Transcendência
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- Ricardo Barbosa
O reverendo John Stott no seu livro Por Que Sou Cristão, onde, de forma pessoal, descreve as razões e os fundamentos da sua fé em Cristo, apresenta as 3 aspirações básicas de todo ser humano: a busca por transcendência, a busca por significado e a busca por comunidade, que, segundo ele, somente a fé em Cristo pode atender. Porém, num certo sentido, as 3 envolvem a realidade fundamental da transcendência.
A transcendência é o princípio que nos liberta de toda forma de reducionismo. Somos inclinados a pensar que tudo que precisamos está disponível dentro da realidade material e tecnológica em que vivemos. Achamos que é possível encontrar significado e realização numa carreira profissional, que por estarmos conectados com o mundo por meio da internet pertencemos a uma comunidade global, ou que, pelo fato de recebermos alguma aprovação nas redes sociais, podemos nos sentir aceitos. São formas reducionistas de perceber a realidade.
A negação da transcendência é, entre outras coisas, uma negação da história, noutras palavras, a negação do passado. O divórcio do presente com o passado numa cultura materialista e tecnológica compromete toda a busca por comunidade e significado. Somos uma espécie de Mr. Bean que despenca de algum lugar incerto do espaço numa noite escura e busca viver de forma desajeitada num mundo sem passado e sem memória.
Meu neto de três anos de idade me pede, com certa frequência, que lhe conte histórias da minha infância. De alguma forma o presente dele está ligado ao passado de sua família. A fé que ele abraça hoje é a fé dos seus pais, avós e bisavós. É nesse sentido que afirmamos que a fé cristã é histórica.
Cremos no Deus de Abraão, Isaque e Jacó, no Deus de nossos antepassados e que se torna o nosso Deus pessoal. Essa percepção histórica da ação e presença de Deus nos ajuda a entender a importância da transcendência na história e a compreender a realidade mais ampla e profunda de Deus, que sempre agiu com seu braço forte libertando, perdoando e salvando. Muitos jovens não acreditam que alguma coisa relevante possa ter acontecido antes da descoberta do computador, celular e internet.
Somos seres alienados num universo falsamente conectado. A percepção reducionista da realidade bloqueia a memória e encobre o passado. Como forma de nos proteger das feridas do passado, desenvolvemos comportamentos compensatórios e atuamos no presente como nossos próprios redentores e fabricantes da realidade. Quanto mais confiamos em nossos mecanismos compensatórios, menos experimentamos a presença redentora e transformadora de Deus. Tornamo-nos tão dependentes do presente e de nós mesmos que Deus é percebido apenas nos fragmentos de algumas situações pontuais, mas não como presença eterna.
A perda da transcendência nos leva a olhar para a vida e não encontrar sentido. Vivemos conectados, porém sem comunidade. A história de Israel é a história de um povo muitas vezes oprimido, exilado, escravizado, esperando pela salvação de Deus. O trabalho dos escribas era o de preservar na memória do povo os grandes feitos de Deus. As festas sagradas eram um meio de preservar o passado no presente e apontar para o futuro. Era a história que ajudava o povo na sua busca por identidade.
A busca humana por transcendência, significado e comunidade acontece quando reconhecemos Deus numa longa história. Podemos olhar com confiança para o futuro porque trazemos na memória os feitos de Deus na grande história da redenção.
Fonte: https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/370/a-perda-da-transcendencia-na-historia
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