.
Terremoto, tsunami, acidente nuclear... E o povo japonês, dando lição de civilidade para o mundo inteiro.
Milhares de brasileiros estão admirados com a postura e a organização... mas por que, se isto que é o normal?
Justiça, compaixão, coragem, educação, sinceridade, lealdade e honra são princípios presentes na cultura, na formação, nos lares, no dia a dia dos orientais que, não tê-los é que seria motivo de espanto (e de vergonha).
Hoje saiu no Caderno 2 do Estadão uma matéria sobre os restaurantes japoneses de São Paulo, que estão fazendo estoque de produtos importados e o único que não estava adotando esta prática era o Jun Sakamoto.
Ele disse que se tivesse o produto, ótimo. Senão fecharia o estabelecimento por tempo indeterminado até que a situação se regularizasse (e ele se sustentaria com a Hamburgueria).
Tomou esta decisão depois de ouvir um relato de uma amiga no Japão que se ofereceu para carregar uma sacola de água para uma senhora de idade, ao que a mulher respondeu: - Não, obrigada. Não vou fazer estoque de água, pois outra pessoa pode estar precisando.
Isto é ética na prática (que lição)!
Porque se cada um é responsável e dá o seu melhor, a confiança de que o outro também faz a sua parte (seja autoridade, chefia, colega de trabalho etc.) é certa e natural.
JAPÃO
- por Monja Coen
Quando voltei ao Brasil, depois de residir doze anos no Japão, me incumbi da difícil missão de transmitir o que mais me impressionou do povo japonês: kokoro.
Kokoro ou Shin significa coração-mente-essência.
Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para sair de si mesmas, de suas necessidades pessoais e se colocar à serviço e disposição do grupo, das outras pessoas, da natureza ilimitada?
Outra palavra é gaman: aguentar, suportar. Educação para ser capaz de suportar dificuldades e superá-las. Assim, os eventos de 11 de março, no nordeste japonês, surpreenderam o mundo de duas maneiras.
A primeira pela violência do tsunami e dos vários terremotos, bem como dos perigos de radiação das usinas nucleares de Fukushima. A segunda pela disciplina, ordem, dignidade, paciência, honra e respeito de todas as vítimas.
Filas de pessoas passando baldes cheios e vazios, de uma piscina para os banheiros.
Nos abrigos, a surpresa dos repórteres norte americanos: ninguém queria tirar vantagem sobre ninguém. Compartilhavam cobertas, alimentos, dores, saudades, preocupações, massagens.
Cada qual se mantinha em sua área. As crianças não faziam algazarra, não corriam e gritavam, mas se mantinham no espaço que a família havia reservado.
Não furaram as filas para assistência médica – quantas pessoas necessitando de remédios perdidos - mas esperaram sua vez também para receber água, usar o telefone, receber atenção médica, alimentos, roupas e escalda pés singelos, com pouquíssima água.
Compartilharam também do resfriado, da falta de água para higiene pessoal e coletiva, da fome, da tristeza, da dor, das perdas de verduras, leite, da morte.
Nos supermercados lotados e esvaziados de alimentos, não houve saques.
Houve a resignação da tragédia e o agradecimento pelo pouco que recebiam. Ensinamento enraizado na cultura e chamado de kansha no kokoro: coração de gratidão.
Sumimasen é outra palavra chave. Desculpe, sinto muito, com licença. Por vezes me parecia que as pessoas pediam desculpas por viver.
Desculpe causar preocupação, desculpe incomodar, desculpe precisar falar com você ou bater à sua porta. Desculpe pela minha dor, pelas minhas lágrimas, pela minha passagem, pela preocupação que estamos causando ao mundo. Sumimasen.
Quando temos humildade e respeito pensamos nos outros, nos seus sentimentos, necessidades. Quando cuidamos da vida como um todo, somos cuidadas e respeitadas.
O inverso não é verdadeiro: se pensar primeiro em mim e só cuidar de mim, perderei. Cada um de nós, cada uma de nós é o todo manifesto.
Acompanhando as transmissões na TV e pela internet pude pressentir a atenção e cuidado com quem estaria assistindo: mostrar a realidade, sem ofender, sem estarrecer, sem causar pânico.
As vítimas encontradas, vivas ou mortas eram gentilmente cobertas pelos grupos de resgate e delicadamente transportadas – quer para as tendas do exército, que serviam de hospital, quer para as ambulâncias, helicópteros, barcos, que os levariam a hospitais.
Análise da situação por especialistas, informações incessantes a toda população pelos oficiais do governo e a noção bem estabelecida de que “somos um só povo e um só país”.
Telefonei várias vezes aos templos por onde passei e recebi telefonemas. Diziam-me do exagero das notícias internacionais, da confiança nas soluções que seriam encontradas e todos me pediram que não cancelasse nossa viagem em julho próximo.
Aprendemos com essa tragédia que a vida é transitória, nada é seguro neste mundo, tudo pode ser destruído em um instante e reconstruído novamente.
Reafirmando a lei da causalidade podemos perceber como tudo está interligado e que nós humanos não somos e jamais seremos capazes de salvar a Terra.
O planeta tem seu próprio movimento e vida. Estamos na superfície, na casquinha mais fina. Os movimentos das placas tectônicas não tem a ver com sentimentos humanos, com divindades, vinganças ou castigos. O que podemos fazer é cuidar da pequena camada produtiva, da água, do solo e do ar que respiramos. E isso já é uma tarefa e tanto.
Aprendemos com o povo japonês que a solidariedade leva à ordem, que a paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à reconstrução.
Esse exemplo de solidariedade, de bravura, dignidade, de humildade, de respeito aos vivos e aos mortos ficará impresso em todos que acompanharam os eventos que se seguiram a 11 de março.
Havia pessoas suas conhecidas na tragédia?, me perguntaram. E só posso dizer: todas. Todas eram e são pessoas de meu conhecimento. Com elas aprendi a orar, a ter fé, paciência, persistência.
Minhas preces, meus respeitos, minha ternura e minha imensa tristeza em testemunhar tanto sofrimento e tanta dor de um povo que aprendi a amar e respeitar.