser humano.

Uma festa normal em que amigos se encontram para conversar, ouvir boa música e se divertir não satisfaz mais; os jovens precisam de uma rave que comece na sexta à noite e termine no domingo, com música eletrônica ininterrupta e ensurdecedora, muito ecstasy e álcool. Ter um namorado ou namorada para conversar, sair, construir uma boa amizade e crescer afetivamente pensando na família que possivelmente irão formar, também não é o bastante; é preciso ficar com o maior número de parceiros possível, beijar e transar com todos. Ter um emprego com salário no fim do mês para pagar as contas e, quem sabe, sobrar algum trocado para o lazer não é suficiente; é preciso ganhar muito dinheiro, não importa sua origem, para comprar tudo que desejamos.

A lista poderia prosseguir, mas o que tenho observado é que a normalidade não satisfaz mais.

No meio evangélico, o cenário não difere muito. Não basta louvar a Deus com cânticos, leitura bíblica e orações; precisamos de um “louvor extravagante” (esta foi a expressão que ouvi), repetir a mesma música até entrar em algum transe. Não basta ser alegre e grato, é preciso pular e gritar freneticamente. Não basta crer em Deus e em suas promessas, precisamos decretar, reivindicar, exigir. Uma fé normal, ou uma vida cristã normal, não é mais suficiente.

Quando o normal não atende mais às necessidades, a realidade torna-se insuportável. Um culto normal, um casamento normal com família normal e sexo normal, um namoro normal, um lazer normal ou um trabalho normal são insuportáveis.

A própria normalidade da existência humana, com suas fases, emoções, ciclos e estações, acaba tornando-se intolerável.

Um dia de 24 horas ou o envelhecimento são inaceitáveis. Criamos então uma indústria voltada para alimentar a anormalidade: os "sex-shops" com toda a parafernália para “incrementar” sua vida sexual, as diversas “terapias” incentivando a experimentar todas as novidades, plásticas, drogas, propagandas e o estímulo para comprar e fazer tudo o que dá prazer.

Perdemos o contato com a realidade e, para viver esta hiper-realidade, precisamos negar a Deus, nossa humanidade limitada e mortal, o próximo e tudo mais.

O chamado de Cristo para segui-lo é um chamado para ser real, ou um chamado à humildade.

Ser humilde é reconhecer e aceitar a realidade como ela é.

É aceitar Deus como Ele é, aceitar a nós como somos e aceitar o mundo como ele é.

Esta capacidade de reconhecer a realidade nos liberta das armadilhas e artifícios que a ilusão ou a falsa realidade criam.

“Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará” — é assim que Tiago inverte o caminho da humanidade.

A liberdade e dignidade humanas dependem da sua postura humilde diante de Deus, de si mesmo e do próximo.

A humildade é o caminho de volta à realidade e à normalidade.

Como diria meu amigo Carlos Queiroz no título de seu livro sobre o Sermão do Monte, para o humilde de espírito “ser é o bastante”.

Não precisamos de drogas, nem de sexo selvagem, nem de muito dinheiro ou frenesi.

Precisamos apenas ser humildes, que encontraremos a verdadeira alegria.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/311/quao-verdadeiros-somos

January 17, 2015

Vencendo o deserto

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- Jeverton Magrão Ledo

Todos nós, em algum momento de nossa caminhada cristã, somos conduzidos a um lugar de terreno seco, arenoso e desabitado, chamado deserto.

Quando ouço os relatos de pessoas que já tiveram esse período de aparente sequidão, ou quando me lembro das minhas próprias experiências no deserto, sou levado a questionar por que um Deus de amor permite que passemos por tais momentos. Afinal, será que aprendemos algo no deserto? Deus nos mostra que sim, pois é ali que somos treinados e crescemos em fé, intimidade e relacionamento com o Pai.

Nós podemos perguntar: - Como alguém cresce e amadurece em um lugar como esse? A resposta do alto é: “Eu ainda estou te fazendo, e você está questionando o processo”. O Deus do processo requer que nos deixemos ser moldados, assim como o barro o é pelo oleiro, submetendo-nos aos movimentos de sua roda.

Durante esse período enfrentamos tentações que insistem em nos desanimar e desviar do caminho da vitória. Por isso devemos estar firmados na Palavra, sedentos pela presença de Deus e revestidos de poder do alto.

Precisamos estar atentos para não sermos levados a acreditar que o deserto é exclusividade nossa, e lembrar que grandes heróis bíblicos tiveram seu período de deserto, sofreram e saíram vencedores.

Aqui pode surgir uma outra pergunta: - Como estes alcançaram vitória? Em primeiro lugar, tinham total confiança que era a mão do Senhor permitia o deserto em suas vidas. Caso contrário, seria impossível para o paciente Jó declarar: “Nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá. O Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21).

O próprio Cristo enfrentou o deserto. Jamais nos esqueçamos de tudo quanto sofreu, sendo ele Deus.

Sabemos bem o que é resistir a um momento de tentação ou a uma hora de tentação, mas quarenta dias?

Lucas 4.1-2 relata que nesse período Cristo não teve intervalo para descanso ou uma saidinha para relaxar: “e quarenta dias foi tentado pelo diabo”. O inimigo literalmente “grudou em Jesus”.

O Evangelho de Lucas não diz que o diabo procurou tentar Jesus. Não se lê que o diabo experimentou tentar Jesus. Jesus poderia ter desistido, mas não o fez.

Como permanecer firme? Tendo a mesma atitude que ele teve: “pelo gozo que lhe estava proposto” (Hb 12.2), suportou a cruz. Em seus momentos finais Jesus teve como foco a alegria que Deus colocou diante dele. Este era o seu prêmio do céu. Assim, foi capaz de terminar a carreira e permanecer firme.

Devemos dar o melhor de nós para alcançarmos o mesmo alvo alcançado pelo Mestre.

Acredite: a nossa vida está sob o olhar e cuidado do lapidário mais hábil do mundo.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/310/vencendo-o-deserto

January 16, 2015

O pão nosso de cada dia

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- Ricardo Barbosa

Durante muito tempo achei esta súplica meio fora de lugar na oração do Senhor. Minha maior dificuldade vinha de uma sensação hipócrita de saber que este pão encontra-se estocado na despensa de minha casa. Para as famílias que não sabem o que terão para o almoço, esta súplica parece fazer sentido, mas para mim e tantos outros que entram nos supermercados e abastecem suas despensas para os próximos quinze ou trinta dias, não faz muito sentido pedir pelo “pão nosso de cada dia”. Sabemos que ele já está garantido na mesa hoje, amanhã ou na semana que vem. Por que então orar pelo “pão de cada dia”?

Eu poderia minimizar minha dificuldade dizendo que, mesmo este pão já garantido, é dádiva de Deus. Sei que é. O que não fazia sentido para mim era o porquê desta súplica (não a gratidão por tudo que Deus tem me dado). Pensemos, por um instante, num paciente de classe média aguardando uma cirurgia num hospital. Provavelmente sua preocupação será mais com a competência da equipe médica, com os recursos tecnológicos disponíveis, e menos com a oração; a oração entra como um ator coadjuvante, caso alguma coisa saia do controle, mas não como a preocupação central. Somos tentados a crer que Deus está presente apenas nas sombras de nossa consciência. Que ele é capaz de atender às necessidades emocionais confusas, aos problemas para os quais a ciência não tem respostas, mas totalmente irrelevante para o “pão de cada dia”.

O “Pai Nosso” é nossa primeira escola de oração. Nesta súplica Jesus nos ensina que a oração não é uma ferramenta técnica, usada para excitar nossa curiosidade. Pelo contrário, ela nos envolve num exercício de fé e compreensão da realidade que está além da ciência. Ela não é um meio de manipular a criação, mas uma forma de compreender e penetrar na realidade dela.

Ao suplicar “o pão nosso de cada dia, dá-nos hoje” colocamos Deus no centro de nossas necessidades cotidianas. Se Deus é percebido apenas nas fronteiras de nossas vidas, nas grandes crises ou nos grandes eventos, esta súplica não tem significado algum. Mas, como Deus nos é revelado como nosso “Pai que está nos céus”, a súplica pelo “pão de cada dia” revela a presença de Deus no que há de mais simples e comum no nosso dia-a-dia.

O reino de Deus envolve a vida inteira. Nada é trivial diante de Deus. Nossas necessidades profissionais, afetivas, físicas, emocionais, tudo importa a Deus. Ele é o Deus do cotidiano, das pequenas coisas, do pão sobre a mesa e do sol que se põe ao entardecer. Deus se interessa pelo fio de cabelo que cai e pela mão que o toca no meio de uma multidão. A oração do “Pai Nosso” nos torna conscientes de que a experiência da oração não envolve apenas as situações de emergência ou as ansiedades do futuro, mas é pão para hoje, para as necessidades e situações do presente. É uma oração que nos ensina a não nos preocupar com o dia de amanhã. A fé cristã, para muitos, se mostra mais relevante nas lembranças do passado ou nas preocupações com o futuro, mas não tem nenhuma relevância para o presente. É no “pão de cada dia” que a graça de Deus se mostra real. O maná do deserto servia somente para o presente, nunca para o futuro. A ansiedade do futuro apodrece a graça do presente.

Outro aspecto desta súplica é que ela nos ensina a orar pelo “pão nosso”, não “meu”. É uma oração que precisa ser feita com os olhos bem abertos porque, ao fazê-la, nos tornamos mordomos responsáveis dos bens de Deus. Ela integra o básico, o “pão de cada dia”, em meio a tantas “necessidades” criadas pelo espírito consumista. Ela pede por justiça, que é fruto da conversão do “meu” para o “nosso”, e rompe com o egoísmo, nos transformando em seres solidários. Com ela aprendemos a valorizar o essencial (oramos pelo pão, não pelo caviar), porque a vida está na relação comunitária, na fidelidade e responsabilidade para com Deus, dono da prata e do ouro, da comida e da bebida, que nos confiou os seus bens para cuidar dos seus filhos.

É a fé tomando forma nas situações mais reais da vida.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/314/o-pao-nosso-de-cada-dia

January 15, 2015

Como você lida com as surpresas?

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- Jeverton Magrão Ledo

Você gosta das coisas muito bem organizadas? Acredita ter tudo sob controle? Planeja cada detalhe com antecedência e se frustra quando algo foge de seu poder? Essas perguntas precisam de respostas e, muitas vezes, não as temos, continuando, assim, a viver como se pudéssemos dar direção à nossa própria caminhada.

Tão importante quanto ter um bom plano é saber lidar com o inesperado. Bons planos devem ser maleáveis, flexíveis, a ponto de permitirem, se necessário, alterações antes de sua execução. Nossa vida é dinâmica, carregada de surpresas e de novos desafios que surgem diante de nós à medida que caminhamos; por isso precisamos saber lidar com imprevistos.

Na maioria das vezes, nos sentimos frustrados quando algo não sai da maneira planejada. Confesso que quando isso acontece comigo fico como se o chão se abrisse sob meus pés.

O apóstolo Paulo passou por situação semelhante quando, em um de seus projetos, tinha como plano ser missionário na Espanha e, em vez disso, foi surpreendido com um “plano B”, que o conduziu direto para a prisão.

Todos nós, em algum momento da vida, já nos encontramos nessa situação: prontos para embarcar rumo àquela tão esperada viagem, ou certos de que agora seríamos promovidos, ou ainda prontos para realizar o sonho de ingressar na universidade... E a viagem não dá certo, a promoção vai para outro, nosso nome não sai na lista de aprovados.

Então acabamos na prisão, assim como Paulo.

A prisão de Paulo poderia ter significado o fim de tudo, mas ele aceitou o fato, sem tentar negar a realidade, e tirou o máximo proveito de tudo. Em vez de gastar tempo se lamentando e murmurando, ele escreveu cartas - Efésios, Filipenses, Colossenses, Filemon - que ecoam e nos ajudam em nossa caminhada hoje.

Nós também podemos tirar proveito dos planos B e descobrir que melhores do que a viagem ou a promoção serão as cartas escritas no cárcere.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/317/como-voce-lida-com-as-surpresas-da-vida

January 14, 2015

Maravilhosa graça

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Certos nomes próprios quando vêm à memória causam uma reação muito incômoda.

A palavra Stalingrado lembra a rendição do 6º exército alemão cercado pelas forças soviéticas em fevereiro de 1943, com no mínimo 1,5 milhão de baixas de ambos os lados. A palavra Hiroshima lembra o lançamento da primeira bomba atômica em tempo de guerra em agosto de 1945, matando na hora mais de um quarto da população da cidade (70 mil) e outro tanto por conta da radiação. As palavras Torres Gêmeas lembram o ataque terrorista realizado em setembro de 2001 contra o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Washington, vitimando mais de 3 mil pessoas.

De igual modo, a palavra Gibeá, para quem conhece a história, causa arrepios ainda maiores, porque reúne sexo e violência. Trata-se de uma cidade israelita localizada no território da tribo de Benjamim, a cinco quilômetros ao norte de Jerusalém, a moderna Tell el-Ful. Mais de 1.050 anos antes de Cristo, alguns homens bissexuais de Gibeá, sendo impedidos de ter relações com um levita de passagem pela cidade, abusaram de sua mulher durante toda a noite, causando a morte da jovem senhora. Porque as autoridades de Gibeá não tomaram providência alguma para punir os responsáveis, as outras tribos, indignadas com o crime, declararam guerra contra a tribo de Benjamim. A guerra civil deixou mais de 60 mil mortos e as cidades benjamitas, inclusive Gibeá, foram incendiadas e destruídas. Da chacina só sobraram quatrocentos rapazes, que, mais tarde, vieram a se casar com moças de Jabes-Gileade, sobreviventes de outra chacina (Jz 19–21).

Por causa desses desastres, as palavras Gibeá e Benjamim não eram de saudosa memória para o povo de Israel. Deviam ser evitadas para não trazer à lembrança não só o estupro daquela pobre mulher e a horrenda matança de tanta gente -- inclusive mulheres e crianças --, mas também a maneira extremamente dramática como o levita tornou conhecido o crime cometido contra ele e sua concubina. O homem “apanhou uma faca e esquartejou sua concubina. Ele a dividiu em doze pedaços e mandou um pedaço para cada região de Israel”. E todos disseram: “Nunca aconteceu algo assim desde quando os israelitas saíram da terra do Egito” (Jz 19.29-30).

Para surpresa do povo e também nossa, quando, pouco depois, a monarquia foi estabelecida, Saul, o primeiro rei de Israel, escolhido pelo próprio Deus, era um benjamita exatamente de Gibeá. O pai dele (Quis) ou o avô (Abiel) seriam um dos quatrocentos rapazes sobreviventes da matança de Gibeá e a mãe deveria ser uma das quatrocentas virgens sobreviventes da matança de Jabes-Gileade. É por isso que Saul explicou a Samuel: “Eu sou da tribo de Benjamim, a menor de Israel” (1Sm 9.21).

Esse fato inesperado e até mesmo fora de qualquer lógica é uma manifestação inequívoca da capacidade perdoadora de Deus, como está escrito em Romanos 5.20: “Onde aumentou o pecado, a graça de Deus aumentou muito mais ainda” (NTLH), ou, “Onde proliferou o delito, a graça transbordou” (BP).

Há mais um detalhe de grande encorajamento: o maior de todos os teólogos cristãos e o mais notável missionário da igreja era benjamita. Duas vezes Paulo faz questão de se identificar: “Eu mesmo sou israelita, descendente de Abraão e membro da tribo de Benjamim” (Rm 11.1; Fp 3.5).

Mais ainda: só a maravilhosa graça poderia colocar Tamar, Raabe e Bate-Seba (mulheres de comportamento sexual duvidoso) na genealogia de Jesus (Mt 1.3-6).

Quantos de nós somos um milagre da maravilhosa graça?

Ou quantos de nós ainda poderemos ser?

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/343/o-pai-de-saul-era-um-dos-quatrocentos-rapazes-sobreviventes-da-matanca-de-gibea

January 13, 2015

Somos todos vasos estragados

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Não queremos crer e muito menos admitir, mas somos todos vasos estragados. Não há nem uma exceção sequer. Devemos lidar uns com os outros como seres estragados. Estragados para sempre na atual conjuntura.

Nunca estamos plenamente satisfeitos com o que somos, com o que temos, com o que fazemos, com o que nos acontece, com a idade, com as amizades, com o dinheiro, com a vida.

Uns mais, outros menos, todos nós temos problemas com a raiva, a ansiedade, o tédio, a baixa e a alta autoestima.

Nas relações uns com os outros, somos um desastre.

É difícil fazer e manter amizade por longo tempo, porque somos invejosos, ciumentos, impacientes, irritantes, implicantes, violentos, egocêntricos e “imperdoadores”.

Vivemos entre o amor e o ódio, a euforia e a depressão, o perdão e a vingança, a vagarosidade e a pressa, a hesitação e a precipitação, a vivacidade e a apatia.

Na área sexual temos mil problemas: falta de naturalidade, sentimento de culpa, iniciação precoce, insatisfação, gravidez indesejada, aborto, infidelidade conjugal, disfunções sexuais, homossexualidade, doenças sexualmente transmissíveis, pornografia, prostituição, violência sexual.

Carregamos desejos efêmeros e custosos demais que não conseguimos medir, avaliar nem manter sob controle.

A psiquiatria diz que a compulsão por uma coisa ou por outra “é a busca imediata de prazer, sem planejamento, que produz satisfação e alívio imediato”. Pode ser a compulsão por compras, álcool, drogas, sexo, dinheiro, projeção social etc.

Desejos doentios destroem desejos sadios, o que nos obriga a viver em tratamento.

Quanto à religião, somos um fracasso. A história está cheia de guerras religiosas. Ora brigamos com a ciência em nome da religião, ora brigamos com a religião em nome da ciência. Ora não temos fé alguma (ateísmo), ora temos fé em demasia (fanatismo). Ora não sentimos culpa de nada, ora temos a pavorosa mania de pecados. Ora estamos montados em nossos pecados, ora os pecados estão montados em nós. Ora chegamos a Deus para obter misericórdia, ora chegamos a Deus para obter conforto e riquezas.

A doença nos apavora, a velhice nos apavora, a morte nos apavora, o outro mundo nos apavora. A rigor, somos vasos estragados e também apavorados.

Só uma coisa pode diminuir esse pavor e até mesmo acabar com ele. Só uma coisa pode resolver o problema do vaso estragado, do corpo estragado, da alma estragada, da vida estragada.

É aquilo que se chama de esperança cristã.

A vida não tem significado algum sem essa esperança.

Deus não merece culto se não há esperança à vista.

Não seríamos insistentes e teimosamente religiosos se essa esperança não fizesse parte de nosso inconsciente e de nossa consciência.

Somos vasos estragados, mas não fomos criados estragados.

Aquele que nos criou completos, saudáveis, felizes e santos vai nos tornar outra vez completos, saudáveis, felizes e santos.

O vaso estragado que se deixa possuir por esta esperança, dia após dia, faz a sua declaração de fé: “Eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra” (Jó 19.25).

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/349/somos-todos-vasos-estragados

January 12, 2015

Foco

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"Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que luta de tudo se abstém; eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, uma incorruptível. Pois eu assim corro, não como a coisa incerta; assim combato, não como batendo no ar." 

1 Coríntios 9:24-26

- Vinicios Torres

Temos um ano pela frente para fazer diferença, mais de 300 dias ainda em que cada um deles conta. Cada um que passar sem acrescentar algo à nossa vida será um dia “batendo no ar” como o apóstolo Paulo descreve.

Nessa passagem, o apóstolo Paulo usa a comparação dos atletas que competiam nas provas de atletismo. Particularmente ele está descrevendo o que era comum na época dele, que eram as corridas e as lutas.

Ele faz uma afirmação extremamente importante para quem quer usar o seu tempo de maneira efetiva: ele diz que não corria sem um alvo (“para coisa incerta”, na passagem) nem lutava de mentirinha (“como batendo no ar”).

O que ele queria dizer era que ele sabia claramente para onde estava indo (não desperdiçava corrida) e quando tinha que fazer algo fazia com consciência que estava fazendo a coisa certa, ou seja, seus golpes eram certeiros.

Este é o retrato de alguém determinado, decidido e focado. Exatamente como o atleta de alto desempenho se comporta. Será que esse não é o segredo do impacto que o apóstolo Paulo teve no cristianismo?

E você, sabe claramente qual é a sua meta para este ano?
  • Quando terminar o ano de 2015 e você olhar para sua vida poderá definir com segurança que alcançou o prêmio e que a sua corrida não foi em vão?
  • Você está pronto para lutar com afinco em cada tarefa necessária para alcançar seu objetivo?
  • Está disposto a dedicar o tempo que for preciso para realizá-lo, sem preguiça?
  • Tem o coração aberto para receber e envolver as pessoas que participarão da sua caminhada e serão beneficiárias do seu projeto?
De nada adianta querer que o ano seja diferente se você não estabelece a diferença que você fará nele.

Fonte: http://www.ichtus.com.br/dev/2015/01/12/nao-desperdice-a-corrida-deste-ano/

January 11, 2015

Mais forte do que a morte

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- Ricardo Barbosa de Sousa

O século 21 tem sido marcado por grandes tragédias. Algumas naturais, outras não. Tivemos os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que causaram a morte de quase 3 mil pessoas, com desdobramentos que seguem semeando ódio e morte. No dia 26 de dezembro de 2004, um grande maremoto devastou a costa de vários países no Oceano Pacífico, causando a morte de quase 300 mil pessoas, deixando milhões desabrigadas. No dia 29 de agosto de 2005, o furacão Katrina atingiu três estados do sul dos Estados Unidos, no que foi considerada a maior tragédia natural da história do país, levando a vida de mais de mil pessoas e deixando milhares sem abrigo. Aqui no Brasil temos assistido à tragédia de milhares de famílias que perderam parentes e casas nas enchentes de 2009 e deste ano. No início deste ano, o Haiti, pais já devastado pela miséria, viveu sua maior tragédia quando um terremoto destruiu grande parte da nação, matando cerca de 200 mil pessoas e deixando milhões de desabrigados, num cenário com desdobramentos imprevisíveis.

A cada catástrofe a humanidade se volta às mesmas perguntas e discussões para as quais não existem respostas - pelo menos racionais. Uns apelam para a justiça divina como forma de castigar a humanidade pecadora. Outros buscam excluir Deus, fazendo dele um Criador sem criação. Existem ainda aqueles que responsabilizam a humanidade pelo descuido do meio ambiente e pela ambição irracional pelo poder, que agora colhe os resultados de sua insanidade. São tentativas frágeis, por vezes desumanas, que não respondem às grandes perguntas, nem expressam a graça de Deus.

Como olhar para tudo isto e permanecer crendo num Deus que ama? Como continuar crendo num Deus cheio de compaixão e misericórdia diante das catástrofes que roubam a vida de crianças, deixam outras órfãs, em que famílias inteiras perdem tudo o que construíram (parentes e bens) em sua já miserável passagem pela vida? No entanto, o problema continua, com seu terrível peso de morte, destruição e desolação, sem as respostas que todos buscam.

É preciso reverência e temor em nosso olhar para a dor e o sofrimento. Não podemos excluir Deus deles, porque onde há sofrimento Deus está presente, mesmo que silenciosamente. O mesmo mistério divino que nos dá vida, perdoa e salva, que sustenta com beleza e harmonia o universo por ele criado, é também o mistério presente na tragédia e na dor humana. Qualquer esforço para entender será sempre limitado. A resposta de Deus ao sofrimento humano não foi tentar explicá-lo, mas enviar seu Filho eterno, que se fez homem entre nós, mergulhou nos abismos da dor e do sofrimento, para nos mostrar, por meio da cruz e da ressurreição, o caminho da vida e da esperança eterna.

No meio dessas tragédias reconhecemos que não possuímos nada. Não temos controle sobre nada. O futuro não nos pertence. Tudo pode acabar num instante. Somente em Cristo podemos nos alimentar de uma esperança real e eterna. Nele, e somente nele, temos segurança real. Diante do sofrimento devemos nos calar e nos abrir para a solidariedade. Nossa mente finita e limitada não consegue compreender os mistérios do propósito divino; portanto, resta-nos chorar, lamentar e consolar os que sofrem.

Nas tragédias o ser humano tende a manifestar o que há de melhor ou de pior no coração. Manifesta solidariedade ou indiferença. Esperança e fé ou ceticismo e desesperança. Bondade e generosidade ou egoísmo e ambição. Temor e reverência a Deus e aos seus propósitos eternos ou revolta e incredulidade.

Minha oração é que, em meio a tantas tragédias, nosso coração continue crente. Que nossa fé seja fortalecida na esperança do Deus que reina. Que nossa resposta seja solidária, compassiva e generosa. Que nossas orações sejam um clamor para que a humanidade se volte para Cristo, em quem a vida, mesmo em meio às piores tragédias, encontra sentido. 
 
Porque nele, por meio dele e para ele é que todas as coisas existem.
 
“Ele faz a ferida e ele cura.” 
 
Ao Senhor seja toda glória.
 
Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/323/mais-forte-que-a-morte

January 10, 2015

Decidido

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Sei que às vezes não estou suficientemente maduro para tomar uma decisão, pois não conheço bem os dois lados que chamam a minha atenção, que acenam para mim, que tentam me atrair. Porém, na maioria das vezes, a minha indecisão não é sinônimo de prudência.

Ela existe por causa do medo, da tradição, do comodismo, da correnteza em sentido contrário, do engano, do acanhamento, da opinião pública, da preguiça.

A história do filho pródigo, na parábola de Jesus, sempre me impressionou. O evangelho registra que, em uma terra distante, o rapaz reconheceu seu erro e tomou a decisão de voltar para casa. O versículo seguinte mostra que a decisão era para valer, pois “‘levantando-se’, foi para seu pai” (Lc 15.20).

Encanta-me a decisão tomada por Zaqueu logo após a conversa que Jesus teve com ele. Como o filho pródigo, o coletor de impostos se levantou e disse a Jesus: “Senhor, ‘de agora em diante’ eu darei a metade da minha riqueza aos pobres” (Lc 19.8).

Confesso que tenho uma ponta de inveja quando leio o discurso de Josué perante o povo indeciso quanto à escolha do caminho a seguir: “Quanto a mim, ouçam bem: - Eu e a minha casa serviremos ao Senhor” (Js 24.15).

Para que haja alguma mudança, para iniciar qualquer empreendimento, não posso ser indeciso.

Exemplos não me faltam. A Bíblia me encoraja quando diz que Salomão “resolveu” edificar a casa ao nome do Senhor 2Cr 2.1), que Joás “resolveu” restaurar o mesmo templo (2Cr 24.4), que Daniel “resolveu” não contaminar-se com as iguarias da mesa de Nabucodonosor (Dn 1.8), que Paulo “resolveu” ir a Jerusalém, onde o esperavam sofrimentos e prisões (At 19.21).

Os heróis da fé são pessoas que não ficaram paradas, deixando o tempo e as oportunidades passarem por conta da eterna indecisão.

Por misericórdia, não quero mais atrasar o que é necessário, o que é certo, o que é bom para mim e para os outros, inclusive para minha família. Não quero ser culpado de alguma dor, infelicidade ou tragédia por falta de decisão da minha parte.

Abraão não ficou a vida inteira decidindo se sairia ou não de Ur dos caldeus e se ofereceria ou não seu único e amado filho em sacrifício ao Senhor. Pela fé, fez ambas as coisas sem perder tempo (Hb 11.8, 17).

Entre dois caminhos opostos a tomar, Moisés fez logo a sua escolha: abandonar a casa de Faraó, os prazeres transitórios do pecado e os tesouros do Egito, para ser maltratado junto com o povo de Deus (Hb 11.24-26).

Quero ter a firmeza de Paulo quando escreveu a Tito: “Resolvi passar o inverno lá [em Nicópolis]” (Tt 3.12). De hoje em diante, com o auxílio de Deus, será assim comigo.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/332/nao-quero-ser-indeciso

January 09, 2015

Relacionamentos, bençãos ambíguas

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- Silas José de Lima

O ser humano é um ser relacional, nunca se sentirá completo em si mesmo, não porque lhe falta um pedaço, mas porque lhe falta a capacidade de se ver em si mesmo. Ainda que precisando de se ver no outro para se autodefinir, é único. Não há duas pessoas iguais. Por isso os relacionamentos são ambíguos. Nos relacionamentos buscamos tanto o aniquilamento da alteridade, quanto o que nos identifica como indivíduos.

O desejo egoísta tende à aniquilação do outro, o amor altruísta à preservação. O “desejo é vontade de consumir. Absorver, devorar, ingerir e digerir – aniquilar [...] O amor, por outro lado, é a vontade de cuidar e de preservar” (BAUMAN, 2004, p. 12-13). Assim, os relacionamentos transitam entre a construção e desconstrução do indivíduo, entre a irritação e o prazer.

Por sermos individualistas, os relacionamentos são bênçãos ambíguas, oscilam entre sonhos e pesadelos. O consumismo transforma os relacionamentos em uso do outro. Por isso os relacionamentos, prazerosos no início, acabam se tornando entediantes com o tempo. Assim como um objeto desenhado para o consumo não pode ser resistente ao tempo, um relacionamento em que o desejo é a tônica não pode durar muito tempo.

Em uma sociedade consumista, o tempo corrói os relacionamentos. As relações, transformadas em objeto de desejo, quando não descartadas, se tornam entulhos, incômodos a novos relacionamentos. “Em maior ou menor grau, o projeto do eu vai sendo traduzido como posse de bens desejados e a perseguição de estilos de vida artificialmente criados” (GIDDENS, 2002, p. 183).

No processo de utilização do outro, os relacionamentos são convertidos em conexões. Numa conexão, a convivência entre duas pessoas é mantida enquanto há o interesse de mantê-la. Não é concebível que uma conexão seja mantida sem que haja querer. Assim funcionam as redes sociais, excluem-se ou adicionam-se “amigos” como se fossem pontos de conexão, apenas isso. Sem compromisso, o que chamamos de relacionamentos são conexões frágeis que se rompem com a mesma facilidade com que se formaram. A desconexão de uma pessoa está a um clique do mouse do computador (BAUMAN, 2004).

Relacionar-se exige engajamento, compromisso, tempo gasto em situações pouco produtivas. Um relacionamento envolve decisões em que há perdas, dor e irritação. O compromisso, em um relacionamento dispendioso, é a única justificativa para sua existência. “A pessoa comprometida está preparada para aceitar os riscos que o sacrifício de outras opções potenciais envolve” (GEDDENS, 2002, p. 91).

Relacionamentos, em muitas situações são mantidos pela inflexibilidade de uma decisão de responsabilidade. Mas isso não implica que, mesmo um relacionamento em que o prazer se dissolve, não possa haver realização e alegria. A realização em um relacionamento dispendioso é diretamente proporcional ao amor que se empenha nele. “No amor, o eu é, pedaço por pedaço, transplantado para o mundo. O eu que ama se expande doando-se ao objeto amado” (BAUMAN, 2004, p. 13).

Os relacionamentos exigem doação, não apenas de parte do tempo, mas, também, de desejos, de sonhos, de projetos. Quando um relacionamento se torna mais importante que projetos pessoais, chamamos isso de amor. O sacrifício de Cristo é o maior paradigma de amor. Nesse sacrifício, Deus foi às últimas consequências de suas escolhas, deu-se completamente pelo relacionamento com o ser humano (BÍBLIA, João 3.16).

Em um relacionamento em que pessoas estão atreladas às outras pelo elo do amor, é a decisão, e não a obrigatoriedade, que sustenta o relacionamento. Uma decisão é sempre voluntária; ainda que seja, muitas vezes, indesejada; nunca é coagida. Não é possível haver amor sem que a voluntariedade e o compromisso sejam a base do relacionamento.

A existência do outro só é possível quando há amor. Sem o amor, não há o outro, não há relacionamentos. Em um mundo sem amor, cada indivíduo é, potencialmente, uma peça a ser usada para satisfazer desejos. No amor o indivíduo se dispõe a diminuir-se, a esvaziar-se para que o outro possa existir. Paulo, ao descrever o comportamento de Deus em Cristo, diz que ele, Cristo, esvaziou-se voluntariamente, diminuiu-se para que pudesse amar os seres humanos e relacionar-se com eles (BÍBLIA, Filipenses 2). É esse amor voluntário de Deus que possibilita ao ser humano sua existência.

Pela pessoalidade de cada ser humano, as relações são tensas e, quando não descambam para o consumo do outro, são sustentadas por atos de sacrifícios. O amor é o que sustenta os relacionamentos. No amor há entrega, há doação voluntária, há humildade e coragem de arriscar tudo. Sem o amor, os relacionamentos são efêmeros e de curta duração – duram enquanto for prazeroso. Sem o amor, não há compromisso, não há sacrifício e não há cuidados, apenas a fome insaciável pelo que o outro pode oferecer.

BAUMAN, Zygmunt. “Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos”. RJ: Editora Jorge Zohar, 2004.
GIDDENS, Anthony. “Modernidade e Identidade”. RJ: Jorge Zohar, 2004.

Fonte: http://www.ultimato.com.br/comunidade-conteudo/relacionamentos-bencaos-ambiguas