November 30, 2018

Tu sabes que te amo

.
E, sobretudo, revesti-vos de amor, que é o vínculo da perfeição. 
Colossenses 3:14

Um dia, na praia, depois daqueles dias de angústias e dores imensas, de sofrimento extremo, vividos na mais densa escuridão, Jesus perguntou para Pedro: “Tu me amas?” 

A resposta só poderia ser perplexidade. Pedro sabia que seu amor era limitado, humano, falho, preso a circunstâncias que iam além de sua capacidade de controlar. Seu amor, certamente, era menor do que seu medo. Menor do que sua vergonha. Muito menor do que deveria ser. Porém, ainda que tão falho, era esse o amor de que dispunha e que o mantinha no rumo de sua própria história. Era o que o conectava à vida. Era o que lhe permitia ter aquele diálogo – doloroso, mas necessário e curador – com o Filho de Deus. Bem ali na frente dele. Bem ali, mostrando que tudo ainda tinha jeito.
Deus conhece a nossa estrutura, sabe que somos pó (Salmo 103:14). E diante da nossa incapacidade de responder à vida do que jeito que ela pede – e nunca é pouco, nunca é pela metade –, o próprio Deus nos dá o suprimento. Sua graça nos faz verter as lágrimas que salgam a vida, que nos tiram da sequidão. Ele nos dá a dose extra de amor que precisamos para renovar a fé e encarar as dores do mundo. É o  amor de Deus que junta os caquinhos do caos nosso de cada dia e nos dá, graciosamente, um sentido eterno.
Nunca será demais meditarmos no capítulo 13 da carta de Paulo aos Coríntios, na qual o apóstolo nos ensina que “o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. O apóstolo João, por sua vez, ensina que o próprio “Deus é amor” (I Jo 4:16). Parece lugar comum, cançãozinha cantada para as crianças. Mas é disso que trata a Bíblia inteira. É disso que trata a vida.

Como responderemos aos enormes problemas que nos desafiam? O que faremos com nossa perplexidade ante as dores e a maldade do mundo? O amor leva o Verbo a se fazer carne. O amor cobre multidão de pecados. O amor lança cordas capazes de nos resgatar dos maiores abismos. O amor nos dá condições de perdoar até nossos algozes. O amor transforma lobos em cordeiros. Vence a morte, encara a vida, ultrapassa as maiores barreiras. O amor nunca acaba.
Muitas vezes nossa porção de amor será muito menor do que Pedro dispunha para oferecer ao mestre. Será como um resquício. Uma sombra. Quase uma tristeza. Mas Deus é amor, é esse amor da sarça ardente, do vento impetuoso, do mar aberto, da mão forte e do braço estendido. E pode de novo encher nossa alma de vida, soprando com seu Espírito o vale dos ossos secos.
“Amai-vos, como eu vos amei”, disse Jesus (João 15:12). 

E eis que tudo se faz novo.
Fonte: http://www.ippdf.com.br/comunidade/boletim-da-semana/tu-sabes-que-te-amo/

November 29, 2018

Compaixão

.
- Ricardo Barbosa

A compaixão é uma expressão forte, pessoal, evangélica. Requer envolvimento, participação, solidariedade. Jesus compadeceu-se da multidão faminta e providenciou-lhes alimento. 

Compaixão é a virtude que nos permite entrar e participar da dor e da necessidade dos outros. É também a capacidade de preservar nossa humanidade – na medida em que entramos e participamos da vida do outro, com suas limitações, lutas, ambiguidades e sofrimentos, percebemos que não somos diferentes. Por outro lado, a sociedade em que vivemos estimula mais a competição do que a compaixão, intensificando o abismo entre os seres humanos. Na medida em que precisamos nos mostrar melhores, mais competentes, eficientes e fortes do que os outros, nos afastamos deles e, ao invés de olhar para o próximo como alguém semelhante a nós, vemo-lo com desconfiança, cinismo e medo.

A forma como Deus escolheu nos salvar e redimir não foi pela via do poder ou da eliminação do sofrimento, muito pelo contrário – ele escolheu enviar seu Filho para partilhar conosco nossa dor e sofrimento. Deus tornou-se humano em Cristo para viver entre nós e compartilhar conosco sua vida e amor. Encontramos em Jesus alguém que experimentou todas as nossas fraquezas, sofrimentos, dores e tentações e, mesmo sem nenhum pecado, participou da nossa condição humana pecadora tão completamente a ponto de assumir sobre si nossos pecados e enfermidades como se fossem seus. Esta capacidade de se envolver e absorver aquilo que é nosso como se fosse seu é o que a Bíblia chama de compaixão. Jesus não veio para se mostrar melhor do que nós, mas para ser como nós. Mesmo sendo Deus eterno, fez-se homem entre nós e sofreu a nossa dor.

Jesus, certa vez, disse: “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mateus 11:28-30). Trata-se, sem dúvida, de um convite extravagante e generoso, cheio de amor e compaixão – logo, um convite raro nos dias de hoje. Certamente, Jesus se dirigia a um público semelhante àquele ao qual ele um dia olhou e se compadeceu porque eram como ovelhas que não tinham pastor. Gente sofrida, confusa, perdida, aprisionada. No entanto, ao invés de rejeitá-los, como a maioria de nós naturalmente faz, ele os convida para se juntarem a ele, e mais, para trazerem seus fardos e seu cansaço, oferecendo-lhes descanso e alívio para suas almas.

O descanso que Jesus oferece não é eliminando o cansaço ou exorcizando o sofrimento, mas oferecendo-se para caminhar conosco no caminho da dor. É isso o que significa tomar sobre nós o jugo dele. Neste caminhar, vamos aprendendo com ele no exercício da humildade e da mansidão, o jeito dele de lidar com as adversidades e o cansaço da alma. Jesus foi “homem de dores”; ele experimentou o sofrimento como ninguém jamais experimentou. Experimentou a traição, o abandono, a incompreensão, a rejeição, a dor física, moral e espiritual. No entanto, em seu caminho para o Calvário, ele enfrentou cada situação com humildade e mansidão.

Ele não se oferece para, num passe de mágica, eliminar nossa dor e cansaço, mas se oferece para caminhar ao nosso lado e nos ensinar a enfrentá-la, a lidar com ela, não a rejeitando, mas acolhendo-a com mansidão e humildade.

Nossa natureza é muito egoísta. Tentamos ser, quando muito, simpáticos com os outros, mas a simpatia é um sentimento que perdeu seu significado. Quando alguém tenta demonstrar simpatia, assume normalmente uma atitude de superioridade, como quem olha por cima e tenta compreender o que acontece, mas sem se envolver pessoalmente e emocionalmente.

É muito comum ver esse tipo de simpatia em períodos eleitorais como o atual, onde políticos saem de seus gabinetes e tiram seus ternos para demonstrar “simpatia” para com o povo. Eles vão às favelas, passeiam pelas feiras populares, cumprimentam o povo, provam de sua comida, entram nos hospitais e posam para os fotógrafos ao lado dos enfermos. Fazem promessas e mostram sua indignidade com as condições precárias de moradia, educação, saúde e segurança; uma vez eleitos, procuram demonstrar sua simpatia com discursos e projetos populares, mas continuam apenas simpáticos – em seus mandatos, não se envolvem e nem partilham da dor e do sofrimento do pobre.

A compaixão é uma expressão forte, pessoal, evangélica. Requer envolvimento, participação, solidariedade. Jesus compadeceu-se da multidão faminta e providenciou-lhes alimento. Ficou profundamente compadecido quando viu um homem doente de lepra, tocou nele e o curou. Da mesma forma, ao ver o sofrimento de um homem dominado por espíritos imundos, Jesus teve compaixão e o libertou, devolvendo sua sanidade e humanidade. 

Compaixão foi uma das marcas da vida e ministério de Jesus. Sua capacidade de ver, sentir, acolher e envolver-se com a dor e aflição do outro caracterizou sua passagem entre nós.

Como poderemos nos tornar mais compassivos diante da impessoalidade, competitividade e superficialidade da cultura moderna? Como romper com a ansiedade, insegurança e medo que nos envolve cada dia mais e nos transforma em seres obcecados pela luta da “sobrevivência”, tornando-nos competitivos, arrogantes e sempre preocupados em “vencer”? 

O caminho para a liberdade e justiça passa pela compaixão. Precisamos voltar nossos olhos para o Evangelho de Cristo e, mais uma vez, sermos transformados por ele. O apelo do apóstolo Paulo, quando pede para “não nos conformarmos com o mundo, mas para sermos transformados pela renovação da mente”, é profundamente atual. Não podemos deixar que a cultura moderna, com seu apelo ao egoísmo e à competitividade, modele nossa mente e nos faça olhar para o outro apenas com uma “simpatia” distante e impessoal.

Fomos criados e salvos para amar e nos doar, e o chamado para a compaixão é a forma como o amor e a doação são encarnados. Dar pão a quem tem fome e água a quem tem sede, envolver-se com o enfermo e acolher o estranho, visitar o preso e vestir o nu, são algumas formas que Jesus nos apresenta para o exercício da compaixão. 

Talvez, uma síntese de tudo isto é a necessidade de aprendermos a nos alegrar com os que estão alegres e chorar com os que choram, como nos recomendam as Escrituras.

Fonte: http://www.monergismo.com/textos/vida_piedosa/caminhos_compaixao.htm 

November 28, 2018

Mais forte que a morte

.
- Ricardo Barbosa

O século 21 tem sido marcado por grandes tragédias. Algumas naturais, outras não. Tivemos os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que causaram a morte de quase 3 mil pessoas, com desdobramentos que seguem semeando ódio e morte. No dia 26 de dezembro de 2004, um grande maremoto devastou a costa de vários países no Oceano Pacífico, causando a morte de quase 300 mil pessoas, deixando milhões desabrigadas. No dia 29 de agosto de 2005, o furacão Katrina atingiu três estados do sul dos Estados Unidos, no que foi considerada a maior tragédia natural da história do país, levando a vida de mais de mil pessoas e deixando milhares sem abrigo. Aqui no Brasil temos assistido à tragédia de milhares de famílias que perderam parentes e casas nas enchentes de 2009 e deste ano. E em 2010, o Haiti já devastado pela miséria, viveu sua maior tragédia quando um terremoto destruiu grande parte da nação, matando cerca de 200 mil pessoas e deixando milhões de desabrigados, num cenário com desdobramentos imprevisíveis.

A cada catástrofe a humanidade se volta às mesmas perguntas e discussões para as quais não existem respostas — pelo menos racionais. Uns apelam para a justiça divina como forma de castigar a humanidade pecadora. Outros buscam excluir Deus, fazendo dele um Criador sem criação. Existem ainda aqueles que responsabilizam a humanidade pelo descuido do meio ambiente e pela ambição irracional pelo poder, que agora colhe os resultados de sua insanidade. São tentativas frágeis, por vezes desumanas, que não respondem às grandes perguntas, nem expressam a graça de Deus.

Como olhar para tudo isto e permanecer crendo num Deus que ama? Como continuar crendo num Deus cheio de compaixão e misericórdia diante das catástrofes que roubam a vida de crianças, deixam outras órfãs, em que famílias inteiras perdem tudo o que construíram (parentes e bens) em sua já miserável passagem pela vida? No entanto, o problema continua, com seu terrível peso de morte, destruição e desolação, sem as respostas que todos buscam.

É preciso reverência e temor em nosso olhar para a dor e o sofrimento. Não podemos excluir Deus deles, porque onde há sofrimento Deus está presente, mesmo que silenciosamente. O mesmo mistério divino que nos dá vida, perdoa e salva, que sustenta com beleza e harmonia o universo por ele criado, é também o mistério presente na tragédia e na dor humana. Qualquer esforço para entender será sempre limitado. A resposta de Deus ao sofrimento humano não foi tentar explicá-lo, mas enviar seu Filho eterno, que se fez homem entre nós, mergulhou nos abismos da dor e do sofrimento, para nos mostrar, por meio da cruz e da ressurreição, o caminho da vida e da esperança eterna.

No meio dessas tragédias reconhecemos que não possuímos nada. Não temos controle sobre nada. O futuro não nos pertence. Tudo pode acabar num instante. Somente em Cristo podemos nos alimentar de uma esperança real e eterna. Nele, e somente nele, temos segurança real. Diante do sofrimento devemos nos calar e nos abrir para a solidariedade. Nossa mente finita e limitada não consegue compreender os mistérios do propósito divino; portanto, resta-nos chorar, lamentar e consolar os que sofrem.

Nas tragédias o ser humano tende a manifestar o que há de melhor ou de pior no coração. Manifesta solidariedade ou indiferença. Esperança e fé ou ceticismo e desesperança. Bondade e generosidade ou egoísmo e ambição. Temor e reverência a Deus e aos seus propósitos eternos ou revolta e incredulidade.

Minha oração é que, em meio a tantas tragédias, nosso coração continue crente. Que nossa fé seja fortalecida na esperança do Deus que reina. Que nossa resposta seja solidária, compassiva e generosa. Que nossas orações sejam um clamor para que a humanidade se volte para Cristo, em quem a vida, mesmo em meio às piores tragédias, encontra sentido. 

Porque nele, por meio dele e para ele é que todas as coisas existem. “Ele faz a ferida e ele cura”. 

Ao Senhor seja toda glória.

Fonte: http://www.ippdf.com.br/textos-e-artigos/mais-forte-que-a-morte-2/

November 27, 2018

As feridas leais de um amigo

.
- Ricardo Barbosa

Alguns meses atrás, marquei com um amigo para passarmos um tempo juntos, conversando e orando. Durante nossa conversa, abri meu coração, compartilhei com ele minhas frustrações, cansaço, desânimo e tristeza. Depois de me ouvir com atenção, voltou-se para mim e disse que o meu problema não eram os outros, nem meus planos que não deram certo, mas eu mesmo. Disse quanto eu era orgulhoso e que minhas frustrações refletiam a decepção que eu nutria para comigo mesmo. A conversa foi dura e longa.

Depois da decepção por não ter ouvido o que eu gostaria de ouvir, agradeci a Deus por aquele irmão ter tido a coragem de me alertar para o abismo no qual eu estava entrando. Sua honestidade e amor deram-lhe a coragem moral de não hesitar em me ferir. Pude perceber que minhas frustrações, fruto do meu orgulho, prejudicavam não só a mim, mas todos à minha volta. O sábio de Provérbios diz: “Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos” (Pv 27.6).

Todos nós precisamos de amigos leais que tenham a coragem de nos ferir, porém, numa cultura politicamente correta e hipersensível a críticas, abandonamos as palavras sinceras e verdadeiras e as trocamos por bajulações vazias e falsos elogios.
Uma das marcas da amizade de Jesus com seus discípulos foram suas “palavras duras” dirigidas a eles. Ele não caminhou com seus discípulos proferindo apenas palavras suaves, doces e afirmativas. Jesus foi capaz de dizer “arreda de mim Satanás…” a Pedro, um dos seus discípulos mais próximos. Recomendou ao jovem rico que doasse todos os seus bens aos pobres. Àqueles que queriam segui-lo, disse que deveriam abandonar pai, mãe, mulher, filhos irmãos e a própria vida. Jesus encorajou seus seguidores com palavras consoladoras, porém nunca abandonou as palavras duras e jamais hesitou em ferir seus discípulos, para o bem deles. Por isso mesmo Jesus os chamou de “amigos”.
Quando pensamos em amizade, pensamos em pessoas por quem naturalmente temos grande empatia, que gostam das mesmas coisas que gostamos e pensam do mesmo jeito que pensamos. Procuramos pessoas que nos confortem em tempos difíceis, encorajem nos momentos de dúvida e nos apoiem em nossos planos e projetos. No entanto, sabemos que amizade é mais do que isso.
Sabemos que poucas pessoas se importam, de verdade, com nossa alma. Poucos têm a coragem de colocar em risco sua imagem pessoal ferindo nosso orgulho pelo bem da verdade e da eternidade. Muitos beijos e abraços são enganosos e têm o potencial de nos fazer acreditar naquilo que não somos; mesmo aqueles que são sinceros podem nos afastar de Deus e da salvação. Amigos que fazem as perguntas difíceis, que se importam com nossa vida, com o risco de nos perdermos em nossos pecados e enganos, que preferem nos ferir a nos ver perdidos e confusos, são os verdadeiros amigos.
Encontramos nos Evangelhos um exemplo real de amizade. Jesus via seus discípulos como pessoas que lhe haviam sido confiadas por Deus. Por isso ele os repreendeu, exortou, foi firme e duro e, ao mesmo tempo, compassivo e misericordioso. Jamais abriu mão de sua lealdade e buscou, em todo tempo, conduzir seus amigos ao conhecimento de Deus e à vida eterna.
Sou grato a Deus pelos amigos que me ferem, pelas perguntas difíceis e reveladoras. Sou grato a Deus por aqueles que preferem mais ser leais a ser simpáticos, que se importam mais comigo do que com sua imagem, que zelam pela minha eternidade e não por um breve e frágil momento de descontração.
Fonte: https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/363/as-feridas-leais-de-um-amigo

November 26, 2018

Inteiro

.
- Ricardo Barbosa

A ambigüidade é uma marca de nossa cultura e da vida religiosa. Falamos, comentamos e ensinamos a santidade de Deus, mas fugimos dela. Insistimos no valor da vida comunitária, mas não queremos nos envolver com ela. Afirmamos que Jesus é o Senhor, mas não queremos obedecê-lo. A graça nos fascina, mas frequentemente justificamos nossa existência e experiências nos comparando com outros. Queremos a vontade de Deus, mas temos receio do que ele pode fazer conosco. 

Um coração perfeito, inteiro, íntegro, é aquele que não é instável, que não pula de um lado para o outro, que sabe para onde caminha e o que quer. A integridade se dá quando as convicções estão em harmonia com as ações. Quanto a realidade interna e a externa, a postura pública e a privada não se encontram em conflito.

Esta é a preocupação da carta de Tiago. Ele aborda alguns temas que descrevem a falta de integridade na mente e no coração dos cristãos. O primeiro envolve a integridade entre o ouvir e o praticar a Palavra de Deus. 

Ouvir e não praticar produz, ao longo dos anos, um dano profundo na alma humana – desenvolvemos a habilidade de mentir para nós. Jesus falou sobre isto no sermão do monte e comparou o ouvinte não praticante a uma pessoa que perdeu a sanidade.

Um segundo tema que Tiago explora é a forma seletiva como nos relacionamos, tratando com honra algumas pessoas e com descaso outros. Nossos relacionamentos não obedecem um princípio integrador de valores, mas interesses mesquinhos e oportunistas. Afirmamos o mandamento de Deus de amar o próximo, mas tratamos com graves diferenças as pessoas que se aproximam de nós.

Um terceiro tema que Tiago considera é sua famosa tese da fé sem obras. Para ele, a fé verdadeira vem sempre acompanhada das obras, posturas, condutas, atitudes correspondentes. Não existe um discurso apropriado sobre a fé. A única credencial verdadeira para a fé são as obras que a acompanham.

Outra incongruência apontada por Tiago é o poder e a falta de integridade com a linguagem. Nossas conversas revelam a enorme ruptura na mente e no coração. Com nossa língua abençoamos e amaldiçoamos. Ensinamos as verdades mais gloriosas das Escrituras no domingo e as negamos no resto da semana.

Diante de tudo isto, Tiago levanta a pergunta: “De onde procedem guerras e contendas que há entre vós?” Nossos relacionamentos são inconsistentes. A espiritualidade é falsa. As convicções não dizem respeito a vida. Não temos um coração íntegro, inteiro, totalmente voltado para Deus e sua Palavra. 

Nossas orações surgem destas ambiguidades. Queremos ser amigos de Deus e do mundo e Tiago insiste dizendo “infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus”. 

Quero concluir com duas recomendações de Tiago. 

A primeira é de caráter bem pessoal. Ele diz: “Aproximem-se de Deus, e ele se aproximará de vocês! Pecadores, limpem as mãos, e vocês, que têm a mente dividida, purifiquem o coração. Entristeçam-se, lamentem-se e chorem. Troquem o riso por lamento e a alegria por tristeza. Humilhem-se diante do Senhor, e ele os exaltará”. Que conselho fabuloso! Um chamado a viver de forma íntegra. Rimos de nossa falta de integridade. Criamos uma falsa alegria. Tiago nos convida a sermos verdadeiros. Se não temos motivos para rir, choremos. Se não temos motivos para nos alegrar, lamentemos. É somente com um coração íntegro e verdadeiro que Deus vem e nos exalta.

A segunda recomendação é de caráter comunitário. No final de sua carta Tiago nos chama à oração. Não à oração privada, particular, dentro do quarto. Mas a oração comunitária. Orar com quem sofre e cantar louvores com quem encontra-se feliz. Orar com os enfermos, ouvir as confissões uns dos outros e ajudar o irmão(ã) que se afastou da verdade a voltar. A experiência comunitária tem o poder de levantar o doente, perdoar o pecador e curar os que tem o coração ferido pelas rupturas e fraturas de uma fé sem obras.

Humilhação pessoal e vivência comunitária são os dois meios que Tiago sugere para ter um coração e mente íntegros diante de Deus e dos homens. Salomão, depois de sua oração de consagração no templo, se volta para o povo e termina com este apelo: “Seja perfeito o vosso coração para com o Senhor, nosso Deus, para andardes nos seus estatutos e guardardes os seus mandamentos, como hoje o fazeis” (1 Rs. 8:54-61).

Fonte: http://bencaopura.blogspot.com/2016/11/o-coracao-dividido.html

PS- Para ouvir a trilha do dia, vai lá: https://www.youtube.com/watch?v=wH8StWFSw2s
.

November 25, 2018

Das profundezas clamo a Ti

.
- Ricardo Barbosa

A superficialidade nos afasta de Deus e da oração. No entanto, toda a busca por significado, aprofundamento dos desejos e consciência da beleza ou do sofrimento nos aproxima de Deus e da oração.

A verdadeira oração não é simplesmente aquilo que nossos lábios dizem, mas o que o coração clama. É o grito das profundezas, pois existe uma correspondência entre o interior do coração e as alturas do céu.

João Crisóstomo disse: “Por oração, não entendo a que está apenas nos lábios, mas a que brota do fundo do coração. De fato, assim como as árvores de raízes profundas não são quebradas nem arrancadas pelas tempestades, […] as orações que vêm do fundo do coração, assim enraizadas, sobem ao céu com toda a confiança e não são desviadas pelo assédio de nenhum pensamento. Por isso, o Salmo 130 diz: ‘Das profundezas clamo a ti, Senhor’”.

Muitos resistem à prática da oração porque são superficiais. Evitam entrar em contato com os desejos mais profundos da alma, fogem da dor e do sofrimento, são insensíveis à beleza, impacientes com o silêncio, temem a transformação e insistem em permanecer no controle de todas as coisas.

Aprendem a usar Deus e não a amá-lo. Querem um Deus que resolva seus problemas, mas não desejam submeter-se a Ele. Não reconhecem suas fraquezas e seus medos. C. S. Lewis disse: “Eu oro porque não posso me ajudar. Eu oro porque estou desamparado. Eu oro porque a necessidade flui em mim o tempo todo, dormindo ou acordado. Isso não muda Deus. Isso me muda”.

A oração envolve uma escuta silenciosa daqueles que buscam sentido e orientação. Pode ser também um grito de desespero clamando por socorro em meio à angústia. Muitas vezes ela se mostra numa celebração gloriosa diante da contemplação da beleza. Ou pode ser um lamento triste diante do mistério da perda e da morte.

A oração brota das profundezas da alma e desperta nossa consciência para a presença, o amor, o cuidado e a bondade de Deus. Santo Agostinho disse que Deus é “mais interior a nós do que nós mesmos”. A oração nos atrai para ele.

Precisamos da oração para entrar e participar desta comunhão gloriosa com nosso Senhor. Dionísio Areopagita apresenta uma imagem muito rica para esta união com Deus. É como “se estivéssemos num barco e nos tivessem jogado, para socorrer-nos, cordas presas a um rochedo. É evidente que não puxaríamos para nós o rochedo, mas nós mesmos, com o nosso barco, é que seríamos puxados até ele. […] Por isso […] é preciso começar pela oração, não para atrair para nós esse Poder […] mas para colocar-nos em suas mãos e unir-nos a ele […]”.

Nossas orações nascem de um coração “compungido” e “contrito”, é o suspiro da “corça pelas correntes de águas”, é o anseio da alma que tem sede de Deus, a busca da “ovelha” por pastos verdejantes e águas de descanso.

Ao orar, precisamos lembrar que “aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?”. Se Deus nos deu o que tem de mais precioso, seu Filho unigênito, haveria alguma coisa que ele nos negaria?

“Das profundezas clamo a ti, Senhor.”

Fonte: http://www.ippdf.com.br/textos-e-artigos/das-profundezas-clamo-a-ti-senhor-rev-ricardo-barbosa/

November 24, 2018

Socorro em meio à crise

.
Texto base: Juízes 2.1-23
Leitura diária
– Sl 33.1-22 – A vontade do Senhor dura para sempre;
– Jó 19.1-29 – O Redentor vive;
– Rm 11.33-36 – A sabedoria dos desígnios de Deus;
– Dn 4.1-37 – O plano de Deus está sobre todos;
– Is 45.8-18 – Senhor Deus é o criador;
– Sl 40.1-17 – Deus ouve o nosso clamor;
– Ef 1.1-14 – O plano redentor de Deus

Introdução

A humanidade vive entre crises. De tempos em tempos, alguma crise afeta as nações. Guerras, doenças, falência financeira, etc. Nos últimos dias, por exemplo, vivemos a grande crise econômica que afetou, diretamente, a economia mundial.
As crises trazem, sempre, instabilidade e incerteza. Diante delas, os homens são induzidos a certas decisões que nem sempre são acertadas, porque são tomadas às pressas ou sob nenhuma orientação segura. Além do mais, quando o pecado acende mais gravemente entre os homens, as escolhas são sempre carregadas de impiedade.
O livro de Juízes revela, com clareza, uma época de grande crise em Israel e de crescimento da impiedade. Josué havia morrido e seus sucessores não conheciam o Senhor (Jz 2.10). O crescimento do pecado e da impiedade, portanto, foi inevitável. O povo estava sem direção e quando não há conselho seguro o povo cai. Israel caiu.
Nesta lição, veremos a ação da providência de Deus para livrar Israel da impiedade e do pecado e garantir-lhe a sobrevivência em meio à crise.

I. Sem Deus, os homens perecem

Quando não há conhecimento de Deus, os povos caem. As Escrituras, em muitos lugares, afirmam claramente que na ausência de conhecimento sempre há o aumento do pecado e da impiedade. Esta verdade tem sido demonstrada ao longo da história da humanidade. Quando os homens se esquecem da sabedoria de Deus, eles perecem, pois se entregam aos seus próprios entendimentos e prazeres, atraindo sobre si mesmos a ira de Deus.
O conhecimento de Deus é o fundamento da vida humana. Sobre isso assevera João Calvino: “Em primeiro lugar, ninguém pode olhar para si mesmo sem que, imediatamente, torne seus pensamentos à contemplação de Deus em quem ‘se vive e se move’ (At 17.28)… o conhecimento de nós mesmos não somente nos prende a buscar a Deus, mas também, como se fôssemos conduzidos pela mão a encontrá-lo”.[1]
Para crescer em uma vida reta é necessário conhecer a Deus mediante a sua Palavra revelada, pois a falta do entendimento de Deus e de sua vontade dá liberdade ao coração pecaminoso do homem a agir segundo os seus interesses. Oséias diagnosticou o problema de Israel e sua corrupção apontando para a ignorância da nação: “Ouvi a palavra do Senhor, vós, filhos de Israel, porque o Senhor tem uma contenda com os habitantes da terra, porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus… O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos (Os 4.1,6).
Semelhantemente, Malaquias condenou a instrução maligna dada pelos sacerdotes, quando eles, como mestres de Israel é que deveriam promover o puro e límpido conhecimento de Deus: “Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens procurar a instrução, porque ele é mensageiro do Senhor dos Exércitos. Mas vós vos tendes desviado do caminho e, por vossa instrução, tendes feito tropeçar a muitos; violastes a aliança de Levi, diz o Senhor dos Exércitos” (Ml 2.7,8).
Juízes 2 descreve a situação degradante e perniciosa em que viviam os israelitas. O principal ataque à vida espiritual estava no culto a Deus. De fato, sempre que o pecado cresce numa localidade, o primeiro alvo é o culto a Deus. O culto é a expressão da compreensão que o povo tem do seu deus. É possível, então, conhecer um deus a partir do culto que os seus seguidores lhe oferecem. Esse ponto se torna ainda mais perceptível no período dos reis de Israel, quando os reis adoravam ao Senhor e ao mesmo tempo a outros deuses. Essa anomalia teve início com Salomão (1Rs 11.1-8).
Adorar a Deus e a outros deuses é pior do que a adoração somente a outros deuses. O que Salomão fez foi tentar uma aliança entre o Senhor e outros deuses. Tal como ele encontramos o rei Jeú, pois enquanto obedeceu a palavra de Deus para destruir todos os descendentes de Acabe e a Jezabel (2Rs 9.30-10.14), ele também não tinha o coração totalmente devotado ao Senhor, porque se prostrava perante ídolos (2Rs 10.28-31). Desse erro ninguém está isento, portanto devemos manter o nosso coração firmado no Senhor: “Não há entre os deuses semelhante a ti, Senhor; e nada existe que se compare às tuas obras” (Sl 86.8). Assim asseveraram os profetas: “Ninguém há semelhante a ti, ó Senhor; tu és grande, e grande é o poder do teu nome” (Jr 10.6); “Eu sou o Senhor, e não há outro; além de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que não me conheces” (Is 45.5); “Sabereis que estou no meio de Israel e que eu sou o Senhor, vosso Deus, e não há outro; e o meu povo jamais será envergonhado” (Jl 2.27).
O Deus de Israel tinha um culto específico. Ele havia prescrito em detalhes os elementos que deveriam constar em todos os atos do culto. Israel, então, renegou esses princípios e abandonou o seu Deus. Passou a adorar outros deuses, os baalins (Jz 2.11). Os israelitas estavam imersos em conceitos religiosos pagãos e, por esta razão, permitiram a entrada de outros povos e seus respectivos deuses no meio deles (Jz 3).
O apóstolo Paulo, na sua carta aos romanos, afirmou que o desvirtuamento do culto gera o aumento de pecado e impiedade (Rm 1.28-32): “E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes” (Rm 1.28). Este é o retrato daqueles que negam o Senhor e andam após outros deuses.
Josué havia dito que os homens seriam infiéis e trariam para si o juízo de Deus (Js 24.16-20), porque eles eram incapazes de servir a Deus e prestar-lhe culto com a devoção e obediência devida.
Entretanto, Deus não permitiu que o seu povo sucumbisse eternamente e providenciou juízes ou libertadores para restaurá-lo em meio à crise.

II. O Senhor levanta homens como instrumentos de salvação

Em cada época da história, Deus levanta seus servos para lutar em prol do seu reino. Não podemos nos esquecer de que a reforma, no sentido de retorno à Palavra de Deus, com arrependimento e fé, sempre existiu na vida da igreja deste a origem do homem. Podemos pensar que a primeira reforma aconteceu no Éden, quando Deus usou sua Palavra para determinar os rumos de Adão e Eva após a queda. Jó, Noé, Abraão e outros patriarcas foram instrumentos de Deus para imprimir na mente da sociedade o verdadeiro sentido da fé no verdadeiro e único Deus. Vemos em 2 Crônicas 34-35 a reforma empreendida por Josias. Era uma situação em que Israel estava cercado por nações que adoravam os deuses dos gentios, deuses da natureza e a idolatria estava entrando em Israel. Em Neemias 8-10, vemos esse servo do Senhor sendo levantado para restaurar o templo e conduzir o povo novamente à adoração. E essa adoração foi feita através do retorno às Escrituras: “Leram no
Livro, na lei de Deus, claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia… tinham entendido as palavras que lhes foram explicadas… Dia após dia leu Esdras no livro da lei de Deus, desde o primeiro até o último…” (Ne 8.8,12,18).
Vemos reformas também no Novo Testamento. Se lermos Atos 2, perceberemos que após o Pentecoste, a igreja do Senhor crescia e: “… perseverava na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações” (At 2.42). A igreja adquiriu um novo estilo de vida, ela foi reformada. A pregação do Novo Testamento é sempre de renovação espiritual, de reforma de mente e de sentimento para a verdadeira adoração ao Senhor (Jo 4.24; Ap 2-3).
Em Juízes, Deus levantou vários servos seus, em meio a diferentes crises de apostasia e idolatria para restaurar a verdadeira adoração e o culto ao Senhor. Veja, no quadro abaixo, a relação de algumas dessas pessoas:
ReferênciaConquistadorDuração Libertador/Juiz
3.1-11
3.12-31
4-5
6, 7 – 8.32
8.33 – 9 – 10.5  
10.6-12
13.1-16.31
Cusã-Risataim
Rei de Mesopotânia
Rei de Moabe e Filisteus  
Jabim, rei de Canaã
Midianitas Guerra Civil
Anonitas
Filisteus
8 anos
18 anos
20 anos
7 anos
18 anos
40 anos
Otniel
Eúde e Sangar
Débora e Baraque
Gideão
Abimeleque, Tola e Jair
Jeftá, Ibzá, Elom e Abdom
Sansão
Deus nunca deixou o povo sem direção. Ao longo da história, ele levantou homens sérios, capacitados para a reforma da adoração. Em nossa época não é diferente, pois em meio às pregações corrompidas de misticismo e superstição, Deus continua a levantar homens leais ao evangelho que pregam a Cristo. Este era o desafio que Paulo enfrentava, mas ele não abria mão do conteúdo de sua pregação. Ainda que ele não se importasse com a forma, ele não negociava o conteúdo: “Todavia, que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por pretexto, quer por verdade, também com isto me regozijo, sim, sempre me regozijarei” (Fp 1.18).
Os reformadores enfatizaram a singularidade de Cristo para a salvação sob o lema Solus Cristus – somente Cristo – fazendo eco ao apóstolo: “Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado” (1Co 2.2).

III. O Senhor é quem estabelece os métodos para chegar à vitória

O apóstolo Paulo disse: “Deus escolheu as cousas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus” (1Co 1.28,29). De fato, pode-se ver uma maneira pouco convencional de Deus agir em algumas situações de guerra.
O livro de Juízes, por exemplo, apresenta algumas dessas maneiras:
  • Uma aguilhada de bois (3.31) – era um instrumento pontiagudo usado para “tocar” a boiada. Era um instrumento perfurante, muito perigoso no manuseio, pois poderia se tornar uma arma fatal.
  • Uma estada de tenda (4.21) – do mesmo modo que a aguilhada era também um instrumento perfurante, feito de madeira e, normalmente, liso e pontiagudo.
  • Tochas (7.20) – utilizadas para incendiar os exércitos inimigos e seus objetos.
  • Uma pedra de moinho (9.53) – utilizada por uma mulher para matar Abimeleque.
  • Uma queixada de jumento (15.15) – utilizada por Sansão para ferir mil homens.
Deus tem os seus gloriosos métodos, porque ele é Senhor da história. Às vezes, queremos acrescentar aos métodos do Senhor nossos próprios e pecamos contra ele, pois, via de regra, sugerimos métodos carnais e que não trarão o resultado esperado. Como Deus é quem sabe todas as coisas, a ele devemos deixar que faça tudo conforme o seu agrado.
Qual é, portanto, o objetivo de Deus ao utilizar métodos tão pouco convencionais? Paulo nos diz que o principal objetivo é desafiar a “sabedoria dos sábios e entendidos”. De modo, de certa forma, irônico, Paulo diz: “Onde está o sábio? Onde, o escriba? Onde, o inquiridor deste século?”, e prescreve: “Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos instruídos” (1Co 1.19,20). Calvino comenta essa passagem da seguinte maneira: “Além do mais, visto que a maneira usual de Deus vingar-se é golpeando de cegueira os que se acham presos a seu próprio entendimento, e são excessivamente sábios a seus próprios olhos, não surpreende que homens carnais se levantem contra Deus, na tentativa de fazer sua verdade eterna dar lugar às suas tolas presunções, tornando-se insensatos e fúteis em seus raciocínios”.
Mais à frente, Calvino considera ridícula toda presunção que se declare autônoma ao conhecimento de Cristo: “Seguese que, qualquer conhecimento que uma pessoa venha a possuir, sem a iluminação do Espírito Santo, está incluído na sabedoria deste mundo… Pois qualquer conhecimento ou entendimento que uma pessoa possua não tem o menor valor se não repousar na verdadeira sabedoria; e não é de mais valor para apreender o ensino do que os olhos de um cego para distinguir as cores. Deve-se prestar cuidadosa atenção a ambas as questões, ou seja: (1) que o conhecimento de todas as ciências não passa de fumaça quando separada da ciência celestial de Cristo; e (2) que o homem, com toda a sua astúcia, é tão estúpido para entender por si mesmo os mistérios de Deus, como um asno é incapaz de entender a harmonia musical”.
O que as Escrituras nos ensinam é que o crente não precisa temer os avanços da ciência, as opiniões da Filosofia, as leituras inclusivistas de nossa época, os pressupostos dos darwinistas, etc. Nada disso pode frustrar a sabedoria divina que é quantitativa e qualitativamente muito além da inteligência humana. O homem pensa, soberba- mente, que pode desafiar a sabedoria divina questionando os pressupostos bíblicos. Porém, Paulo diz: “Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Co 1.25). Além disso: “Não há sabedoria, nem inteligência, nem mesmo conselho contra o Senhor” (Pv 21.30). não pode haver pecado ou perversidade que dure muito tempo: “O homem não se estabelece pela perversidade, mas a raiz dos justos não será removida” (Pv 12.3); “Porque o que vende não tornará a possuir aquilo que vendeu, por mais que viva; porque a profecia contra a multidão não voltará atrás; ninguém fortalece a sua vida com a sua própria iniqüidade” (Ez 7.13).
Portanto, é tolice humana tentar compreender os métodos divinos. Eles não se encaixam no nosso pensamento e em nossos caminhos: “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos” (Is 55.8,9). Quem pode entender as coisas de Deus (Is 40.12-18)?
Assim, não é preciso temer. Deus estará presente no meio da tribulação, agindo com mão poderosa, afinal: “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações” (Sl 46.1).

Conclusão

Israel viveu um período de escuridão devido à ignorância da Palavra de Deus. A geração nova que se levantou após a geração de Josué não conhecia ao Senhor, porque não foi instruída na lei do Senhor, para temê-lo, amá-lo e obedecê-lo. A consequência imediata a essa falta de entendimento é corrupção, pecado e idolatria. Lamentavelmente, o preço da ignorância é muito alto e, por esse motivo, o povo experimentou o cativeiro e a opressão daqueles povos que eles mesmos deixaram vivendo junto de si. Enquanto eles não cumpriram com a ordenança de Deus para expulsá-los, eles se voltaram contra Israel e os provaram.
Porém, Deus é cheio de graça e bondade e não permitiu que o povo vivesse para sempre nessa situação. Ele escolheu homens e mulheres para lutarem bravamente, na força do próprio Senhor, e libertou várias vezes o seu povo mostrando que estava sempre próximo, ouvindo os seus clamores e atentando à sua deprimente condição.
Deus ouve quando o seu povo clama e atende, trazendo libertação e salvação. Ainda que o Senhor se ire contra o seu povo, ele brevemente manifesta a sua misericórdia.
O verdadeiro servo de Deus sabe que o seu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra. Ele não dorme nem cochila ao cuidar de seu povo (Sl 121), pois aos seus amados ele concede bênçãos mesmo enquanto eles dormem (Sl 127.2). Por isso, é inútil tentarmos agir por conta própria. É necessário esperar na única esperança (Sl 40.1).

Aplicação

Em quem você tem colocado sua esperança no momento de crise? Quem você tem buscado para solucionar os seus problemas? Você realmente crê em Cristo que tudo pode? (Fp 4.13).
Fonte: http://ultimato.com.br/sites/estudos-biblicos/assunto/vida-crista/socorro-em-meio-a-crise/

PS- Para ouvir a trilha do dia, vai lá: https://www.youtube.com/watch?v=fknvJTbmNZw
.

November 23, 2018

Acertando o alvo

.
- C. S. Lewis

Não creio que todos os que escolhem a estrada errada percebem; contudo, o resgate deles consiste em serem conduzidos de volta à estrada certa. 

Só podemos corrigir voltando ao ponto em que erramos, e não, simplesmente, seguindo em frente. O mal pode ser desfeito, mas ele não pode se “desenvolver” em bem. 

O tempo não o pode curar. 

O feitiço tem de ser desfeito aos poucos, “com expressões de poder desagregador” — caso contrário não dá resultado. 

Continua sendo uma questão de escolha. 

Se insistirmos em conservar o inferno (ou mesmo a terra), não veremos o céu; se aceitarmos o céu, não nos será possível reter nem as menores e mais íntimas lembranças do inferno.

Fonte: http://ultimato.com.br/sites/devocional-diaria/2018/11/23/autor/c-s-lewis/faca-a-sua-escolha/

November 22, 2018

A oração simples

.
- Ed René Kivitz

Não existe oração errada. Aliás, a oração errada é aquela que não é feita.

A Bíblia Sagrada ensina que se deve orar a respeito de tudo. Orar por qualquer motivo, qualquer hora, qualquer lugar, sempre que o coração não estiver em paz. Tão logo o coração experimente apreensão, preocupação, medo, angústia, enfim, seja perturbado por alguma coisa, a ação imediata de quem confia em Deus é a oração.

O apóstolo Paulo diz que não precisamos andar ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, com ação de graças, devemos apresentar nossos pedidos a Deus, tendo nas mãos a promessa de que a paz de Deus que excede todo o entendimento, guardará nossos sentimentos e pensamentos em Cristo Jesus (Filipenses 4.6,7). A expressão "coisa alguma' inclui desde uma vaga no estacionamento do shopping center quanto o fechamento de um negócio, o desejo de que não chova no dia da festa quanto a enfermidade de uma pessoa querida.

Esta experiência de oração é chamada de oração simples: orar sem censura filosófica ou teológica, orar sem se perguntar "é legítimo pedir isso a Deus?" ou "será que Deus se envolve nesse tipo de coisa?". Simplesmente orar.

A garantia que temos quando oramos assim é a paz de Deus em nossos corações e mentes. A Bíblia não garante que Deus atenderá nossos pedidos exatamente como foram feitos: pode ser que a vaga no estacionamento não seja encontrada e que chova no dia da festa. A oração não se presta a fazer Deus trabalhar para nós, atendendo nossos caprichos e provendo o nosso conforto.

Já que a causa da oração simples é a ansiedade, a resposta de Deus é a paz. O resultado da oração não é necessariamente a mudança da realidade a respeito da qual se ora, mas a mudança da pessoa que ora. A mudança da situação a respeito da qual se ora é uma possibilidade, a mudança do coração e da mente da pessoa que ora é uma realidade. Deus não prometeu dizer sim a todos os nossos pedidos, mas nos garantiu dar paz e nos conduzir à serenidade. Não prometeu nos livrar do vale da sombra da morte, mas nos garantiu que estaria lá conosco e nos conduziria em segurança através dele.

O maior fruto da oração não é o atendimento do pedido ou da súplica, mas a maturidade crescente da pessoa que ora.

Na verdade, a estatura espiritual de uma pessoa pode ser medida pelo conteúdo de suas orações. Assim como sabemos se nossos filhos estão crescendo observando o que nos pedem e o que esperam de nós, podemos avaliar nosso próprio crescimento espiritual através de nossos pedidos e súplicas a Deus.

As orações revelam o que realmente ocupa nossos corações, o que realmente é objeto dos nossos desejos, o que nos amedronta, nos desestabiliza e nos rouba a paz.

O apóstolo Paulo diz que quando era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Mas quando se tornou homem, deixou para trás as coisas de menino (1 Coríntios 13.11).

Não existe oração certa e errada. Mas existe oração de menino e oração de homem. Oração de menina e oração de mulher. A diferença está no coração: coração de menino e de menina, ora como menino e menina.

A nossa certeza é que Deus também gosta de crianças.

Fonte: https://www.ultimato.com.br/conteudo/a-oracao-simples 

November 21, 2018

Terminar bem

.
Heroi é aquele que permanece humano numa sociedade desumana.

Como Nelson Mandela, não o presidente sul-africano, mas o prisioneiro que nos 27 anos de cadeia enfrentou a noite escura da alma e saiu inteiro.

November 20, 2018

O pecado do desespero

.
Não há como viver sem esperança

- Luiz Felipe Pondé

O desespero é um pecado. Deus disse que sua criação era boa. A ideia que a falta de esperança seja um pecado está no coração do hebraísmo antigo.
Tanto o judaísmo quanto o cristianismo e o islamismo carregam essa intuição antiga de um povo de pastores como um diamante em chamas em seu coração.
A falta de esperança como pecado é um fato bem conhecido por nós. De certa forma, como acontece com todo pecador consciente de sua cela, o desespero pode tornar você mais forte: a esperança pode ser uma fraqueza, como nos ensina Pandora (ela é o pior dos males escondido por Zeus na caixa de Pandora, para castigar a húbris humana de querer ter o segredo do fogo).
Quando você não tem mais nenhuma esperança, você se encontra na condição de Antígona, assim descrita pela fortuna crítica quando pensa a “psicologia” dos heróis trágicos: a calma que nossa heroína encontra ao final da peça homônima de Sófocles (morto em 408 a.C.), ao aceitar que deve morrer porque descende de um útero incestuoso. Antígona era filha de Édipo com sua mãe Jocasta.
A calma trágica pode ser uma força diante da inexorabilidade do mal no mundo.
No polo oposto, o rei Davi, nos seus belíssimos salmos, nos ensina que, mesmo ao atravessarmos o vale das sombras, Deus estará conosco, como nosso guia. Essa é a marca da esperança como uma das virtudes máximas no hebraísmo antigo (outra é a humildade). O desespero aqui peca contra a confiança no mundo.
Todo pecado descreve uma encruzilhada. Nesse caso específico, a falta de esperança interrompe a circulação sanguínea do espírito, coagulando-o na escuridão. Não há como viver no mundo sem esperança, ensinam-nos nossos ancestrais hebreus.
Acaba de ser publicada no Brasil, pela editora É Realizações (que inunda o mercado de livros no país com a beleza das letras distantes da boçalidade contemporânea), a peça “Esse Paraíso da Tristeza”, do brasilianista Sébastien Lapaque.
Ela é escrita a partir de trabalhos de Stefan Zweig (1881-1942) e Georges Bernanos (1888-1948). A obra e a vida de cada um serve de inspiração para o autor imaginar como teria sido a conversa entre os dois gigantes em Barbacena (MG), na casa de Bernanos, em 1942. A visita a Bernanos de fato se deu naquele ano, pouco antes de Stefan Zweig se matar aqui no Brasil, país onde ambos viviam.
Além de elementos históricos do momento (a guerra, o nazismo, o fascismo latente do governo Vargas), no centro do drama está a questão da esperança. O sofrimento de ambos com o nazismo e o fascismo (Bernanos fugira da França por se opor ao fascismo, Stefan Zweig era judeu –nada mais é preciso ser dito sobre seu desespero naquele momento) é conhecido pela fortuna crítica.
Bernanos é um autor a quem tenho dedicado atenção há algum tempo. O vínculo, em sua obra, entre um olhar agudo para o mal no mundo e a presença sobrenatural da graça como sutil detalhe em meio a esse mundo, é encantador. Como diz o personagem Bernanos num dado momento da peça, a fé é “como uma gota de esperança no oceano de dúvida”. Sua obra avança entre o nada e a graça. E, por isso mesmo, segue adentro do coração do hebraísmo antigo.
Como toda virtude, a esperança só brota na sua inteireza num terreno que lhe é hostil. Como estamos distantes aqui do farisaísmo moral que assola o mundo contemporâneo dos bonzinhos de coração e suas causas! Bernanos diz na peça que escreveu seis romances para tentar mostrar aos homens e às mulheres a presença do mal no mundo e em nós mesmos. Mas, como em toda boa teologia, o percurso pelo mal serve, antes de tudo, ao esclarecimento da visão da beleza e do bem que se esconde entre as trevas da realidade.
O Dostoiévski francês, como é chamado em seu país, era um homem que buscava a esperança como quem busca uma gota de oxigênio em meio ao vazio de ar. E aqui reencontramos a intuição do hebraísmo antigo: a esperança, assim como a coragem, são virtudes que se arrancam das pedras.
O hebraísmo antigo sabia que somente os pecadores verão a Deus. Nelson Rodrigues, que entendia profundamente da psicologia do pecador, traduziu essa máxima para “só os neuróticos verão a Deus”.
Se a humildade é a melhor resistência à estupidez e a coragem o melhor antídoto à mentira (temas também de Bernanos), a esperança é um trunfo contra o medo que nos assola todo dia, mesmo aqueles que se dizem felizes, belos e bons
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2018/11/o-pecado-do-desespero.shtml
.

November 19, 2018

Quem nos protege de nós?

.
- Daniel Martins Barros

Eu já caí no golpe de um estelionatário. Dei um sinal para comprar um carro que parecia barato demais para ser verdade. Era mentira, claro. Não é uma coisa que se conte com orgulho – acho que nunca confessei publicamente antes – por dois motivos. Primeiro porque a gente se sente burro. Mas, pior do que isso, cair em um golpe derruba uma das mitologias mais poderosas que construímos acerca de nós mesmos: a de que somos diferentes dos outros. Não é só descobrir que podemos ser tolos. É perceber que a vida inteira estávamos enganados quando achávamos que era impossível sermos tolos.

Isso acontece com todos. A maioria das pessoas acha que não é como a maioria das pessoas. Quando lemos sobre as pessoas que acreditam em fake news propaladas em suas bolhas da internet, achamos que apenas os outros caem presas nessa armadilha tão tacanha. Até que nos envergonhamos dias depois de ver desmentida uma notícia em que acreditamos – e compartilhamos – mas que parecia tão verossímil. Acreditamos que somos imunes à publicidade, à mídia, à influência externa, como se fôssemos dotados de um campo de força exclusivo.

Se a propaganda e o proselitismo resistem na sociedade é porque os outros não foram vacinados como nós. Nenhum médico acha que representantes de laboratórios influenciam suas prescrições. Ironicamente a única interessada – e que mede os resultados da ação –, a indústria farmacêutica continua gastando milhões por ano com representantes. “Sim, funciona”, pensamos. “Com os outros médicos.”

Na década de 1980 esse efeito foi pela primeira vez estudado formalmente, batizado de efeito de terceira pessoa. Os resultados dos anos precedentes de pesquisa sobre ele foram reunidos e hoje resta pouca dúvida.Não apenas acreditamos que os outros são mais vulneráveis às más influências alheias como também cremos que nós somos mais abertos quando se trata de influências positivas. Mensagens ruins não nos afetam, mas são um perigo para os outros. As boas mensagens nós captamos, mas infelizmente os outros não.

Estabelecidas essas bases gerais os arranjos entre as variáveis permitem cenários diversos. Definir quais são as mensagens boas, quais são as ruins, quem é “nós” e quem são “outros” irá depender do momento histórico, do contexto político, dos interesses econômicos, do discurso da moda. E sempre trará consigo a reboque a sensação de que temos de proteger os outros. Nós, médicos, temos de proteger eles, os leigos, da publicidade que os leva para hábitos não saudáveis. Nós, jornalistas, temos de zelar pelo interesse deles, os leitores inocentes, contra o engano das falsas notícias. Nós, os pais, precisamos impedir os filhos da influência das ideologias perniciosas. 

Todo grupo organizado em função de uma ideia é movido por uma ideologia. Mandar crianças para a escola por si só já é um ato ideológico. Seria fácil compreender isso.

Se pelo menos não nos achássemos mais espertos que a média. Mas achamos. Pelo menos até cair em um golpe.

Fonte: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,quem-nos-protege-de-nos,70002611860

November 18, 2018

A loucura dos sãos

.
Machado de Assis foi pioneiro no estudo dos distúrbios mentais camuflados

- João Pereira Coutinho

Hipócrita leitor: não espere nada de mim. Sou bicho preconceituoso e intolerante, mesmo quando não quero. Sobretudo quando não quero. Os meus preconceitos são vastos, como oceanos de maldade que tudo afogam em cinismo e irrisão. Culturas, povos, sexos, minorias —nada escapa. Antes de a razão calçar as botas, já os meus preconceitos deram a volta ao mundo (obrigado, Mark Twain).

Mas que dizer daqueles que não têm preconceitos e, pior, declaram ufanamente que vivem de cabeça limpa? Devemos invejar esses seres?

Um pouco de calma. É preciso ter em conta os “preconceitos inconscientes”. A ciência, sempre incansável, debruça-se sobre esse abismo. E garante que uma alma pura nunca é tão pura como pensa.

Que o diga a professora Dolly Chugh, psicóloga social, entrevistada pelo Wall Street Journal. Afirma a doutora que todos temos “preconceitos inconscientes”. Eles podem surgir quando vemos uma mulher aos comandos de um avião (e sentimos um arrepio de medo pela espinha abaixo). Ou quando um mendigo nos pede esmola (e escutamos um “vai trabalhar, vagabundo” ecoando na nossa alma).

Para a professora Chugh, esses preconceitos influenciam os nossos comportamentos e não contribuem para um mundo melhor.

É por isso que muitas empresas já obrigam os seus trabalhadores a frequentarem certos seminários. O objetivo é “revelar”, por uma espécie de “auto de fé” científico, os demônios que se escondem por trás da máscara gentil.

Um dos instrumentos para proceder ao exorcismo é o “implicit association test”, inventado em Harvard, corria 1998. Fato: os pais do teste sempre fizeram uma distinção entre ter certas crenças (negativas) sobre pessoas ou minorias e praticar certas ações (negativas também) contra elas. A primeira asserção não conduz à segunda.

Mas se é possível cortar o mal pela raiz, produzindo um ser humano perfeito e limpo até nos seus pensamentos, por que não tentar?

Quando lia sobre o tema, sorri. E então pensei que o Brasil foi pioneiro nessa área quando, em 1882, produziu um dos primeiros documentos sobre distúrbios mentais camuflados. O autor dava pelo nome de Joaquim Maria, embora seja mais conhecido por Machado de Assis. O título do estudo? “O Alienista”.

Para os infelizes que nunca leram Machado (eu disse “infelizes”? Olha aí o preconceito intelectual!), é a história de um homem, Simão Bacamarte, que abandona uma carreira internacional para se dedicar à sua terra.

A terra é Itaguaí e o dr. Bacamarte tem um sonho: curar a loucura. Como tolerar a imagem decadente de loucos vagueando pelas ruas, sem salvação ou consolo? Esses são os “mansos”, explica o narrador. Os “furiosos” são trancados em casa e ali apodrecem até ao último suspiro.

Inconformado, Simão Bacamarte monta o seu hospício —a Casa Verde— e começa a internar os patológicos. Mas se o espírito humano é uma “concha”, como ele afirma, é preciso ir sempre mais fundo na busca da “pérola”, ou seja, da razão.

Rapidamente, o dr. Bacamarte passa dos patológicos para os suspeitos; dos suspeitos para os ambíguos; e dos ambíguos para qualquer um que mostre a mais leve imperfeição aos seus olhos. Até a mulher, santa criatura, lá vai parar ao manicômio: as suas preocupações com vestidos e joias são a revelação fatal de um cabeça arruinada. 

A Casa Verde enche-se. Quase toda a terra ali está porque “o equilíbrio perfeito de todas as faculdades” é artigo raro, raríssimo.

Pelo menos, até ao momento em que o dr. Bacamarte questiona a sua própria teoria: será que a razão é mesmo “o equilíbrio perfeito de todas as faculdades”? Ou esse equilíbrio é a verdadeira manifestação de loucura, o que implica libertar os primeiros loucos e internar a população sã que restou?

Lendo “O Alienista”, percebemos como o dr. Bacamarte é um antepassado dos psicólogos modernos que procuram curar o “preconceito inconsciente”. Todos agem por amor ao próximo. Todos desconfiam da constância aparente. E todos gostariam de internar a humanidade em mil Casas Verdes, procurando a “pérola” escondida na “concha” enferma.

Claro que, lendo ou relendo Machado, uma dúvida assalta o leitor —e, por fim, os habitantes da terra e até o médico: e se o verdadeiro alienado for o próprio alienista?

Ou, adaptando a pergunta para os nossos tempos, e se o verdadeiro preconceituoso for aquele que não tolera preconceitos? Terá ele a coerência do dr. Bacamarte para se encerrar na cela em busca de uma cura para si próprio?

Mistério. É nesses momentos que uma pessoa suspira de alívio por já não ter salvação.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2018/11/a-loucura-dos-saos.shtml