April 05, 2021

Tomando sua vida de volta

.
Ricardo Barbosa

“Tomando sua vida de volta” – este é o termo que Gary Thomas usa para descrever a necessidade de sermos libertos de uma vida aprisionada a vícios e maus hábitos profundamente arraigados. 

Os cistercienses, movimento criado no final do século 11, falam da importância da “reaquisição da autoridade sobre nós mesmos”. Ambos reconhecem que “a queda” trouxe uma profunda desordem na vida humana, uma ruptura tanto externa quanto interna. Do ponto de vista externo, essa ruptura afetou os relacionamentos em todas as suas dimensões: com Deus, com o próximo e com a criação. Do ponto de vista interno, vemos que por causa do pecado o ser humano vive fragmentado numa multidão de impulsos conflituosos. O corpo, as emoções, os pensamentos e os desejos continuam funcionando, porém sem qualquer ordem ou harmonia.

A ruptura interna e a necessidade de se encontrar o caminho de volta para si mesmo, ao readquirir a autoridade sobre a própria vida, também são alvos da obra de Cristo. O nome bíblico para este caminho de volta é reconciliação – o trabalho divino de trazer todas as coisas de volta aos propósitos do Criador
A restauração da unidade dentro de cada um de nós nos leva a transbordar numa relação verdadeira com outras pessoas.

A culpa e o medo são dois sentimentos “desintegradores” da vida humana. Fomos criados por Deus e para Deus. A queda e o pecado produziram uma profunda alienação que gerou um forte sentimento de inadequação. Esse sentimento está presente na consciência humana, inclusive naqueles que rejeitam e negam a Deus. Há um esforço contínuo para negar, esconder ou mesmo minimizar a culpa e o medo. No entanto, eles permanecem presentes, muitas vezes, de forma silenciosa, intensificando a alienação.

A culpa nos impede de nos relacionar livremente com o próximo. É como se necessitássemos da permissão dos outros para sermos verdadeiros. Afligido pelo medo da rejeição, o ser humano é levado – pela ansiedade, pela solidão, pela depressão e por uma terrível sensação de fragmentação – a se entregar ao cinismo, à descrença, à violência e aos mecanismos de controle e manipulação. Tornamo-nos prisioneiros de nós mesmos.

A paisagem externa será sempre definida pela paisagem interna. Se o mundo interno é dominado pela culpa e pelo medo, a relação com o mundo externo será de insegurança e incerteza. A forma como interpretamos a realidade externa é determinada pela realidade interna. Uma vez libertos das prisões da alma, então nos tornamos livres para amar, servir e doar.

Num dos textos mais impressionantes sobre a obra divina da reconciliação, o apóstolo Paulo começa dizendo que “ele (Cristo) nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor”. Paulo escolhe com cuidado as palavras: “império das trevas” em oposição ao “reino do Filho do seu amor”. Poderia dizer: “império das trevas” em oposição ao “reino da luz”; faria mais sentido, mas Paulo prefere falar de “trevas” e “Filho do seu amor”.

Jesus veio para nos libertar do “império das trevas”. Noutras palavras, ele veio para nos libertar das prisões da alma. A culpa e o medo não resistem ao amor divino. O apóstolo João nos afirma que “no amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo”. Ele segue dizendo que “o medo produz tormento” porque ele é a força que fragmenta toda a realidade interior, trazendo angústia e desespero.

A reconciliação interior – a unidade de todo o nosso ser – acontece quando o Filho do amor de Deus, Jesus Cristo, aquele “que nos ama e pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados”, vem e nos reconcilia com o Pai e faz a sua habitação em nós. 

Na sua conversa de despedida com seus discípulos, Jesus faz uma declaração impressionante: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada”. 

A habitação do medo e da culpa dá lugar à habitação do amor e da graça. 

No lugar da escuridão, a presença amorosa do Pai e do Filho. No lugar da culpa e do medo, a palavra recriadora e reconciliadora nos libertando e curando. No lugar da fragmentação, a unidade da pessoa.

Fonte: https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/369/tomando-sua-vida-de-volta

0 Comments:

Post a Comment

Note: Only a member of this blog may post a comment.

<< Home