A grande pergunta do nosso tempo não é se cremos na vida após a morte, mas se cremos na vida antes da morte.
Sou solidário com Henri Nouwen, quando diz: “Durante a maior parte dos meus anos, falei de vida eterna como pós-vida, como vida depois da morte. Mas, à medida que vou ficando mais velho, menos interesse tenho pelo pós-vida. Preocupar-me com o amanhã, com o próximo ano, com a próxima década, e também com a próxima vida, parece-me uma falsa preocupação. Cismar como tudo será para mim depois de morrer parece-me, em grande parte, uma distração. Se a minha meta é a vida eterna, então essa vida deve ser atingível já agora, onde eu estou, porque a vida eterna é a vida em e com Deus, e Deus está onde eu estou, aqui e agora. O grande mistério da vida espiritual - a vida em Deus - é que não temos de esperar por ela como algo que acontecerá depois. Jesus disse: ‘Estai em mim como eu estou em vós’. É este divino ‘estar em’ que é a vida eterna. É a presença ativa de Deus no centro do meu viver - o movimento do Espírito de Deus dentro de nós - que nos dá a vida eterna”.
Outra forma de dizer a mesma coisa é afirmando seu oposto. Não mais Deus dentro de nós, mas nós dentro de Deus. “Na sua natureza e no seu significado mais profundos”, disse Dallas Willard, “o nosso universo é uma comunidade de amor ilimitado e capaz”. Isto é, em última instância, a realidade última do universo não é átomo ou quanta, mas Deus. Foi isso o que nos ensinou Paulo, citando um poeta ateniense: “Em Deus vivemos, nos movemos e existimos”. Vivemos na casa de Deus (ecos) e chamamos isso de Universo (Hb 3.4).
Esse é um conceito complexo, que muitos confundem com panteísmo (Deus está em tudo, Deus é tudo).
Porém, pode ser melhor compreendido como panenteísmo (tudo está em Deus). Mais uma vez, recebemos a ajuda de Willard: “Eu ocupo meu corpo e seu espaço circundante, mas não posso ser localizado nele ou em torno dele. Você não consegue me encontrar, nem encontrar meus pensamentos, sentimentos ou características de personalidade em parte nenhuma do meu corpo. Nem eu mesmo consigo fazê-lo. Se você quiser me encontrar, a última coisa que deve fazer é abrir o meu corpo para dar uma olhada – nem deve examiná-lo de perto com um microscópio ou outros instrumentos físicos [...] Viajar pelo espaço e não encontrar Deus não significa que o espaço é vazio, assim como viajar pelo meu corpo e não me encontrar não significa que eu não estou aqui [...] Deus se relaciona com o espaço do mesmo modo como nos relacionamos com nosso corpo físico. Ele o ocupa e transborda, mas não pode ser localizado nesse espaço. Cada ponto do espaço está acessível à consciência e à vontade divinas, e a sua presença manifesta pode ser concentrada em qualquer ponto que ele julgue adequado. Na encarnação, ele concentrou a sua realidade de modo especial no corpo de Jesus”.
Quando o homem pergunta para Jesus “que farei para herdar a vida eterna?”, não estava falando de uma vida após a morte. Sua pergunta queria saber algo mais ou menos como “que farei para experimentar/receber esta vida divina que está disponível para nós agora?”, ou ainda “como posso penetrar a realidade última do Universo, realidade esta que chamamos espiritual?”. Indo um pouco mais longe e imaginando que esse homem fosse iniciado nos mistérios, aqueles mesmos a respeito dos quais Jesus conversou com Nicodemos e com a mulher samaritana, a pergunta poderia ser: “Como faço para nascer do Espírito?”, “como posso ter meu espírito unido ao Deus Espírito?”.
A resposta de Jesus conduz o diálogo a pelo menos três pistas extraordinárias para quem deseja se relacionar com Deus e experimentar a vida eterna. Primeiro, Jesus pergunta se ele “conhece os mandamentos”, dando clara indicação de que Deus é aquele que manda, enquanto nós apenas obedecemos.
Isto é, para experimentar a vida de Deus, em Deus e com Deus, você precisa olhar para Deus de baixo para cima. Simples assim.
Recebendo resposta afirmativa, pois o homem parecia mesmo zeloso em cumprir os mandamentos, Jesus manda que ele venda seus bens e doe tudo aos pobres. Mais uma vez, Jesus não deixa dúvidas em sua resposta: Deus deve ser o valor último ao qual estamos agarrados. Nada pode se colocar entre nós e o nosso Deus.
Como dizem os chineses, “se você tem alguma coisa de que não pode abrir mão, não é você que tem a coisa, a coisa é que tem você”. E Deus não divide lealdades: “Para me encontrar, vocês não podem me buscar com um coração dividido”, disse Deus pela boca do profeta Jeremias.
Abrir mão da riqueza para doar aos pobres implica também o abandono do mundo do egoísmo para a entrada no mundo da solidariedade e da generosidade. Deus é amor. “O amor não cabe em si”, disse nosso poeta. Deus é assim, amor em doação.
Viver em Deus consiste em doar amando e amar doando.
A essa altura, confesso que já não sei ao certo se viver em estado de criatura, quebrantado diante do absoluto divino e, portanto, compartilhando tudo com todos, é a condição para a experiência de Deus ou a evidência de termos sido encontrados por ele.
Contudo, já não me importo.
Anseio mesmo por essa maravilhosa vida abundante que o nosso Senhor Jesus Cristo veio nos conceder.
Não me importa andar para sempre de joelhos, com pó colado no céu da boca, e de tudo despossuído.
Vivo como quem um dia fosse chegar lá.
Porém, sigo na certeza de que Deus sempre chega a mim primeiro.
Fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/358/vida-antes-da-morte